Vanguardas do Conhecimento

Mais 8 mitos sobre a reforma da Previdência

Além de algumas confusões no debate, há mentiras sendo propositadamente difundidas de forma irresponsável

Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, e os ministros Eliseu Padilha e Antonio Imbassahy: Planalto confiante em aprovar texto nos moldes originais
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Em texto anterior, apresentei 8 dos mitos mais importantes da reforma da Previdência brasileira. Como eles são tantos e tão relevantes, traz-se abaixo mais 8 mitos que estão confundido o debate:

1) Os menos favorecidos serão prejudicados pela reforma

Os, de fato, menos favorecidos são os muitos milhões que sequer têm emprego formal na maior parte da vida e que, por isso, sequer fazem parte da Previdência. São também aqueles que, por motivo de doença ou acidente, não podem mais trabalhar e dependem de uma Previdência fiscalmente sólida para sobreviver. Vale lembrar que em torno de 25% da população depende do Bolsa Família.

A parcela de ocupados não cobertos pela Previdência também representa mais do que 25%. Esses precisam, por exemplo, de redução da tributação sobre o consumo, para que possam comprar bens mais baratos, e de mais investimentos em infraestrutura e em formação/qualificação, além de políticas mais eficientes que incentivem a formalização.

Parte das dezenas de bilhões de déficit, que aumentarão exponencialmente nos próximos 10 anos, e cada vez ficará pior, poderiam ser usadas para beneficiar essas pessoas e bem mais gente. Assistência social é algo bem diferente de Previdência. A primeira serve para garantir direitos fundamentais a pessoas necessitadas em geral e a outra serve para dilatar o consumo e garantir renda a pessoas que não podem/devem trabalhar, como na velhice.

É fundamental proteger trabalhadores com menor renda, porém é preciso utilizar as políticas mais adequadas para isso. Trabalhador capaz e em idade produtiva não deve ser protegido pela previdência, mas por políticas de assistência voltadas para empregabilidade ou empreendedorismo. Usando as políticas erradas, termina-se gastando muito e não resolvendo os problemas do país.   

2) É preciso escolher entre a proposta do governo Temer ou sua não aprovação completa

Há infinitos desenhos possíveis da Previdência. Essas duas opções são muito ruins, pois a proposta em discussão quebra as expectativas, não aumenta a redistribuição de renda, não incentiva uma maior formação de capital pelos mais ricos, não eleva a cobertura etc.; contudo, a negação da reforma postergará um problema grave, que, apesar de ainda poder ser atacado com alguma suavidade, precisa ser resolvido logo, para que dê tempo de todos se adaptarem às mudanças e para garantir a realização de outras reformas fundamentais, como a tributária.

A reforma da Previdência já está em debate e há boas chances de o governo Temer aprová-la apenas com poucos remendos. A força da sua base, ainda que conquistada de forma não muito legítima, está provada. Pragmaticamente, aqueles que não aceitam a proposta precisam parar de negar que o sistema atual, além de fiscalmente insustentável, é muito ruim para a produtividade, pouco redistributivo e deixa à margem dele muitos milhões de brasileiros. 

3) Deveríamos diferenciar profissões que trabalham mais

Certas profissões são citadas como mais duras do que outras para justificar a necessidade de diferenciações entre elas. Todo professor trabalha mesmo três jornadas? E quantas profissões não terminam levando a isso no Brasil, devido aos baixos salários e ao pequeno poder de compra da população?

É muito comum que advogados, publicitários e outros profissionais liberais trabalhem 12 ou mais horas por dia, inclusive em finais de semana. Esses, então, não deveriam ter também direito a uma aposentadoria maior?

Qual o critério racional para definir a profissão beneficiada? Por essa linha, médicos que têm consultório e dão plantões, trabalhando com frequência ao longo de 24 horas seguidas, não tendo descanso no dia seguinte, numa das profissões mais importantes de todas, não deveriam ter também uma previdência privilegiada?

E as atividades braçais que fazem trabalhadores chegarem bastante cansados às idades avançadas, não merecem também uma aposentadoria mais cedo? Então, devem ser privilegiados todos os pedreiros, carpinteiros, pintores etc.? A aposentadoria rural deveria, portanto, continuar completamente beneficiada?

Se deixados paixões, interesses e experiências próprias de cada um de lado, e se estudado o tema com seriedade, percebe-se que não há critério racional e eficiente para separar as profissões, e é assim que acontece na grande maioria dos países do mundo, onde todas elas também são encontradas.

O design de um sistema previdenciário é assunto extremamente técnico e complexo, que precisa ser definido, ainda que com senso de justiça social, sem visões “coitadistas”, que tentam solucionar problemas tidos por específicos, mas que são, muitas vezes, bem mais gerais e mais difíceis de resolver do que se imagina.

Outro problema é o político fazer um uso infeliz do debate sobre a Previdência para ganhar apoio, defendendo certas bandeiras que suprem os interesses imediatistas de um público alvo que lhe interessa.

Há, ademais, cada vez maior mobilidade entre as profissões, o que dificulta definir quem é o que. Desde o século XX, a tradição de pais passarem profissões aos filhos e cada um realizar, em regra, o mesmo trabalho durante toda a vida, veio se desfazendo, o que impõe mudanças drásticas nas políticas, desde as educacionais até as previdenciárias.

Nessa linha de procurar dificuldades nas profissões para justificar um privilégio na previdência há todo tipo de argumento. Os militares dizem que passam por isso e aquilo, de modo que se justificaria a regra atual de aposentar mais cedo com benefício integral.

Seguido esse caminho, praticamente todo profissional vai encontrar dificuldades que enfrenta ao longo da vida e vai querer aposentadoria facilitada, como se a previdência servisse para compensar as dificuldades das vidas profissionais das pessoas. 

4) Deveríamos diferenciar os trabalhadores por região

Na linha do mito anterior, há cada vez maior mobilidade territorial dos indivíduos. Qual o benefício de alguém que começou trabalhando no interior do Nordeste, depois migrou para São Paulo, casou com uma mulher do Norte e foi lá viver com ela, para, depois de seu falecimento inesperado, retornar ao Nordeste e lá trabalhar até a aposentadoria? Casos assim não são raros hoje.

Agora, suponha que há diferenciação por profissão e por região, e que a pessoa do exemplo em análise teve uma profissão distinta em cada região, ou seja, ele começou como professor em escola pública no Nordeste, passou a ser manobrista de veículos em São Paulo, trabalhou como pintor no Norte e, ao voltar ao Nordeste, foi assistente administrativo. Como calcular a aposentadoria dele? 

5) Deveríamos manter a diferença entre homens e mulheres

Valem as considerações acima. O mundo mudou e não há mais aquela diferenciação rígida entre a vida da mulher e do homem, o que é, aliás, algo desejável.  

Hoje, muitos homens cuidam da casa, dos filhos, à noite e nos finais de semana. Muitas mulheres podem nem ter filhos ao longo da vida, seja por escolha própria, seja por problemas médicos.

É, de fato, justo e fiscalmente sustentável beneficiar mulheres em relação a homens em pleno século XXI no que toca à previdência? As dificuldades das mulheres precisam ser atacadas por políticas específicas, em lugar de deixá-las sofrendo discriminações ao longo de toda a vida e depois procurar compensá-las com uma regra de previdência mais facilitada.  

6) Se somarmos as contribuições, elas pagam muito mais do que as aposentadorias

Circulam informações erradas na imprensa e nas redes sociais, em regra geradas por políticos interessados ou por (supostos) especialistas irresponsáveis.

Um exemplo é a ideia de que, se calcularmos uma soma das contribuições pagas por empregados e empregadores, o resultado da equação seria muito mais do que o necessário para pagar uma bela aposentadoria aos empregados. Esquece-se que as contribuições não ficam aplicadas em um fundo, pois o sistema não é de capitalização, mas de repartição.

O dinheiro arrecadado é imediatamente gasto para pagar os benefícios daquele mês. Esse tipo de sistema consiste num financiamento dos benefícios atuais dos aposentados por quem está trabalhando e contribuindo.

Quando aquele que está contribuindo hoje for se aposentar, o benefício já terá um valor completamente diferente, pois os salários se reajustam ao longo tempo. Além disso, a Previdência não serve para custear apenas aposentadorias, então essa construção é um equívoco completo sobre premissas básicas da matéria. 

7) Hoje as pessoas podem receber benefício integral após 30 anos de contribuição (mulher) e 35 anos (homem)

Há uma falsa ideia circulando de que hoje as pessoas podem se aposentar com salário integral após os anos de contribuição previstos em lei e que a reforma proposta mudaria isso completamente.

Na verdade, o fator previdenciário, existente desde 1999, mas que sofreu algumas mudanças, já estabelece hoje um mecanismo que dificulta aposentadorias com benefício integral, como acontece, aliás, na maior parte do mundo.

A regra de 95 (homens) e 85 (mulheres) do fator previdenciário significa que, para ter aposentadoria integral, é preciso que os homens somem, por exemplo, 65 anos de idade e mais 30 de contribuição (60 + 35 = 95). No caso de alguém se aposentar após 35 anos de contribuição, porém com 54 anos idade, o que não é raro no sistema atual, ele completará apenas 35 + 54 = 89, e o fator previdenciário reduzirá o benefício.

As regras da proposta do governo Temer são extremamente duras, é verdade, mas é preciso entender que o benefício integral quase não acontece. Há uma medida chamada de taxa de reposição da aposentadoria, que serve para checar a reposição do salário na aposentadoria.

É interessante que ela seja alta, mas não é preciso que as pessoas, sobretudo as mais ricas, se aposentem com benefício integral. Isso precisa ser uma exceção, pois o objetivo central da previdência pública é garantir que as pessoas não fiquem pobres na velhice. A taxa média de reposição na OCDE é 66% para homens e 65% para mulheres.

Como o Brasil tem salários baixos e tributação muito alta, o poder de compra da maior parte da população é muito pequeno, dificultando poupar e investir. Por esse e outros motivos, é preciso atacar o problema na origem, continuando a política de aumentos reais do salário mínimo e fazendo uma reforma tributária para tornar o sistema mais progressivo.

No caso daquelas pessoas que ganham muito pouco ao longo da vida, pode haver uma sistemática de cálculo do benefício que as faça ganhar mais e que faça ganhar menos aqueles que tiveram renda alta ao longo da vida e que, por isso, tinham a obrigação de poupar e investir mais. 

8) Para se aposentar, será preciso contribuir por 49 anos

Há diversos políticos e especialistas repetindo essa informação falsa, e o mais triste é que a maioria o faz de caso pensado. Pela proposta do governo Temer, a aposentadoria apenas seria possível com 35 anos de contribuição e 65 anos de idade, ou seja, conforme a análise do tópico anterior, 35 + 65 = 100.

Nesse caso, já seria possível aposentar, porém com um benefício diminuído. Para ter aposentadoria integral, a pessoa precisaria contribuir por 49 anos e trabalhar ao menos até os 65 anos de idade, totalizando 49 + 65 = 114. A regra fica, portanto, muito mais dura, porém não é preciso trabalhar 49 anos para se aposentar, como muitos infelizmente vêm querendo fazer crer. 

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