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Por que o tema da 24ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deve ser HIV/aids?

A epidemia concentrada na população LGBT precisa ser freada e a informação é a principal chave para isso

Parada LGBTI de São Paulo, a maior do mundo
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Todo ano, no feriado de Corpus Christi, a capital paulista se torna um grande palco da diversidade. Trata-se da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Pessoas do Brasil inteiro, bem como do exterior, viajam para a capital paulista a fim de curtir a festa. Todavia, precisamos lembrar que a Parada do Orgulho LGBT não se trata apenas de uma festa.

Com sua primeira edição realizada em 1997, a Parada teve como objetivo inicial reunir gays, lésbicas e travestis para lutar por visibilidade e contra o preconceito. Um ano depois, a ONG Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo foi criada. Desde então, anualmente o evento recebe cada vez mais participantes, o que a torna a maior parada do Orgulho LGBT do mundo.

Além de ser um palco de celebração identitária, com a reunião de segmentos populacionais sistematicamente invisibilizados, o evento é um espaço em que questões centrais da dinâmica da comunidade LGBT são colocadas em pauta. Todo ano um tema é escolhido através de votação. Tal tema geralmente reflete pontos cruciais no tocante de inclusão social e direitos humanos da população LGBT.

Durante todos esses anos, tivemos temas como “Somos muitos: estamos em todas as profissões” em 1997, “Os direitos de gays, lésbicas e travestis são direitos humanos” em 1998, “Construindo políticas homossexuais” em 2003. Do ano de 2006 até 2014, o eixo temático das Paradas foi homofobia e, posteriormente, transfobia.

 

É importante notar a relevância da escolha dos temas. A ONG, através do evento temático, consegue pressionar o governo em busca de mudanças em políticas públicas, bem como dar visibilidade dessas questões à população geral. Tanto isso é fato que, após muita luta da ONG APOLGBT, juntamente com outros segmentos dos movimentos sociais, a homofobia foi enquadrada como crime de racismo pelo STF em junho de 2019.

Neste ano, o tema da parada ainda permanece em aberto. A votação programada para esta quinta-feira 9 de janeiro tem, dentre os temas possíveis, HIV/aids. Nos últimos dias, uma onda liderada por movimentos sociais e entidades da sociedade civil iniciou um apelo para que o tema de 2020 seja HIV/aids. Mas por que falar disso num evento de celebração identitária?

É importante, inicialmente, ressaltar que nunca esse tema foi abordado pela Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Pode-se ter uma leitura inicial da tentativa da comunidade LGBT de se descolar da associação direta com HIV e aids. Sabemos que o estigma dessa população, condenada historicamente por uma maneira de amar “diferente” aos olhos dos heterossexuais, é exacerbado no início da década de 80 com o surgimento da aids.

Nessa coluna de saúde LGBT o tema HIV/aids já foi amplamente discutido, desde o histórico das políticas públicas até formas de prevenção. Grandes respostas públicas iniciais à epidemia só ocorreram devido à forte atuação de movimentos sociais inicialmente. Além disso, após a consolidação de um dos maiores e melhores programas de HIV/aids do mundo, houve sempre a luta constante contra a informação através do medo ou de classificação de certos grupos como sendo de risco.

Até hoje o estigma dessa doença resvala sobre a população LGBT. Falar de HIV e aids não é uma pauta somente dessa comunidade, mas da população em geral. Ainda assim, precisamos entender que a população LGBT é a mais afetada de todas, com taxas crescentes de aids especialmente em jovens gays negros. Vale lembrar também que – embora a população trans não componha o censo populacional e por isso não há dados específicos – estudos independentes apontam prevalência de HIV em até 30% dessa população. Ademais a homofobia, tema de tantas paradas anteriores, é uma condição que mata muitos homossexuais. O número de morte por aids na população LGBT é infinitamente maior do que as mortes por homofobia.

Ressalta-se ainda que campanhas públicas de prevenção diminuíram sobremaneira ao longo dos anos. Não é incomum notar que apenas na época do Carnaval e do Dia Mundial de Luta contra Aids, em dezembro, o assunto é veiculado de forma mais robusta pelo Ministério da Saúde. Mesmo com o advento da PrEP e do conceito de prevenção combinada, o que temos notado é um governo atual que, além de centralizar o foco da prevenção no preservativo, volta a veicular campanhas de ISTs e HIV baseadas no medo.

A pauta sobre HIV e aids vem sendo colocada em segundo plano. Iniciativas como o documentário “Cartas para Além dos Muros”, dirigido pelo produtor e cineasta André Canto, são iniciativas importantíssimas para que o tema volte à tona. É necessário falar de HIV e aids diariamente. Quebrar tabus, informar corretamente e com responsabilidade é urgente.

Por isso, como médico infectologista, entendo ser crucial e endosso integralmente a eleição do tema HIV e aids na 24ª Parada do orgulho LGBT de São Paulo. A epidemia concentrada na população LGBT precisa ser freada e a informação é a principal chave para isso. Como homossexual, ficarei muito feliz em ver informações sobre HIV e aids na Parada, com intervenções acerca do tema, números divulgados e outras estratégias informativas. Festejar nossa identidade é necessário. Mas para isso, precisamos estar vivas e vivos. Falar sobre HIV e aids é preservar nossas existências. Vamos nessa?

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