Observatório da Economia Contemporânea

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Entre as piores do mundo: um balanço da economia brasileira no governo Bolsonaro

A política ultraliberal e a postura de confronto adotadas pelo governo Bolsonaro levaram a situação da economia brasileira a figurar hoje entre as piores do mundo

Foto: EVARISTO SA/AFP
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O início do governo Bolsonaro se deu sob grandes expectativas de recuperação da economia. Após uma longa depressão, os índices de confiança de consumidores e empresários retomavam os níveis de seis anos antes. As taxas de juro caíam, e os preços das ações subiam. O ministro da economia festejado pelo mercado se permitia anunciar reiteradamente suas previsões de múltiplas reformas e de rápida retomada. O Brasil voltaria a “crescer 3,5% no curto prazo”.

Tamanho otimismo começou a ser colocado em dúvida já em 2019 com os resultados pífios da atividade, e foram abandonados em março de 2020 com o choque da pandemia de Covid-19 que jogou o país em profunda recessão. Entretanto, mais de dois anos após esse choque, e transcorridos quase quatro quintos do mandato, o otimismo no discurso do governo (“o crescimento do país vai surpreender novamente”) e a avaliação positiva da economia continuam (o “Brasil tem um dos melhores desempenhos pós-pandemia”).

Buscando avaliar se esse otimismo possui base real, este texto propõe uma análise comparativa dos dados da última edição do World Economic Outlook, publicação semestral do Fundo Monetário Internacional, o FMI, que apresenta a visão do órgão sobre a evolução da economia global, incluindo as previsões sobre os agregados macroeconômicos por ele elaboradas para cada país.

A análise foca nas previsões feitas para quatro agregados principais mensurados na forma de taxas: de crescimento do PIB, de investimento, de desemprego e de inflação. Para cada uma delas, analisa-se a posição relativa prevista para o Brasil em 2022 bem como para o período 2019-2022*, que corresponde ao governo Bolsonaro. (*Os valores médios ou acumulados no período 2019-2022 foram calculados com dados realizados para os primeiros anos e previstos para 2022 – e 2021, no caso do PIB e do investimento)

Crescimento do PIB

Mesmo tendo revisto a taxa para cima em relação à edição anterior, o Fundo prevê que o PIB brasileiro crescerá apenas 0,8% em 2022, apesar da base deprimida pela longa estagnação e pelo crescimento nulo da economia em 2020 e 2021 no contexto da pandemia. Isso coloca o país com uma das taxas mais baixas do mundo no ano, a 180° entre 193 países. A taxa é inferior a um terço da taxa média esperada para a América Latina e Caribe (2,5%) e é a menor entre as grandes economias do mundo (excetuando a Rússia, hoje em guerra).

Embora a comparação resulte menos desfavorável para o país quando analisamos o período completo de quatro anos do governo Bolsonaro, o crescimento acumulado do PIB previsto pelo Fundo ainda é comparativamente baixo, o 129° entre 193 países e, em 2,6%, muito menor que a média mundial de 9,6%. A taxa anual média de apenas 0,65% sinaliza a continuidade da estagnação da economia a despeito do Brasil ter se beneficiado na maior parte desse período de termos de troca e condições de financiamento externo favoráveis, e do forte efeito dinamizador da demanda interna oriundo do Auxílio Emergencial, programa massivo de transferência de renda aprovado no Congresso no contexto da pandemia contra a posição inicial do governo, que defendia então um programa de alcance muito menor.

Taxa de investimento

A estagnação da economia brasileira não surpreende dada a taxa de investimento prevista de apenas 17,1% do PIB, entre as menores do mundo (147º entre 170 países), muito abaixo da média mundial (27,3%) e da América Latina e Caribe (20,5%). O baixo investimento pode ser explicado principalmente por quatro fatores. Em primeiro lugar, pelas restrições ao crédito comumente enfrentadas pelos tomadores de crédito, em especial as micro e pequenas empresas, e pelas taxas de juro em geral extremamente elevadas, mesmo no período em que a taxa básica permaneceu em níveis historicamente reduzidos. Em segundo, pela massa salarial estagnada há anos em razão do alto desemprego e da ausência de políticas públicas efetivas para reduzi-lo, restringindo o aumento do consumo e desalentando o investimento produtivo. Em terceiro, pela austeridade permanente reforçada pela introdução do teto de gastos que, a despeito de suas brechas, impõe uma pressão constante pela contenção dos gastos públicos, em especial dos investimentos. E, em quarto, pela instabilidade constante gerada pelo próprio governo, que reduz a previsibilidade sobre a política econômica aumentando a incerteza.

Os fatores acima atuam desde o início do governo Bolsonaro, e mesmo antes. Por isso, tampouco surpreende que, quando analisamos a média dos quatro anos do governo Bolsonaro, a taxa de investimento no Brasil, em 16,3% do PIB, seja comparativamente ainda mais baixa (155º entre 170 países) que no ano de 2022, também muito abaixo da média mundial (26,8%) e da América Latina e Caribe (19,3%). 

Desemprego

Acompanhando a atividade econômica estagnada há anos, a taxa de desemprego (13,7%) no país permanece em 2022 entre as mais altas do mundo (8º entre 102 países com essa informação), reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores e contribuindo para diminuir o poder de compra dos salários.

Essa situação é praticamente a mesma quando analisamos a taxa média de desemprego ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro que, em 13,4%, foi a 12º mais alta entre 102 países, alimentando a profunda crise social no país.

Inflação

O crescimento muito baixo do PIB em 2022 ainda deve vir acompanhado pela alta inflação que, mesmo prevista de forma otimista em 6,7%, é a 68º taxa mais elevada entre os 192 países para os quais há dados para o ano. Isso apesar do Banco Central, buscando contê-la, fixar no Brasil uma das taxas básicas de juro mais altas do mundo, dificultando a retomada da atividade e pressionando a dívida pública.

A alta inflação não ocorre no país apenas neste ano. De fato, quando analisamos os quatro anos do governo Bolsonaro a situação relativa é ainda pior, dado que a inflação acumulada de 28% coloca o Brasil com a 43º taxa mais alta entre 192 países.

Conclusão

A breve análise aqui empreendida mostra claramente que, na comparação internacional, a situação da economia brasileira refletida em importantes indicadores macroeconômicos é bastante desfavorável. Ainda, mostra que não há tendência de melhora, já que em três dos quatro indicadores (a exceção é a inflação) a posição relativa prevista para o país no último ano, 2022, é ainda mais desfavorável que nos anos anteriores, como mostra a comparação de todo o período Bolsonaro. Isso ocorre a despeito da base deprimida em que seu governo iniciou, com grande capacidade ociosa em muitas áreas e, em outras, investimentos longamente adiados que, a princípio, deveriam facilitar a retomada econômica. Ocorre também apesar de que, ao contrário de ocasiões anteriores em que criavam fortes entraves ao crescimento, os termos de troca e as condições de financiamento externo para o Brasil têm se mostrado geralmente benignos.

Não faz sentido, assim, atribuir a responsabilidade por essa decepcionante posição relativa do país às condições externas, nem tampouco à pandemia, que não se abateu apenas sobre o Brasil, mas se espalhou ampla e rapidamente em todo o planeta. Essa responsabilidade deve ser buscada na política econômica singularmente ultraliberal que guia o governo Bolsonaro e que levou o crescimento do PIB em 2019, antes da pandemia, a já desapontar como o 144º mais baixo entre 194 países.

Seguindo essa política, o governo por um lado abandonou e desmontou instrumentos de intervenção do Estado na economia – em um momento de grande incerteza que tornava essa intervenção ainda mais necessária –, mas pelo outro não conseguiu induzir o capital privado a assumir maiores riscos e realizar os vultosos investimentos necessários para impulsionar a atividade econômica. Manteve a austeridade fiscal apesar da pandemia, o que levou a cortes de gastos públicos cada vez mais profundos em quase todas as áreas. Os gastos extraordinários que escaparam à austeridade, mesmo quando de grande magnitude (em particular o Auxílio Emergencial), foram pontuais, implantados a contragosto, com atraso e/ou duração menor que a necessária, encerrados prematuramente e com problemas operacionais reduzindo sua eficácia para induzir a atividade.

O corte nos gastos atingiu especialmente o investimento público, e não surpreende que nos últimos anos este se situe, em relação ao PIB, nos níveis mais baixos da história. As empresas públicas, em particular a Petrobras, mesmo se desfazendo de ativos e acumulando caixa, seguiram o mesmo caminho, reduzindo a participação de seus investimentos no produto a pouco mais de um terço daquela vigente em 2011-2014. Também os bancos públicos, em especial o BNDES, reduziram fortemente sua atuação. Ou seja, a política do governo de fato promoveu “menos Estado” na economia, mas não conseguiu substituí-lo, como prometido, por “mais mercado”. Não surpreende que o investimento pouco avance e que a economia permaneça estagnada.

Surpreende menos ainda se considerarmos a também singular busca permanente do confronto que caracterizou o governo desde seu início, gerando instabilidade e elevando a incerteza sobre o investimento e, assim, o desestimulando. Na pandemia, isso ainda teve o efeito de dificultar, quando não de impedir, a tão necessária coordenação das ações do Governo Federal com os entes federados e com os atores com poder de veto sobre a política pública, diminuindo a eficácia desta e contribuindo para que o Brasil resultasse, apesar dos gastos relativamente grandes empregados para combatê-la, um dos países mais afetados por seus efeitos não apenas sobre a saúde pública, mas também sobre a economia.

A política ultraliberal e a postura de confronto adotadas pelo governo Bolsonaro levaram a situação da economia brasileira a figurar hoje entre as piores do mundo. Para sair dessa situação, o primeiro passo é reconhecê-la. Por isso, é muito preocupante o descolamento da realidade retratado na avaliação positiva ainda hoje propalada pela cúpula do governo.

Clique e saiba mais sobre o Observatório da Economia Contemporânea no site do Instituto de Economia da Unicamp

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