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O uso de anabolizantes: qual o preço do “corpo perfeito”?

Um estudo nos EUA mostrou que 21% dos jovens LGBT já usaram anabolizantes pelo menos uma vez na vida

Foto: PxHere
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A epidemia do uso de anabolizantes entre a população LGBTQ+ não dá sinais de que vai parar tão cedo. Está ao redor de nós: nos blocos de Carnaval, nas festas de Réveillon, nas baladas, nas academias, em qualquer lugar. Não é só em adultos de 20 a 30 anos: um estudo nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou que, entre adolescentes que se identificavam como gays ou bissexuais, 21% já havia usado anabolizantes pelo menos uma vez na vida. 

Anabolizantes são substâncias como a testosterona e o hormônio de crescimento, por exemplo, que geram ganho de massa muscular em doses elevadas. Farmácias clandestinas produzem derivados dos hormônios e os vendem no mercado paralelo, na forma oral, em géis de absorção transdérmica, patches ou injeções subcutâneas e intramusculares. São usados em “ciclos” de 2 a 3 meses seguidos por períodos de recuperação (a famosa terapia pós ciclo ou TPC) ou de uso de doses “menores” de testosterona (chamado de blast and cruise).  

Por que tantas pessoas ficam vulneráveis aos anabolizantes? Isso ocorre, em parte, porque a sociedade criou um padrão de corpo ideal, que é inatingível para muitos, e que às vezes vincula a forma física com a dita “masculinidade” ou a autoestima. É muito comum ouvir de usuários de anabolizantes que se sentiam mal ou eram julgados por seu corpo e iniciaram a usar anabolizantes para ganhar maior visibilidade social e/ou nas redes sociais. Além disso, a testosterona tem um efeito de aumento da libido e de aumento do bem-estar, gerando uma certa dependência psicológica: muitos não conseguem parar porque desenvolvem sintomas depressivos. 

Aliado a isso, em geral a comunidade de usuários de anabolizantes cria uma bolha social, tanto em fóruns da internet quanto entre grupos de amigos. Nesses grupos, se disseminam informações falsas e desatualizadas sobre os riscos dos anabolizantes, além do mito de que os médicos e endocrinologistas inflariam os efeitos colaterais. Verdade seja dita, alguns médicos fazem exatamente o contrário: de forma antiética, transformam isso em um mercado e receitam de forma inadequada as formulações, às vezes justificando que a testosterona do paciente está “um pouco baixa”, mesmo estando normal.

Finalmente, às vezes a pessoa usa o anabolizante e não acontece nada de errado no primeiro “ciclo”, criando a falsa ilusão que sempre será isento de riscos. Todos têm um conhecido que usou por 20, 30 anos e (ainda) não teve nenhum problema com os anabolizantes. A exceção vira regra, e esse tipo de reforço positivo é muito comum entre usuários. Infelizmente, não é porque deu certo uma, duas ou cem vezes que sempre dará – tudo tem o seu preço: estima-se que em breve teremos uma epidemia de infartos e derrames (AVEs) em pessoas jovens pelo uso de anabolizantes.

E quais os outros riscos?

  • Psicológicos: depressão, irritabilidade, piora do sono, agressividade, transtornos psicóticos, diminuição da capacidade de julgamento e tomada de risco;
  • Dermatológicos: queda de cabelo, pele oleosa e acne;
  • Hepáticos: as medicações orais têm passagem pelo fígado e podem gerar desde alterações das enzimas hepáticas até hepatite fulminante;
  • Cardiovasculares: esse é talvez um dos efeitos mais importantes. Há diminuição do colesterol bom (HDL), aumento do coração (é um músculo também, lembra?), aumento da pressão arterial e aumento de tromboses. A soma desses fatores aumenta o risco de infarto e derrame (AVE);
  • Diminuição dos testículos, do volume e da qualidade do esperma e risco de infertilidade. Alguns tipos de anabolizantes também dão impotência;
  • Ginecomastia: surgimento de glândulas mamárias devido à aromatização (transformação) dos níveis elevados de testosterona em estrógenos;
  • Diminuição de mamas, aumento do clitóris, aumento dos pelos corporais, alterações nas menstruações.

Um risco importante que temos que comentar em separado é o aumento do risco de adquirir o vírus HIV. Isso pode ocorrer pelo compartilhamento de seringas, por exemplo, ou pela impulsividade e maior tomada de risco em quem usa testosterona. Em pacientes que já vivem com o HIV, os anabolizantes podem interagir com os antirretrovirais e exacerbar os efeitos colaterais das medicações sobre o colesterol, por exemplo. Dito isso, algumas pessoas que vivem com HIV podem ter deficiência de testosterona ou então perda importante de massa muscular e, sob supervisão médica, podem ter indicação de uso de doses fisiológicas do hormônio. 

Lembrando que a terapia de reposição hormonal em transgêneros pode ser realizada com segurança e não tem nada a ver com este post aqui em particular. Falaremos mais desse tema no futuro!

A busca incessante do corpo perfeito pode te levar a problemas maiores amanhã. Com tantas chances de dar errado, para que arriscar? 

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