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A ‘Carteira Verde e Amarela’ prejudica quem sofre acidente de trabalho

Novas mudanças na legislação trabalhista beneficiam empregadores que contam com a dificuldade de prova em casos de acidente do trabalho

Foto: Akira Onuma/Ascom Susipe Santa Izabel do Pará
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Em nosso cotidiano, a segurança do trabalho deveria constituir um objetivo permanente do poder público, do empregador, do trabalhador e da sociedade como um todo. O trabalho deveria se dar em um ambiente livre de ruídos em excesso, com equipamentos de proteção e em temperaturas adequadas para saúde humana… esse seria o cenário ideal para o trabalho digno.

A exigência da segurança não existe à toa. Quando ela não é garantida, contrapondo-se ao cenário ideal, os acidentes de trabalho poderão ocorrer. Segundo a lei, acidentes de trabalho são aqueles que ocorrem no ambiente de trabalho ou à serviço da empresa, provocando lesões corporais, causando a morte, perda ou redução da capacidade de trabalho – temporária ou permanente. Além disso, as doenças profissionais e de trabalho também equiparadas ao acidente de trabalho.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, a cada dia no mundo ocorrem aproximadamente 1.000.000 de acidentes de trabalho, gerando em torno de 5.500 mortes. No Brasil só em 2010 foram registrados 701.496 acidentes de trabalho, ocasionando 2.712 mortes – apesar das conquistas trabalhistas de saúde e segurança do trabalho.

Vale dizer que ss dados chamam atenção e, todavia, não refletem nem de longe a totalidade dos números de acidentes de trabalho já que muitos empregadores sequer abrem a Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT), deixando muitos acidentes fora da estatística.

TST faz homenagem a mortos em acidentes de trabalho no Brasil em 2018 (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil).

Impossível não questionar de quem é a responsabilidade pelo ocorrido e sobre quem deve recair a obrigação de reparar o dano sofrido nos casos de acidentes de trabalho. No campo do Direito, importante saber se essa responsabilidade seria subjetiva ou objetiva, ou seja, se é ou não exigido culpa ou dolo para responsabilização. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal em 5 de setembro de 2009 decidiu que o trabalhador que atua em atividades de risco tem direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidentes de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador.

A conclusão dos ministros à época foi pela aplicação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco, por entender que mesmo sem a intenção de ferir a empresa e o empregador são responsáveis pela proteção da integridade e saúde do trabalhador e trabalhadora no ambiente de trabalho, em especial quando eles convivem cotidianamente com o risco.

A situação muda (para pior) com a MP Verde e Amarela

Ocorre que com o advento da Medida Provisória nº 905, a famigerada MP do Contrato Verde e Amarelo, ao tratar do seguro por exposição a perigo, mais precisamente em seu artigo 15, parágrafo 2º, regulou a indenização por acidente somente em caso de dolo ou culpa do empregador, afastando a responsabilidade objetiva na forma da análise recente pelo Supremo Tribunal Federal.

O texto da MP além de trazer grande insegurança jurídica, visto que regula a matéria de forma diferente ao julgamento recente do STF, prejudica a proteção ao trabalho digno e saudável ao determinar que o trabalhador deve comprovar o dolo ou culpa. Indica que estamos sendo levados pelos nossos legisladores para um destino chamado “retrocesso”.

Além do sofrimento individual e familiar que um acidente de trabalho pode causar, a prova da culpa ou do dolo são extremamente difíceis de obter, ficando o trabalhador com um risco real de não proteção, à mercê da sociedade, a qual efetivamente não está preparada para recebê-lo.

Não precisamos de uma extensa análise histórica para percebermos que o retrocesso caminha a passos largos e que em um curto espaço de tempo temos uma decisão que confere protecionismo ao trabalho em atividades de risco, ao reconhecer a responsabilidade objetiva, ao passo que a Medida Provisória 905 reflete o ataque que a classe trabalhadora vem sofrendo com as alterações legislativas trazidas pela malsinada Lei 13.467/17 e agora com a MP 905.

Caminhamos na contramão.

Os reflexos do acidente de trabalho na sociedade, na economia brasileira e na vida do acidentado são sensíveis e, muitas vezes irreversíveis. Atribuir a responsabilidade, de forma objetiva, àquele que não ofereceu segurança necessária durante a execução de uma atividade sabidamente de risco é responsabilizar o real causador do dano.

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