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A austeridade é diagnóstico, não remédio

O Teto de Gastos não conduz ao equilíbrio fiscal, mas, sim, implica na redução do papel do Estado

Fila para fazer refeição no programa Bom Prato, em São Paulo, durante a pandemia. Foto: Jorge Araújo/Fotos Públicas
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Ainda com números alarmantes no Brasil, a aposta do governo na falsa dicotomia entre “salvar vidas ou salvar a economia” não só intensificou a disseminação do vírus no País, como também aprofundou o desemprego e colaborou para retardar as expectativas do setor privado quanto a economia.

Passado o choque inicial provocado pela pandemia, o desafio que se apresenta é o de construir as condições necessárias para a retomada do crescimento econômico sustentado. Para isso, o primeiro passo é aprender com os erros do passado recente, compreendendo o porquê da fraca recuperação após a recessão de 2015-16.

Ao longo da última década, a economia brasileira atravessou diferentes conjunturas. Após experimentar um crescimento de 7,5% do PIB em 2010, a economia desacelera na esteira da desvalorização dos preços das commodities no mercado internacional e mergulha em profunda recessão em 2015-16[1]. Desde então, observou-se uma tímida recuperação[2] (2017-2019) e a dificuldade de retomar uma trajetória de elevado crescimento. Logo, diferentemente do propalado, a economia brasileira não estava decolando quando da deflagração da pandemia da Covid-19.

Analisando os balanços das empresas não-financeiras[3] brasileiras, verifica-se que estas estavam muito endividadas no período pré-recessão de 2015-2016. Com a forte retração da demanda agregada durante a crise, as empresas priorizaram o saneamento das suas dívidas. Este comportamento prosseguiu nos anos que sucederam a recessão, o que indica que o choque imposto pela pandemia atingiu as grandes empresas em um momento de menor fragilidade financeira quando comparado a 2015, o que significa uma capacidade maior de acomodar o impacto da crise. A despeito disso, a pergunta que deve ser feita é: se as empresas reestruturaram seus balanços após a recessão de 2015-16, por que não voltaram a investir? A resposta passa pela cartilha de políticas econômicas adotadas, que se mostraram incapazes de promover a confiança na economia necessária para a retomada do investimento privado.

Apoiada na tese da “contração expansionista”, a austeridade dos gastos públicos é pauta central na agenda econômica brasileira desde 2015. Sob a justificativa de que apenas com o equilíbrio das contas públicas o investimento privado seria retomado, os sucessivos cortes de gastos contraíram ainda mais a já combalida demanda agregada. Ademais, a redução das taxas de juros e as reformas econômicas liberais (como a trabalhista e da previdência) não entregaram os resultados prometidos de crescimento econômico e geração de empregos. Segundo os dados do IBGE para o primeiro trimestre de 2021, o Brasil conta com 21 milhões de pessoas em situação de desemprego ou desalento, representando uma taxa de desocupação de 14,7% e subutilização de 29,7%. No último trimestre de 2014, ano que antecede a recessão de 2015-16, a taxa de desocupação era de 6,5%.

Peça central na política de austeridade permanente, o Teto de Gastos (Novo Regime Fiscal) sufoca a capacidade de atuação anticíclica do governo, que poderia impulsionar a atividade econômica em momentos de dificuldade. A regra do Teto determina que o gasto público total não pode ter crescimento real. Assim, se os gastos obrigatórios tiverem crescimento real, o governo é obrigado a cortar gastos discricionários para cumprir a regra. Em momentos de baixo crescimento e arrecadação reduzida, forma-se um ciclo vicioso onde os cortes nunca serão suficientes e a atividade econômica terá sérias dificuldades de recuperação. Logo, o argumento do ajuste das contas públicas é meramente retórico, uma vez que o Teto de Gastos não conduz ao equilíbrio fiscal, mas, sim, implica na redução do papel do Estado.

O que esperar, portanto, do pós-pandemia? Diante deste imenso desafio, as autoridades econômicas deveriam tirar lições da experiência recente e mudar os rumos da política econômica. Contudo, diante dos sinais da equipe econômica do governo será reafirmada a política de cortes dos gastos públicos, dando continuidade ao que é feito sem sucesso desde 2015. Assim, a economia se vê presa numa cilada autoimposta. Mesmo em momentos críticos como o atual, a capacidade do governo de estimular a economia fica reprimida por regras fiscais disfuncionais, ao passo que o setor privado padece de sinais concretos de reaquecimento da economia no futuro próximo. Deste modo, inviabiliza-se a formação de expectativas positivas, fator determinante para a tomada de decisão do investimento.

Portanto, o planejamento do cenário pós-pandemia, exige, sobretudo, a ruptura com a agenda de austeridade e a efetivação de políticas de sustentação da demanda agregada, com destaque para um aumento substancial dos investimentos públicos, com geração de emprego e renda. A ação estratégica do governo tem potencial para contratar a retomada do crescimento e ancorar um novo estado de expectativas e impulsionar o investimento por parte das empresas, revertendo o quadro disfuncional ao qual estamos presenciando por anos seguidos. Logo, tal encaminhamento propositivo exige a revisão das regras fiscais vigentes que sufocam um importante componente da demanda agregada e inviabilizam a utilização dos gastos do governo como instrumento anticíclico.

[1] O PIB teve retração de -3,5% e -3,3% do PIB em 2015 e 2016, respectivamente.

[2] O crescimento real do PIB foi de 1,3%, 1,8% e 1,1% nos anos de 2017, 2018 e 2019, respectivamente.

[3] O estudo tem como como base os Demonstrativos Financeiros Padronizados de 487 empresas não-financeiras listadas na Bolsa de Valores do Brasil (B3) entre 2010 e 2020, obtidos na plataforma de dados abertos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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