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HIV e prevenção: entenda a diferença entre PrEP e PEP

A combinação de diferentes formas de prevenção é mais eficaz do que uma só utilizada isoladamente. Por isso, camisinha sempre!

Foto: NIAID Foto: NIAID
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Quando se fala de prevenção do HIV, já sabemos que nem sempre a camisinha é a única alternativa. Em meu último texto abordei o conceito de prevenção combinada e citei brevemente cada um dos pilares da precaução. De todas as alternativas sugeridas pela prevenção combinada, a PrEP e a PEP são as que mais suscitam curiosidade e dúvidas e serão o foco da coluna de hoje.

Os dois métodos, embora biomédicos – ou seja, há uma intervenção farmacológica na prevenção – diferem muito na questão do momento e indicação de tomada. Como o próprio nome sugere, a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) é indicada e utilizada antes da exposição sexual, enquanto a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) é utilizada após uma exposição sexual com indicação de prevenção do HIV.

PrEP – a prevenção do HIV em um comprimido ao dia

A PrEP consiste, basicamente, na prevenção da infecção pelo HIV através da tomada de um comprimido diário que contém duas medicações: tenofovir e entricitabina. A primeira faz parte do esquema de tratamento de pessoas vivendo com HIV. Já a entricitabina, embora não utilizada no tratamento do HIV, também é uma medicação com ação contra o vírus.

No Brasil, tal estratégia virou política pública no final de 2017, quando passou a ser distribuída pelo SUS para indivíduos com maior grau de vulnerabilidade à infecção. Nos Estados Unidos é utilizada desde 2012 e recentemente foi adotada por outros países, como França, Quênia, Peru e Austrália. Atualmente, a PrEP é indicada no SUS para as seguintes pessoas: homens que fazem sexo com homens, pessoas transexuais, profissionais do sexo e casais sorodiferentes.

É claro que a PrEP não é exclusiva para esses grupos e graus de vulnerabilidade individuais devem ser levados em conta na hora da indicação do método. Sabemos que o abuso de álcool e outras drogas podem levar a maiores chances de exposição ao HIV e outras ISTs, além de outras formas de vulnerabilidade que devem ser acessadas sempre que possível.

Tomar um remédio sem ter a doença não faz mal?

Muitas pessoas tem essa dúvida. Afinal, nenhum remédio é isento de efeitos adversos. Nos estudos realizados até então com a profilaxia, não houve relatos de efeitos adversos graves. As drogas já são amplamente conhecidas e estudadas, sendo o tenofovir utilizado há bastante tempo no tratamento de pessoas vivendo com HIV.

Como qualquer droga, o tenofovir pode causar alguns efeitos indesejados, entre eles a disfunção renal conforme o uso. No caso, pode haver alteração na quantidade de filtração pelos rins. Além disso, há chance de perda de massa óssea. Os dois efeitos não são comuns e não houve estudos que comprovem aumento desses eventos em pessoas utilizando PrEP. De qualquer forma, o acompanhamento médico é importante. Eventuais alterações precoces em exames podem levar o médico a pensar outras estratégias de prevenção e retirar a medicação sem causar danos ao paciente.

Atualmente, o Brasil faz parte do estudo HPTN 83, um estudo com sete países – Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru, África do Sul, Tailândia e Vietnã – que quer avaliar a não inferioridade do uso de uma medicação injetável a cada dois meses, o cabotegravir, em comparação à PrEP via oral. No Brasil, são participantes, além da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (Santa Cruz), também em São Paulo, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e o Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre.

A adesão é importante

É importante lembrar que a adesão ao esquema é importante: o uso irregular da medicação pode aumentar as chances de insucesso da terapia. Todavia, o recente estudo da PrEP Brasil, feito pela Universidade de São Paulo, Fundação Oswaldo Cruz (RJ) e Centro de Referência de Treinamento em DST e aids em São Paulo, realizado com homens que fazem sexo com homens e mulheres transexuais, mostrou que 74% tinham doses protetoras da medicação na corrente sanguínea com pelo menos quatro tomadas semanais da medicação. O uso diário é recomendável uma vez que se cria um hábito dia a dia de tomada da medicação, prevenindo o esquecimento.

Posso dispensar a camisinha?

O ideal é combinar para prevenir. A combinação de diferentes formas de prevenção é mais eficaz do que uma só utilizada isoladamente.

Quando falamos de PrEP, falamos de prevenção do HIV, porém, temos que lembrar das outras infecções que podem ser transmitidas no sexo. As hepatites, bem como sífilis, gonorreia, clamídia e HPV, não estão sendo evitadas. O uso da camisinha é aconselhável nesse caso, para que o indivíduo esteja protegido de maneira adequada.

 

Vale ressaltar que diversos estudos que pesquisaram se o uso de PrEP aumenta o número de ISTs tiveram resultados animadores. Não há, via de regra, o risco compensatório com aumento de outras ISTs. O que se nota é uma vinculação do usuário da PrEP ao sistema de saúde, com realização de exames periódicos e diagnóstico precoce de eventuais ISTs.

PEP – a última estratégia de prevenção

O ideal é utilizar qualquer forma de prevenção, contanto que se previna a transmissão do HIV. Inclusive é importante e está indicado prevenir a infecção pelo vírus após exposição sexual.

A profilaxia pós-exposição consiste na tomada de três medicações – tenofovir, lamivudina e dolutegravir – durante 30 dias para prevenir a infecção pelo HIV. Ela foi inicialmente desenvolvida para prevenção em casos de acidentes biológicos em ambientes de cuidado a saúde, bem como para vítimas de estupro. Tornou-se, depois, de disponibilização para casos de exposição sexual consentida.

Além de tomar a medicação por 30 dias, é importante lembrar que a pessoa exposta tem que iniciar a tomada dos remédios em até 72h após o contato. Após uma testagem rápida para o HIV, o centro de saúde disponibiliza a medicação pelo tempo integral de tratamento, ou por alguns dias e orienta uma farmácia pública para retirada.

 

O fato de existir a possibilidade de prevenir a infecção pelo vírus após a exposição não significa que seja a melhor forma. Em caso de usos constantes desse método, vale a pena avaliar o uso da PrEP como forma de prevenção.

Avaliar e discutir prevenção de HIV é complexo e importante. Sempre trazer uma abordagem horizontalizada da escolha é crucial. Discutir com a pessoa que usará o método qual o melhor para ela naquele momento de vida.

A criação de uma prevenção de HIV baseada no uso de remédios é mais uma tentativa de combate à epidemia de HIV que ainda não parou de crescer, especialmente em populações mais vulneráveis. O acesso à PrEP é importante, mas para que as pessoas a entendam e utilizem é necessário educação em saúde e informação. A PrEP e a PEP precisam chegar no estômago dos que mais precisam: da população gay negra e periférica, de muitos corpos de mulheres vulneráveis, de transexuais e travestis sempre marginalizadas. Só assim conseguiremos uma arma mais efetiva no combate a essa epidemia.

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