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Manifesto por uma espiritualidade livre de preconceito e da LGBTfobia

Junho é o mês de celebrar o Orgulho LGBTQIA+ e defender todas as formas de amor

Foto: JACK GUEZ / AFP Foto: JACK GUEZ / AFP
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Junho é o mês de celebrar o Orgulho LGBTQIA+ e defender todas as formas de amor.

O dia 29 de junho simbolizou a luta da comunidade LGBT estadunidense por direitos e por representatividade em uma sociedade conservadora, que não a respeitava e violentava sua existência. Passados 51 anos, embora muito se tenha conquistado em políticas públicas inclusivas e na ampliação da cidadania LGBTQIA+, ainda hoje, a cada 26 horas, um/a membro da comunidade é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia.

No Brasil, um ano após a aprovação da lei que criminaliza a homofobia e transfobia aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o país continua, lamentavelmente, como campeão mundial de crimes contra LGBTQIA+, principalmente contra pessoas trans e travestis.

LGBTQIA+ ainda são proibidos/as de frequentarem espaços religiosos ou quando frequentam, precisam assumir uma identidade postiça, que não verdadeiramente a sua.

Por conta de tudo isso, nós espíritas LGBTQIA+ e aliados/as, escrevemos – a várias mãos – um manifesto em forma de carta, defendendo uma espiritualidade mais inclusiva, antirracista, feminista e livre de todas as opressões, além de reforçarmos a importância de um estado laico de fato.

Seguimos juntas, juntos e juntes na luta!

Carta dos Espíritas LGBTQIA+, familiares e aliados/as por uma espiritualidade livre de preconceito, LGBTfobia, racismo, machismo, sexismo e capacitismo

“Questão 202: Quando errante, que prefere o Espírito; encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher? Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.” Allan Kardec, O Livro dos Espíritos

I) QUEM SOMOS

Somos um grupo de espíritas progressistas, composto por lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não bináries, intersexo, queer e pessoas com outras sexualidades e expressões de gênero dissidentes (LGBTQIA+), familiares, aliados/as, e desejamos ser uma representação LGBTQIA+ dentro do movimento espírita, ao mesmo tempo que queremos ser uma representação do espiritismo junto ao público interessado em conhecer melhor esse assunto.

Atuamos por meio de pesquisas orientadas, estudos sistemáticos e ampla divulgação de um espiritismo plural, acolhedor, dialógico e amoroso, livre de qualquer manifestação de violência e ódio em decorrência de orientações sexuais e identidades de gêneros.

Não há, em todos os escritos de Kardec, uma linha sequer contra LGBTQIA+. Se o fazem em nome do espiritismo, fazem baseados em suas próprias convicções, suas crenças e suas leituras – enviesadas – de mundo e de sociedade, na contramão dos ensinamentos de Cristo e de Kardec.

Importante destacar também que acreditamos no diálogo inter-religioso como forma de ampliação de nossas reivindicações e como diretriz para construção de um mundo melhor, sem machismo, sexismo, racismo, capacitismo, sendo mais inclusivo, com mais empatia, compaixão, respeito, tolerância e solidariedade.

II) O QUE COMBATEMOS E REPUDIAMOS

1. Qualquer tipo de preconceito e discriminação LGBTfóbica dentro ou fora das casas espíritas, utilizando-se de argumentos pseudorreligiosos ou mediúnicos para oprimir, violentar, excluir e estigmatizar;

2. Abordagens que têm sido feitas adotando como verdade o combate à ideologia de gênero, ressaltando o caráter hipócrita de rejeição de todo um trabalho científico que está sendo feito há muitos anos, tendo por base, dentre outras coisas, a teoria queer, além dos variados estudos de gênero em diversas universidades espalhadas pelo mundo – esse tipo de atitude reflete a negligência em atender às palavras de Kardec, de estarmos atentos aos progressos da ciência;

3. Quaisquer associações de nossas vivências e lutas à pedofilia, que também combatemos;

4. A ideia de que ser LGBTQIA+ seja resgate de vidas passadas, e que indivíduos LGBTQIA+ sejam desviados, doentes ou perturbados; colocações que afirmam essas ideias são reducionistas e mal intencionadas;

5. A violência que as mulheres lésbicas e bissexuais, sejam elas cis ou trans, sofrem e que, muitas vezes, são reforçadas pelas religiões, que reproduzem e fortalecem o sistema patriarcal e heterocisnormativo;

6. Toda forma de preconceito com que nós, LGBTQIA+, sofremos desde o ingresso à casa espírita até a possibilidade do exercício de algum trabalho voluntário e de amor ao próximo.

III) O QUE QUEREMOS

Ser solidários/as/es aos indivíduos LGBTQIA+ que sofreram alguma violação de acesso a qualquer instituição espírita ou atitudes preconceituosas explícitas ou velados expressados como posicionamento espírita sobre as temáticas. Tais atitudes nada têm a ver com o respeito, amor e caridade ao próximo ensinados no Evangelho; com todos os conhecimentos espíritas que dialogam com a ciência e a filosofia atuais; com as Leis Divinas de Igualdade, Amor e Justiça; e com o espiritismo que devemos vivenciar;

Lembrar que somos espíritos imortais, sendo o espírito um ser individualizado, vivendo, cada um/a, as experiências necessárias à sua evolução;

Afirmar o nosso profundo respeito e o nosso compromisso em contribuir para se assegurar a dignidade de travestis, mulheres e homens transexuais e intersexos, por meio do reconhecimento da identidade de gênero e da despatologização das identidades trans e intersexos;

Garantir que somente o próprio indivíduo tenha o direito de dizer a qual orientação e identidade de gênero pertence, pois cada um tem sua orientação sexual e identidade de gênero, não havendo uma homogeneização em nenhuma delas, nem mesmo entre as identidades cisgêneros, apesar dos padrões de papéis convencionados pela sociedade;

Reafirmar que as inúmeras reencarnações permitem ao espírito renascer em um corpo masculino, feminino ou intersexo como parte do processo de aprendizagem espiritual;

Recordar que, para o espiritismo, os espíritos desencarnados não têm uma identidade de gênero determinante, podendo encarnar como homens, mulheres cis ou transgêneros ou não-binários;

Dizer que, quando progredimos, cada orientação sexual e identidade de gênero oferece condições e novas oportunidades de adquirirmos experiências, pois, ao se encarnar em apenas uma identidade de gênero, somente poderíamos ter as experiências relativas a essa identidade em questão;

Reivindicar o direito à vivência plena da espiritualidade e religiosidade de LGBTQIA+, seja em instituições espíritas (espaços de atividades de acolhida espiritual, estudo, prática mediúnica e assistência social), seja em iniciativas independentes (grupos, coletivos e outras entidades espiritistas);

Incentivar a educação sexual inclusiva, esclarecendo todos os pontos de maneira saudável, assim como estimular a compreensão de todos esses aspectos, a fim de não precisarmos de outra lei que não seja “Amar o próximo como a si mesmo”.

Continuar existindo, para que casas e movimentos espíritas se juntem a nós, abrindo espaço para o diálogo dentro de seus ambientes, educando e auxiliando no combate ao preconceito ainda tão enraizado na sociedade.

Ter reconhecimento de que os laços de família são realizados por afinidade, respeito, amor, e que não estão ligados a qualquer exigência do corpo/da matéria e heterocisnormatividade. Como está dito em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no item sobre parentela (capítulo XIV) e sem construções preconceituosas, “os laços do sangue não criam forçosamente os liames entre os Espíritos. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito (…) Os verdadeiros laços de família, são os da simpatia e da comunhão de ideias, os quais prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações. Segue-se que dois SERES (…) podem (…) atrair-se, buscar-se, sentir prazer quando juntos”.

Aproveitamos para elucidar que LGBTQIA+ não é uma sigla de letrinhas: é a representatividade de grupos com demandas específicas entre elas. Não existe apenas um tipo de gay, de lésbica, de trans, assim como não existe uma demanda padrão para os grupos LGBTQIA+ em si.

Está na hora de o espiritismo fornecer amparo, consolo, validação, visibilidade, assim como também desconstruir as estruturas culturais que ela ajudou a criar e fortalecer, que dão aval a toda violência e desigualdade que esses grupos enfrentam.

Nosso movimento vem resgatar esse amor RADICAL, LIVRE de empecilhos e de preconceito. Nosso movimento vem dizer que qualquer forma de família é válida, desde que baseada no amor.

Estamos aqui para comprovar que o amor ultrapassa qualquer barreira, ele simplesmente é, e nos convoca a ser mais, a romper distâncias, preconceitos de qualquer ordem para existir, para sermos felizes!

Dessa forma, estabeleceremos uma sociedade mais justa e mais diversa. Uma casa comum onde todos/as/es possam viver bem, tendo acesso pleno aos seus direitos, livres de preconceitos e discriminações.

Brasil, 28 de junho de 2020

Frente Espírita LGBTQIA+ ([email protected])

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