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Intolerância religiosa: OAB e Findac acionam MPF contra a TV Arapuan

Filiada à RedeTV na Paraíba viola direitos humanos, mais uma vez

Foto: Programa Rota da Notícia. Reprodução TV Arapuan
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*Por Mabel Dias

A Comissão de Direito à Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil (secção Paraíba) deu entrada em uma representação no Ministério Público Federal e na Defensoria Pública do estado contra o Sistema Arapuan de Comunicação e uma loja de variedades, localizada na cidade de João Pessoa. A ação foi motivada após o apresentador do programa policialesco Rota da Notícia, Vinícius Henriques, e o representante de uma loja de variedades proferirem palavras preconceituosas em relação às pessoas de religiões de matriz africana. 

No último dia 13, durante um merchandising da loja no programa, o seu representante entra no estúdio da emissora enrolado em um lençol e com um objeto na cabeça, simulando uma dança que faz referência à entidade sagrada da Umbanda. O apresentador do policialesco, rebate: “Sai para lá, Satanás!”, ao que o representante da loja diz: “Aqui não precisa de macumba para vender, não!”. O programa Rota da Notícia faz parte da grade da emissora Arapuan (afiliada à RedeTV!), e vai ao ar todos os dias, a partir das 18h.

Não é a primeira vez que a Arapuan comete violações. Em 2018, a emissora firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com o Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac) e o Movimento Feminista da Paraíba como meio de reparação às violações cometidas contra os direitos humanos das mulheres por Sikêra Jr, que na época apresentava outro policialesco na Arapuan.

Além da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-PB, também são signatários da ação o Findac, a Defensoria Pública do Estado da Paraíba, o Fórum da Diversidade Religiosa, os pais de santo Widmarques Almeida de Santana e Elialdo Witomark da Silva e a Federação Paraibana de Tradições Afro-Descendentes.

A fala do apresentador e a caricatura feita pelo representante da loja repercutiram imediatamente, gerando repúdio por parte dos religiosos do candomblé e da umbanda na Paraíba, que acionaram a Comissão de Direito à Liberdade Religiosa da OAB-PB, que tem à frente o advogado Franklin Soares. “Solicitamos uma reunião com os responsáveis pelo programa para buscar a devida e necessária retratação, pois não é a primeira vez que a emissora insiste na conduta delituosa. A produção ficou de nos dar uma resposta na segunda, dia 17, porém, não obtivemos retorno. Por isso, entramos com uma representação no Ministério Público Federal e devemos acionar também a Coordenadoria de Crimes de Intolerância Religiosa da Defensoria Pública. Em paralelo a isso, vamos abrir um inquérito policial em desfavor do apresentador, que foi coautor”, informou o advogado.

Intolerância religiosa nas comunicações

Franklin Soares reitera que a liberdade religiosa não pode ser tratada como escárnio e que a encenação não tratou de humor, ou piada, mas de escárnio contra a fé alheia, e deve ser apurada de acordo. Segundo ele, entre as infrações cometidas pela emissora está a que diz respeito ao artigo 20 da Lei Caó (n° 7.716/89), que pune casos de intolerância religiosa, racismo, discriminação por gênero e orientação sexual. 

A professora e integrante da Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba, Ivonildes Fonseca, lamenta que tais atitudes ainda sejam recorrentes na sociedade brasileira. “Atitudes como essa deste quadro em um programa televisivo são recorrentes na sociedade brasileira, e, vale ressaltar, na TV com o seu amplo raio de alcance e revestido de autoridade. Tal atitude reforça grandemente o preconceito, a discriminação e o racismo ao patrimônio histórico-cultural das pessoas afrodescendentes – as religiões- e contribuem com as violências aos terreiros, às pessoas, aos monumentos como o que acontece com a estátua da Orixá Iemanjá, na praia do Cabo Branco”, pontua a professora.  

Ela também lembra a ação movida em 2018 pelo Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro Brasileira e o Centro de Relações de Trabalho e da Desigualdade no Ministério Público Federal contra a Record TV, de propriedade do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Este blog tratou desse tema à época no artigo “Uma janela de oportunidades contra o racismo religioso na TV”. A emissora foi condenada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região de São Paulo por exibir conteúdos ofensivos a religião de matriz africana, e teve que exibir entre os dias 10, 16, 23 e 30 de julho de 2019 o programa A Voz das Religiões Afro. “A Arapuan é uma concessão pública e deveria abrir espaço para valorizar a cultura religiosa dos que tem importância ímpar na construção desse país”, reforça.

Para o sacerdote do Candomblé, Cleyton Savaluno, tanto a fala de Vinícius Henriques, quanto a caricatura das danças sagradas da Umbanda feita pelo representante da loja de variedades são repugnantes e causa preocupação entre os religiosos. “Em tempos de tanto ódio, tanto retrocesso, onde vemos políticas públicas de igualdade e respeito serem tolhidas e ignoradas, em um tempo onde nossa prática religiosa vem sendo impedida de acontecer em comunidades chefiadas por traficantes ditos evangélicos, em tempos de fascismo, onde o racismo, a homofobia e a violência vêm sendo praticados de forma absurda, com aval do Estado, nos preocupa pessoas que se propõem a trabalhar com Jornalismo, mesmo sem ter formação acadêmica para tal, não procurarem conhecer, o mínimo que seja, do Código de Ética dos Jornalistas, e da Deontologia das Comunicações Sociais.”, ressaltou o sacerdote, que é radialista e jornalista. 

Cleyton reforça ainda que as empresas de comunicação são concessões públicas e devem guiar-se pelo o que determina a Constituição Federal e o Código  Brasileiro de Telecomunicações. “Portanto, devem primar pelo respeito às classes sociais, gêneros, orientação sexual, etnia, credos religiosos ou não credos, e toda a diversidade que compõe a sociedade que mantêm essas concessões, seja com impostos, seja com audiência”, complementou. 

O apresentador Vinícius Henriques gravou um vídeo durante o programa do dia 17, pedindo desculpas se alguém ou alguma religião se sentiu ofendido. Para o advogado Franklin Soares, não foi feita uma retratação adequada. “É uma desculpa que não reconhece o próprio erro e coloca a culpa na vítima da intolerância religiosa, tentando minorar o fato. Pode ter sido feito com a maior sinceridade, mas não foi completo e ele não citou nenhuma das entidades que entrou em contato com ele, como o Findac, OAB-PB, entre outros. A representação contra ele segue”, afirmou.

Como concessões públicas com prazo de validade para renovação dessas outorgas, a radiodifusão deve preservar no conteúdo de seus programas o respeito à diversidade religiosa e à cultura do povo negro. No entanto, não é o que vemos. Cada vez mais, os conglomerados de comunicação investem em programas policialescos, com apelos sensacionalistas e com um discurso que reforça a discriminação em relação a pessoas em situação de vulnerabilidade, como pobres e negros. Nesse caso específico, reforçando estereótipos contra os religiosos do candomblé e da umbanda, constantemente alvos de violência brutal.

Não é à toa que estes religiosos não encontrem espaço nos meios de comunicação para falar de sua fé e de sua prática. Estereótipos em relação a estas religiões são fortemente disseminados na sociedade brasileira há muitos anos. Pais e mães de santo só são procurados por alguns meios no final de ano para fazer previsões para o ano novo que virá ou em datas específicas, como a celebração a Iemanjá na praia, por exemplo, reduzindo a importância dessa religião na cultura do povo brasileiro.

Os meios de comunicação têm um papel fundamental em um sistema democrático, formam opinião e exercem uma influência nesse sentido, como ressaltou a professora Ivonildes Fonseca. Existem leis e códigos que os regem, como também a postura dos profissionais. Portanto, não podem de forma alguma serem usados como canais de disseminação de preconceitos e discurso de ódio, e devem seguir o que determina a Constituição Federal.

*Mabel Dias é jornalista, mestranda em Comunicação na UFPB e integrante do Intervozes

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