Justiça

Problema de orçamento? É necessário repensar o sistema tributário

Começar a taxar bens de luxo, como iate, lanchas e helicópteros com o IPVA, instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas são alguns caminhos

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Frente à pandemia de coronavírus, a queda abrupta da atividade econômica e, consequentemente, da arrecadação de tributos, bem como a necessidade de dispêndio de grandes recursos pelo Estado para enfrentamento da crise têm levantado discussão acerca do ônus que produzirá no orçamento público.

Qualquer discussão séria sobre esse assunto deve abordar necessariamente o injusto sistema tributário brasileiro, centrado em impostos sobre o consumo e não sobre a renda, ou seja, um sistema regressivo e não progressivo, no dizer dos especialistas.

Essa característica revela sua perversidade no fato de que as camadas mais pobres da população são justamente as que acabam arcando mais proporcionalmente com os tributos, ao contrário do discurso falso e usualmente propagado de que os mais ricos e proprietários de empresas seriam onerados para além da conta.

Na verdade, também na tributação o Brasil revela sua face de cruel privilégio de poucos em detrimento da maioria da população. Simplesmente a camada mais rica paga menos impostos.

Muitos têm boa parte da renda proveniente da distribuição de lucros e dividendos de sociedades empresariais, que não têm tributação desde o governo de FHC, sendo um dos poucos casos no mundo.

Por outro lado, as faixas do imposto de renda e as alíquotas levam anos sem uma devida reestruturação: hoje quem ganha acima de R$ 4.664,68 por mês e quem ganha R$ 46 mil por mês têm a mesma oneração de 27,5%, ao passo que uma renda de R$ 2 mil já se submete a uma tributação da ordem de 7,5%.

Assim, pensar a saúde financeira do Estado, para que possa prover o sistema de saúde público e o sistema de assistência social com os recursos adequados, demanda refletir urgentemente sobre, por exemplo, a falta de taxação de grandes fortunas, que está prevista na Constituição de 1988 e espera uma lei que a regulamente desde então.

As propostas a respeito, que circulam há anos no Congresso Nacional, estipulam, em geral, tributo que afetaria parte ínfima da população, apenas aqueles com patrimônio da ordem de dezenas de milhões de reais, e que geraria dezenas de bilhões de reais aos cofres públicos.

Enfim, é preciso abandonar a política de cortes massivos de investimentos em saúde, educação, ciência etc., pois esses são essenciais para o fortalecimento do país, e pensar em soluções inteligentes e justas que permitam salvar vidas e assegurar dignidade aos trabalhadores e às trabalhadoras nos próximos meses e anos.

 

Neste governo, a aplicação de uma doutrina de infinito ajuste fiscal, que reduz o papel do Estado em um país maculado por desigualdades de renda brutais, só tem aprofundado o crescimento da pobreza e mantido o alto nível de desemprego, demonstrando o despreparo da pasta do Ministro Paulo Guedes para lidar com o Brasil, que agora é atingido por crise sem precedentes, capaz de gerar uma catástrofe social.

O país necessita – e muito – de investimentos sociais e, para isso, devemos repensar a arrecadação do Estado, que pesa mais sobre aqueles que têm negados cotidianamente seu direito de acesso a serviços públicos básicos.

É hora de o Congresso Nacional atuar para que o Estado brasileiro tenha os recursos necessários para enfrentar essa crise e para reverter o desamparo da população menos favorecida.

No dia 13 de abril, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo, formadas por movimentos sociais e centrais sindicais, iniciaram campanha denominada “Taxar fortunas para salvar vidas”, com o objetivo de pressionar, por exemplo, pela aprovação de projeto de lei complementar que institua o Imposto sobre Grandes Fortunas, o que se espera desde a promulgação da Constituição, há mais de 30 anos.

Também faz parte da campanha as propostas de taxação de lucros e dividendos das pessoas físicas possuidoras de cotas e ações em empresas, de nova alíquota de tributação sobre os lucros remetidos ao exterior, de cobrança mais efetiva de imposto sobre as grandes propriedades rurais e de empréstimo compulsório de recursos de empresas com patrimônio superior a 1 bilhão de reais. Até agora a iniciativa já reuniu mais de 144 mil assinaturas a favor em seu site.

Na forma como está posta, carga tributária brasileira sobrecarrega população pobre e libera mamata para fortunas (Foto: ABr).

Repensar o sistema tributário brasileiro e suas prioridades pode injetar dezenas de bilhões de reais no orçamento público para fazer frente às dificuldades que virão. Até agora, se viu um desfile de medidas que, para salvar as empresas, reduziram inúmeros direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, gerando notáveis inseguranças sobre esse período de crise. Por outro lado, o auxílio pensado para aqueles que não conseguem mais retirar seu sustento, inicialmente irrisório na proposta do governo e depois melhorado pelo Congresso Nacional, também parece não atender à dimensão do problema.

É tempo de o Congresso Nacional agir com igual determinação e rapidez em propostas que fortaleçam o orçamento público, assim como é preciso discutir reforma que reverta a penalização da pobreza que o sistema tributário brasileiro impõe, fazendo com que as camadas mais privilegiadas contribuam de maneira adequada.

Nesse sentido, a oposição formulou, no ano passado, diversas propostas para embasar uma reforma tributária justa, solidária e sustentável. Dentre elas, começar a taxar bens de luxo, como iate, lanchas, jatinhos e helicópteros com o IPVA, instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas, repensar as faixas do IR, cobrar impostos mais altos sobre heranças (transmissão por morte e doações), fazer incidir IR sobre lucros e dividendos de empresas de médio e grande porte.

Enfim, melhorar o sistema tributário e torná-lo mais justo não deve ser pauta setorizada e partidária, mas de todos com responsabilidade para enxergar que o Estado brasileiro tem um dever a cumprir com a população.

Neste momento de crise orçamentária, o mundo inteiro pensa em alternativas: na nossa vizinha Argentina, por exemplo, estão preparando exatamente um projeto de lei para instituir um imposto sobre grandes fortunas. Certamente essa medida por si só não resolve qualquer problema, mas pode constituir um primeiro passo.

Não há tempo a perder, e o Brasil deve começar pelo óbvio: repensar os diversos fatores de desigualdade social que expõem enormemente a população aos efeitos mais nocivos da crise e adotar medidas concretas e eficazes. Taxar fortunas para salvar vidas pode ser o começo da urgente reformulação do nosso injusto sistema de arrecadação de receitas públicas.

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