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Novos ventos do Sul Global: a movimentação das mulheres na América Latina

“Sempre quando a extrema direita parece triunfar de vez, há uma coisa que é impossível deter: um povo que sai às ruas”. É o que afirma Marian Laura Amartino, advogada argentina, especialista em Direito do Trabalho e conselheira sindical da Associação dos Trabalhadores do Estado, […]

Manifestantes protestam por direitos das mulheres na Argentina. Foto: RONALDO SCHEMIDT/AFP
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“Sempre quando a extrema direita parece triunfar de vez, há uma coisa que é impossível deter: um povo que sai às ruas”. É o que afirma Marian Laura Amartino, advogada argentina, especialista em Direito do Trabalho e conselheira sindical da Associação dos Trabalhadores do Estado, em entrevista para a Rede Lado. Marian foi uma das advogadas sindicalistas que fizeram parte do movimento da “Maré Verde” na Argentina que levou a aprovação da legalização do aborto no país.

Durante a luta pela lei de legalização do aborto no país, o apoio substancial dos sindicatos foi uma forte influência que o movimento feminista argentino teve, sobretudo dos sindicatos que tinham movimentos feministas proeminentes.

Desde a legalização em dezembro de 2020, após seis meses, a Argentina contabilizou zero mortes por aborto no país.

“São processos. Essa luta das mulheres argentinas é de anos. Antes disso, foi a lei de paridade gênero na política, por exemplo. Sem ações como essas, legalização do aborto não seria possível”, afirma Marian. No mês de julho de 2021, a Argentina também aprovou uma lei que registra o cuidado materno como trabalho e prevê remuneração e aposentadoria garantida.

Aborto é direito em boa parte da América Latina

“A América Latina tem um ponto muito importante em comum: queremos atravessar (e atravessamos) fisicamente os processos. A legalização do aborto na Argentina é a vitória de todas as mulheres latino-americanas”, reitera Marian. Outros lugares como o Uruguai, Guiana e México também têm o aborto descriminalizado. No México, a descriminalização é nacional, mas cada província regula de acordo com decisões tomadas nos Parlamentos daquela localidade. Na Guiana, o aborto é legal até a 12ª semana.

Em Cuba, o aborto é legal desde 1965 com três pontos a serem seguidos: a mulher deve consentir, deve ser feito no hospital, deve ser totalmente gratuito. A prática foi descriminalizada no país em 1987. A Colômbia, país majoritariamente católico, descriminalizou o aborto até a 24o semana de gestação, decisão tomada pela Corte Constitucional. Foram cinco votos a favor e quatro contra.

“Vivemos e respiramos uma nova América Latina, isso é inegável”, celebra Marian.

Manifesto pelo aborto legal na Argentina (Foto: JUAN MABROMATA / AFP)

Sonho chileno

Outro movimento importante dos últimos anos na América Latina, que também trouxe consigo uma forte pressão popular e feminina, foi a criação uma Assembleia popular para uma nova Constituinte no Chile. A campanha das chilenas com o ‘Nunca mais sem nós’, que pede a paridade de gênero na construção da Constituinte chilena, foi decisiva para o plebiscito popular que elegeu os representas da Assembleia.

Mais do que a representatividade de gênero, Elisa Loncón, mulher, indígena da etnia Mapuche é a escolhida para liderar a produção do novo texto na chamada Convenção Constitucional, que conta com 155 representantes, sendo 78 homens e 77 mulheres. A expectativa de avanços nos direitos das mulheres é muito grande.

Loncón é acadêmica, doutora em linguística e disse em seu discurso: “Este sonho é o sonho dos nossos antepassados. É possível, irmãos, irmãs, colegas, refundar o Chile”. Nesse sonho chileno, um capítulo importante é a eleição de Gabriel Boric, candidato de esquerda cuja posse se aproxima em 11 de março.

Boric venceu o candidato de extrema direita nas eleições, evitando que o Chile entrasse em um antigo pesadelo. O país vem de crises políticas desde a ditadura de Augusto Pinochet, que durou até 1990 e não teve uma nova Constituinte no pós-ditadura.

Brasil na vanguarda do atraso e com ampla resistência feminista 

No Brasil, índices do Sistema Único de Saúde (SUS) durante o primeiro semestre de 2020 mostram que o número de atendimentos por conta de abortos malsucedidos foi 79 vezes maior do que dos abortos previstos em lei. Foram quase 81 mil atendimentos por complicações de abortos incompletos (curetagens e aspirações) e 1.024 procedimentos legais em todo o Brasil no mesmo período. O Brasil tem, todos os dias, 539 internações por aborto de acordo com o DataSUS.

O aborto é legal em três casos no Brasil: quando a gravidez foi gerada por estupro, em caso de risco à saúde da gestante e do feto e em fetos com anencefalia. Porém, no que depender do Legislativo do país, as mulheres terão ainda mais dificuldade pela frente. Dados da plataforma Elas no Congresso apontam que em 2019 foram apresentadas 18 propostas com a temática no aborto, todas prevendo mais restrições ao procedimento.

Mesmo com um Congresso conservador, a luta dos movimentos feministas se faz diária e todos os anos, não só no dia 8 de março, mas principalmente nesta data, mulheres em todo o Brasil vão às ruas pela defesa da vida, do combate ao racismo, ao machismo e a LGBTfobia, na marcha conhecida como 8M.

Marcha das Mulheres Negras, na orla de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, em 2019. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O lema nacional deste ano da marcha, que acontecerá em todas as regiões do país, é “Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome!”.

Para alcançarem a descriminalização do aborto na Argentina, as mulheres fizeram o mesmo: ocuparam as ruas. “Fomos às ruas incansavelmente e conseguimos o apoio de vários movimentos sociais, além de instituições sindicais”, lembra a advogada Laura Marian Amartino, que acredita na união das mulheres do continente latino-americano: “Temos a nossa força e somos capazes de muito, precisamos nos unir como povo”.

Texto produzido em conjunto com o Comitê de Diversidade da Rede Lado

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