A Redoma de Livros por Clarissa Wolff

“Nix”: o melhor romance de estreia da história?

Obra de Nathan Hill fala de política, família, escândalos midiáticos e videogames

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Milênios atrás, quando os continentes da Terra eram grudados, tartarugas africanas atravessavam um rio para colocar ovos na margem oposta. A distância do trajeto foi aumentando cerca de três centímetros ao ano com a separação de continentes. E cada geração de tartarugas nadou uma distância um pouco maior. Hoje, elas vão da África até a América do Sul, o rio se transformou em um oceano e as tartarugas, seguindo seu instinto, não perceberam.

Assim Samuel foi abandonado pela mãe.

Em 1988, ele ainda não sabe que será abandonado. Em 1988, ele é uma criança com uma paixão saudável pela irmã de seu melhor amigo, Bishop. Ele é tudo que Samuel não é: ousado, transgressor, e cheio de raiva. O contraste entre as emoções exacerbadas pela pouca idade parece não ter problema: a cumplicidade infantil de vidas distintas parece vencer todo o resto. E tem também Bethany, prodígio da música, que Samuel quer tanto impressionar.

Em 1988, sua mãe sai de casa e sua relação com Bishop e Bethany nunca mais será a mesma.

Mas estamos em 2011, Samuel é professor universitário, escritor frustrado e viciado no videogame Mundo de Elfscape. Seu único contrato literário, assinado há anos com um adiantamento de respeito, está para vencer e nenhum livro foi escrito. Seus contatos sociais podem ser resumidos a um colega de jogo que nunca viu pessoalmente e a uma aluna teimosa com uma predileção grande demais para causar problemas.

Em 2011, sua mãe retorna à sua vida.

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O noticiário conta a história de um ataque terrorista: uma senhora atira pedras da rua em um governador parecido um pouco demais com Presidente Trump. O circo midiático está formado e o passado da mulher vem à tona: presa por prostituição? Revolucionária radical dos anos 60?

Se perguntassem a Samuel sobre a história de sua mãe, ele não saberia o que falar, mas com certeza não seria isso. É essa a delícia e a desgraça do evento: ele não sabe muito bem se quer se reconectar e descobrir a verdade sobre a mãe, mas a oferta de sanar o contrato literário escrevendo um livro sobre ela é boa demais.

Viajamos juntos, então, para protestos utópicos em 1968, para paixões puras em 1988 (de Samuel por Bethany, de Bethany pela música), para diferentes vozes e angústias. O que acontece com Bishop? O que sua mãe realmente fez? Mais do que um livro sobre política, videogames, indústria literária ou revolução, Nix é um livro sobre relações humanas, família, amizades, amores e dores.

Com pulos cronológicos e uma narrativa belamente desenvolvida, o livro ainda nos presenteia com mergulhos psicológicos na vida e na voz de outros personagens coadjuvantes, personagens que, como as pessoas que passam despercebidas pela nossa vida, também têm anseios, sonhos, medos e um mundo interior próprio.

Talvez um dos melhores romances de estreia de todos os tempos. Nix, de Nathan Hill, jamais poderia ter sua essência explicada em um texto. Se fica uma mensagem, que seja esta: leiam.

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Serviço:

NIX, Nathan Hill

Tradução de José Francisco Botelho

Intrínseca, 2018

672 páginas

R$59,90

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