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A relação sexual é muito mais que o encontro entre pênis e vagina

O sexo que foge do padrão heteronormativo muitas vezes não é visto como sexo de verdade

Foto: Caroline Lima/ temqueter.org
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Quando falamos em relação sexual, a ideia que vem na mente da maioria das pessoas é do encontro sexual entre pênis e vagina, no sentido da procriação e por vezes do prazer. Mas o que é na verdade um encontro sexual? Não seria um encontro de duas pessoas, em que existe troca de energias, de desejos, em que elas possam proporcionar umas às outras sensações de prazer e, em alguns casos, amor? Dessa forma é muito raso resumir um evento tão intenso a um encontro de genitais.

Apesar da inúmera diversidade conhecida de relacionamentos e das infinitas formas de sentir prazer, o sexo que foge do padrão heteronormativo muitas vezes não é visto como sexo de verdade. Na assistência à saúde, não é incomum que mulheres lésbicas que nunca foram penetradas mas que já se envolveram em muitos encontros sexuais cheguem ao consultório afirmando que são virgens. E num cenário ainda pior, muitos profissionais de saúde consideram essa mulher virgem, resumindo toda a sua sexualidade à presença de uma pele (o hímen). Por esse motivo muitas mulheres têm seu atendimento médico, principalmente o ginecológico, deficiente por se julgar que uma vez não tendo contato com pênis ela está isenta de doenças ginecológicas.

Mulheres que sãos consideradas ou se consideram erroneamente como virgens muitas vezes não são examinadas, não realizam ultrassonografias nem exames das mamas (o que é um contrassenso absurdo). Não são testadas para ISTs e não recebem as orientações necessárias.

É importante dar visibilidade ao tema para muito além, inclusive, do atendimento à saúde. O mês de agosto, mais especificamente o dia 29, é marcado como o mês da visibilidade lésbica no Brasil desde 1996. Neste mês, mulheres lésbicas e bissexuais lutam pelo direito de EXISTIR, de terem sua sexualidade, sua maternidade, seus direitos civis reconhecidos. Visibilidade é um termo de suma importância para a comunidade LGBTTQIA+, mas por muitos anos e até hoje toda atenção em termos de saúde sempre esteve voltada à população masculina. Campanhas, ações em saúde, conscientização de homofobia sempre tiveram um enfoque direcionado à população gay masculina, principalmente com a epidemia de HIV/Aids. E como fica o sexo sem pênis?

Hoje existe um arsenal extremamente pobre de formas de prevenção de ISTs para mulheres que transam com mulheres. Mais de 40% da população lésbicas tem assistência à saúde deficiente, além da desvalorização da sua sexualidade como forma de amar e der ter relações sexuais. A utilização de materiais para proteger a vulva (plásticos, material odontológico, camisinhas masculinas e femininas cortadas e adaptadas) é muito desconhecida pelos profissionais de saúde e por isso pouco praticada. Hoje, orientamos a observação daquela parceira quanto a possíveis lesões na vulva e vagina, o cuidado com lesões na boca, a boa higiene das mãos e unhas e a utilização de preservativos quando do uso de objetos como próteses penianas, entre outros.

Poucos artigos científicos acessam o prazer e a satisfação sexual das mulheres lésbicas e bissexuais (cis ou trans), porém, a pouca literatura existente parece apontar para dados bem interessantes. Mulheres “lés/bi” parecem obter resultados mais elevados em escalas de satisfação sexual que mulheres hétero. Porém, a duração do relacionamento parece ter impacto negativo para ambas. Mulheres que transam com mulheres parecem ter menos queixas sexuais. As que apresentam dor na penetração simplesmente evitam a prática e queixas de falta de prazer e orgasmo são raras. Observa-se que justamente por não existir um sexo focado na penetração, essas mulheres exploram mais o corpo (seu e da parceira) e estão menos preocupadas com a performance sexual (Bartosz Grabski et al, Psychiatr. Pol. 2018).

Segundo Helen Kaplan (pioneira no campo da terapia sexual em meados dos anos 1960), prazer sexual é fantasia e fricção. Sexo sem pênis é sexo sim! E precisamos falar sobre ele.

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