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Melhorar a caminhabilidade garante oportunidades e acesso a serviços

Pesquisa sobre caminhar em São Paulo revela como políticas para priorizar o deslocamento a pé devem pensar em proximidade

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por Leticia Sabino


Em 15 minutos de caminhada da sua casa o que você acessa? É possível fazer compras? Ir a um serviço médico? Chegar a um equipamento cultural? Alcançar instituições de educação? Sentar em uma praça ou parque?

A proximidade a pé é um dos elementos que melhoram a caminhabilidade da cidade e por consequência amplia oportunidades e deslocamentos a pé. Se as calçadas e travessias das cidades fossem todas de qualidade e seguras o que seria acessível a pé?

Onde pisamos

Comumente quando autoridades querem mostrar que estão fazendo algo pelos pedestres logo anunciam reformas de calçadas. Em São Paulo, por exemplo, o Programa de Metas de 2019-2020 definiu como uma das ações “construir e recuperar 1.500.000 m² de calçadas promovendo a qualidade, acessibilidade e segurança”. Vale ressaltar que o mesmo documento declara que a cidade tem aproximadamente 68.000.000 m² de calçadas. Sendo assim, a meta, uma das mais ousadas de reforma desta estrutura nos últimos anos, contempla apenas cerca de 2% das calçadas da cidade.

Reformar calçadas é muito importante, mas mais do que melhorias pontuais no espaço de caminhar propostas por cada gestão é necessário estabelecer mecanismos que garantam que o investimento em calçadas de qualidade seja sistemático e constante. Isso pode se dar, por exemplo, ao estabelecer que toda obra de manutenção de edifícios públicos também contemple as calçadas; ao criar fundos com dinheiro de multas de calçadas, de trânsito entre outras, para que sejam revertidos para a infraestrutura de mobilidade a pé; entre outras iniciativas. Algumas delas já definidas em lei pelo Estatuto do Pedestre de São Paulo sancionado em 2017, mas ainda sem regulamentação do executivo.

Mas calçadas a parte, o comprometimento e a elaboração de políticas para a promoção de cidades caminháveis exige olhares e ações bastante mais complexas para o ambiente urbano, de forma a integrar uso do solo, moradia, áreas verdes, oferta cultural, saúde, entre outras perspectivas. Por isso, deve ser absorvida pelo planejamento, políticas e ações de diversas secretarias de forma transversal.

Caminhabilidade

A caminhabilidade é um termo traduzido do inglês, walkability, que define a qualidade do ambiente para o deslocamento a pé, não só por atributos técnicos das ruas. É uma forma de medir a possibilidade, segurança e agradabilidade de caminhar na escala das ruas, bairros ou cidades. Não existe uma forma única de medir, mas existem alguns elementos básicos que sempre devem ser considerados na sua avaliação.

O urbanista americano Jeff Speck em seu livro Cidade Caminhável aponta 4 elementos essenciais da caminhabilidade: utilidade – no sentido de ter equipamentos, comércio e outras facilidades possíveis de acessar a distâncias a pé; segurança – que haja a garantia de caminhar sem risco de quedas, atropelamentos e até mesmo assaltos e assédio; conforto – que os caminhos tenham espaços de parada, de sombra, entre outros elementos que garantem uma experiência cômoda; e interesse – que o trajeto proporcione às pessoas o que ver, interagir e se conectar.

Para onde vamos: está longe e está perto

Em pesquisa inédita, “Viver em São Paulo: Pedestre”, divulgada durante a Semana do Caminhar 2019 – realizada pelo Ibope e Rede Nossa São Paulo com colaboração das organizações SampaPé!, Cidade a pé, Cidade Ativa, Corrida Amiga e Pé de Igualdade – revelou-se a perspectiva da “utilidade” na análise da caminhabilidade na cidade – algo que nunca antes havia sido explorado.

Para explorar a utilidade da caminhada na cidade a pesquisa perguntou o que as pessoas conseguem acessar à 15 minutos a pé de suas casas e para onde vão exclusivamente a pé. Tendo como alternativas desde comércio, como padarias, mercado, farmácia; equipamentos, como delegacia, posto de saúde e espaços culturais; trabalho e estudo; até acesso à outros transportes de massa, como estação de trem e metrô ou ponto de ônibus.

Ao contrário da “máxima” que paulistanos e paulistanas pegam carro até para ir à padaria, quando se questionou “Considerando seu dia a dia, para que lugares você costuma ir exclusivamente a pé, ou seja, sem utilizar qualquer outro meio de locomoção?” a resposta de 64% das pessoas entrevistadas foi justamente a padaria, sendo o local mais acessado a pé na cidade. Isso se dá pela proximidade deste tipo de comércio às casas. Quando perguntadas sobre o que está no raio de 15 minutos a pé de suas casas através da pergunta “Independente de andar ou não exclusivamente a pé, quais lugares você consegue chegar em uma caminhada de até 15 minutos da sua casa?” a padaria mais uma vez foi a campeã estando a até 15 minutos de caminhada da residência de 67% das pessoas. O mesmo acontece com mercado/feira e farmácia, que seguem o ranking pela pesquisa.

Infelizmente, os equipamentos de saúde e cultura não são tão pulverizados e distribuídos na cidade como os comércios mencionados. Segundo a pesquisa, apenas ⅓ dos moradores da cidade vive a 15 minutos de caminhada de algum serviço médico – ou seja metade do acesso a padarias. Ainda ao segregar por classe, enquanto nas classes A/B este número sobe para 42% das pessoas, nas classes D/E o acesso cai para 26% – ainda que neste grupo 34% afirme que acessa esses serviços a pé. O acesso à espaços culturais a pé é ainda mais um privilégio de poucos, apenas 8% das pessoas afirmaram viver a menos de 15 minutos a pé de algum equipamento cultural. Ao territorializar este dado, a discrepância é enorme, enquanto no centro o acesso sobe para quase metade das pessoas, 45%, na Zona Norte chega apenas a 2%. Não à toa, no centro, 37% das pessoas afirmou ir a pé no dia a dia a espaços culturais enquanto a média nas outras regiões da cidade é de apenas 7%, o que evidencia que muitas pessoas caminham mais que 15 minutos nos seus bairros para acessarem equipamentos de cultura.

Vias de muitas mãos

Estes dados ajudam ao entendimento da importância da caminhabilidade para diminuir as desigualdades, ampliar os acessos e despertar outras áreas sobre a importância de atuar na garantia do acesso a pé e das condições do caminho. Para promover cidades verdadeiramente caminháveis além de ter pavimento e estruturas que garantam a segurança e o conforto, é preciso que se tenha o que acessar a pé. Continua sendo necessária atuação focada nas ruas, calçadas e estruturas de deslocamento, mas sem proximidade não haverá caminhabilidade e justiça.

Algumas ações para promover a caminhabilidade de forma ampla nas cidades é densificar áreas equipadas com moradia de diversas classes sociais, sem que a densificação acabe com estes serviços, e ampliar a oferta de equipamentos em toda a cidade, levando em consideração a distância a pé das casas, criando bairros multiuso e multifunções. Do ponto de vista de políticas públicas de saúde, por exemplo, poderia se ter uma meta de que 100% das pessoas na cidade acessem serviços de saúde básica a 15 minutos a pé de suas casas, e estes acessos e caminhos devendo ser seguros, confortáveis e acessíveis e sinalizados. Entender que a promoção da caminhabilidade é uma responsabilidade de todas as áreas é o primeiro passo. O desenvolvimento das cidades precisa ser pautado a partir da proximidade e dos deslocamentos a pé, afinal as cidades são sobre isso, acesso, encontros, participação e trocas.

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