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CartaCapital estreia blog de saúde LGBT. Por que falar sobre isso?

Vítima de práticas discriminatórias e despreparo profissional, população LGBT ainda não recebe o tratamento de saúde adequado

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Ao longo do tempo, a população LGBT sofre em função do estigma e do preconceito da sociedade. De violência física a negação de direitos iguais aos da parcela heterossexual, do ambiente familiar ao ambiente profissional, as consequências negativas na vida dessas pessoas são inúmeras e a luta por condições melhores é constante.

Alvo de violências tão recorrentes, seria de se esperar que, sob o cuidado de profissionais de saúde, esse grupo de pessoas pudesse se sentir tranquilo e seguro. Infelizmente, não é o caso. Profissionais despreparados, ambientes não acolhedores e práticas discriminatórias são mais frequentes que o esperado e fazem com que a população LGBT tenha dificuldade em obter um atendimento em saúde adequado.

Já é bem demonstrado em pesquisas que pessoas LGBTs demoram mais, ou mesmo evitam, procurar atendimento de saúde por medo de sofrer discriminação. No consultório, é muito comum que os pacientes, na primeira consulta, não comentem sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero e se sintam surpresos quando um médico demonstra interesse sobre a questão. Esse receio não é sem justificativa.

 

Um estudo realizado com uma amostra de idosos LGBTs na Irlanda mostrou que 30% das pessoas avaliadas haviam recebido uma reação negativa do seu profissional de saúde após revelar sua orientação sexual. Isso é ainda mais evidente quando se avalia apenas o subgrupo dos indivíduos transgêneros, que frequentemente queixam-se de piadas, uso incorreto de pronomes, deslegitimação de sua identidade trans e sentimento de insegurança física.

As infecções aumentam com a falta de informação

A epidemia de HIV/Aids nessa população específica escancara esse buraco que há no cuidado à população LGBT. Em alguns estados do Brasil, a prevalência da infecção pelo HIV ultrapassa 50% na população trans, por exemplo. Falta de acesso à informação, estigmatização e preconceito levam as pessoas LGBTs a procurar serviços de saúde tardiamente, quando já apresentam sintomas da Aids. Além de isso impactar numa maior dificuldade de cuidar da doença nas fases mais avançadas, diretamente amplifica a epidemia.

As pessoas sem diagnóstico e tratamento continuam a transmitir o vírus, fazendo com que as altas taxas de infecção ocorram. Além dessa, outras inúmeras infecções sexualmente transmissíveis passíveis de prevenção e tratamento poderiam ser diagnosticadas e tratadas precocemente, evitando, por exemplo, a epidemia de sífilis que vem ocorrendo no País.

 

Um ponto importante a se ressaltar é que essa população possui algumas demandas específicas de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças em cada especialidade médica, que muitas vezes são ignoradas ou negligenciadas pelos próprios especialistas. Por exemplo: um homem gay ou mulher transexual que pratica sexo anal necessita de um acompanhamento com um médico coloproctologista (médico que cuida da saúde do ânus, reto e intestino grosso), tanto para tratamento de doenças que podem prejudicar na hora da relação sexual, como hemorroidas e fissuras anais, quanto para prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, como o vírus do HPV, que aumenta o risco de câncer de ânus.

A saúde da mulher LGBT

Já mulheres lésbicas ou bissexuais compõem um grupo relevante de pacientes que por motivos já citados como o preconceito dos profissionais, ou por ideias fantasiosas de que estariam “imunes” a certos tipos de doença (uma vez que não têm relação sexual com homens), está à margem dos serviços de saúde.

Em um fórum realizado no estado de Pernambuco em 2015, 49% das mulheres lésbicas afirmaram não fazer exames periódicos, imprescindíveis para o diagnóstico do câncer de colo de útero, doença que é responsável por grande morbimortalidade no mesmo estado.

Pesquisas recentes mostram que 20% a 30% das lésbicas não informam ou não são questionadas sobre a sua orientação sexual. Dessa forma, o profissional, ao presumir que aquela mulher é heterossexual, deixa de dar orientações pertinentes sobre as práticas sexuais, perde a oportunidade de tratar a mais uma mulher – a parceira -, e por fim afasta a mulher em questão do serviço de saúde.

Apesar de inúmeros avanços no campo da assistência dessa população no serviço público, principalmente após 2011, quando o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) pela Portaria MS/GM nº 2.836, ainda há muitas lacunas nesse acesso à assistência. Mulheres LGBTs ainda têm pouco acesso a consultas pré-natais, estão mais suscetíveis a sofrer violência obstétrica e gozam de menos direitos à reprodução assistida.

Mulheres transexuais, com ou sem cirurgia de readequação, se encontram ainda mais distantes do atendimento ginecológico e urológico. Pesquisas demonstram que a esmagadora maioria das transsexuais que chegam ao serviço de saúde já realizaram algum tipo de hormonioterapia por conta própria ou chegam com graus variados de complicações após procedimentos plásticos sem a devida orientação.

A luta por centros especializados e a atualização constante dos profissionais de saúde para o atendimento da população LGBT vem crescendo no Brasil, mas é necessário um esforço coletivo e social para garantir o acesso e acima de tudo a boa assistência médica.

Começamos essa coluna com o intuito de mostrar o que por muito tempo não recebeu a atenção devida: o atendimento em saúde à população LGBT precisa ser discutido, por suas especificidades, pelo despreparo dos profissionais em relação ao tema e pela dificuldade de acesso desse grupo aos dispositivos de saúde. A informação e o conhecimento promovem transformações e esperamos poder contribuir de alguma forma com a mudança na maneira como esse atendimento é visto e realizado. Transformemo-nos!

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