Camila Moura de Carvalho

Juíza do trabalho no TRT-15 e mestranda em Ciências do Trabalho e Relações Laborais/ ISCTE-IUL, Lisboa.

Opinião

Colonialidade do poder: reflexões sobre uma diversidade de pensamentos antirracista e não sexista

A identidade cultural é importante para todos, mas pode ser difícil de definir – não se trata apenas da cor da nossa pele. É também sobre nosso local de nascimento, nossa nacionalidade, nossas experiências, nossa história. A escravidão transatlântica moldou a identidade de muitas pessoas […]

Manifestantes protestam contra as políticas econômicas do governo em Santiago, em 26 de outubro de 2019. Foto: CLAUDIO REYES / AFP
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A identidade cultural é importante para todos, mas pode ser difícil de definir – não se trata apenas da cor da nossa pele. É também sobre nosso local de nascimento, nossa nacionalidade, nossas experiências, nossa história. A escravidão transatlântica moldou a identidade de muitas pessoas da diáspora africana.

– Citação extraída de exposição permanente em Museu internacional da Escravidão. Liverpool, Inglaterra, abril/2022.

O objetivo desse texto é formular algumas breves reflexões sobre o conceito de “colonialidade do poder” e sobre como o debate em torno de uma educação antirracista e não sexista pode contribuir para uma pluralidade de conhecimentos, saberes e práticas capazes de promover mais equidade e justiça social na nossa contemporaneidade. Evidentemente que não se pretende aqui esgotar o assunto, dada a sua complexidade, mas apenas lançar luzes sobre esse debate tão necessário quanto atual.

O sociólogo e pensador peruano, Aníbal Quijano, em sua obra “Colonialidade do Poder, eurocentrismo e América Latina”, propõe que a ideia de raça é uma “categoria mental da modernidade” construída pelos europeus no contexto de dominação colonial da América, com o objetivo de diferenciar conquistadores e conquistados, criando identidades hierárquicas, lugares e papéis sociais que passam a ser regidos por uma relação de dominação. Relação essa que também se entrelaça com a condição de gênero, em relação à mulher, o que a filósofa e teórica feminista decolonial Maria Lugones conceitua como “colonialidade de gênero”.

Essas questões ganham importância e dizem muito respeito às pessoas afrolatinoamericanas, localizadas no sul global do mundo moderno. O fenômeno da colonialidade do poder molda as relações sociais contemporâneas, marca os sujeitos e promove a continuidade do projeto colonial, atualizando-o nos moldes do capitalismo sob a forma neoliberal. Segundo Quijano no texto “Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina” (Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 9-31, set./dez. 2005b, p. 23):

Para a América e, em particular, para a atual América Latina, no contexto da colonialidade do poder, esse processo implicou que, à dominação colonial, à racialização, à re-identificação geocultural e à exploração do trabalho gratuito, fosse sobreposta a emergência da Europa Ocidental como o centro do controle do poder, como o centro de desenvolvimento do capital e da modernidade/racionalidade, como a própria sede do modelo histórico avançado da civilização.

Continua Quijano:

Todo um mundo privilegiado que se imaginava, se imagina ainda, autoproduzido e autoprojetado por seres da raça superior ‘par excellence’, por definição os únicos realmente dotados da capacidade de obter essas conquistas. Desse modo, daí em diante, a dependência histórico-estrutural da América Latina não seria mais somente uma marca da materialidade das relações sociais, mas sim, sobretudo, de suas novas relações subjetivas e intersubjetivas com a nova entidade/identidade chamada Europa Ocidental e a de seus descendentes e portadores onde quer que fossem e estivesse.

O sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018).

É preciso desafiar, sem negar, o conhecimento oriundo do norte global contrapondo-o com reflexões sobre uma diversidade de pensamento para além do capitalismo global, o que a teórica Catherine Walsh chama de “giro decolonial”.

É inegável o contributo que o pensamento eurocêntrico trouxe e traz à humanidade. Entretanto, é preciso incorporar e transcender esse posicionamento, abrindo o espaço de disputa do debate.

É premente dar lugar às falas provenientes das periferias, das margens do Sul Global, de modo que a produção das teorias, saberes e práticas também conte com a efetiva participação desses sujeitos, uma vez que historicamente invisibilizados e silenciados.

De forma muito resumida, são esses os projetos apresentados pelas teorias pós-coloniais, decoloniais e pelas teorias do sul, cujas diretrizes são apoiadas pelo “posicionamento crítico fronteiriço”, nas palavras do semiólogo argentino Walter Mignolo, e no que se tem chamado de “desobediência epistêmica”, assumindo um caráter político e ético e se orientando para a diferença e transformação das matrizes do poder colonial.

Portanto, de um lado há no âmbito das instituições de ensino o chamado epistemicídio de raça e gênero, que opera em benefício do conhecimento eurocêntrico, produzido pelo homem “branco-cis-heteronormativo”. Enquanto, por outro, é nessas instituições mesmas que encontramos um grande poder de enfrentamento tanto do racismo, como do sexismo. É, desse modo, por via de uma educação que se disponha a uma pluralidade epistemológica que tais problemáticas advindas da modernidade podem ser melhor compreendidas e diluídas.

Finalmente, como já dito, por óbvio que as ideias aqui lançadas não são capazes, nem de longe, de esgotar ou selar consensos sobre o tema, mas tão somente inaugurar um debate que, felizmente, parece vir ganhando voz e visibilidade nas diversas instâncias da sociedade brasileira, exemplificativamente na academia, na política, na cultural, na educação ou no direito.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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