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Censura e governismo levam EBC mais longe da comunicação pública a cada dia

Trabalhadores lançam dossiê que contabiliza 138 casos de censura e governismo nos veículos e agências da empresa de comunicação pública

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Comissão de Empregados de EBC

Os sinais de que a história da comunicação pública tomaria novos rumos sob o governo Jair Bolsonaro foram dados ainda durante a campanha eleitoral de 2018, quando o então candidato deu algumas declarações afirmando que iria extinguir a “EBN”. O que já indicava o desconhecimento sobre o assunto: a Empresa Brasileira de Notícias foi extinta em 1988, quando foi fundida à Radiobrás, a estatal que deu origem à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A EBC é responsável pelos veículos públicos TV Brasil, Rádio Nacional em Brasília, Rio de Janeiro, Amazônia e Alto Solimões e Rádio MEC, além da Agência Brasil e Radioagência Nacional. Produz ainda, como prestação de serviço ao governo federal, o programa de rádio Voz do Brasil e a TV NBR, hoje transformada em TV BrasilGov.

A EBC foi criada para tirar do papel o texto constitucional que prevê, em seu artigo 223, a complementaridade entre os sistemas de radiodifusão privado, estatal e público. O modelo segue o das democracias ocidentais do pós-guerra, que criaram mecanismos para emissoras públicas garantirem pluralidade e espaço para vozes da sociedade que seriam barradas na mídia empresarial.

Depois da posse, as declarações de Bolsonaro mudaram para “é complicado”, “tem muitos funcionários”. Na prática, o que o governo vez foi se apossar dos veículos e agências públicas para propaganda e promoção pessoal, com o proselitismo demonstrado em lives transmitidas pela TV Brasil.

Já em abril de 2019 uma portaria da EBC fundiu as grades da TV Brasil, de caráter público e que deveria ter uma programação de interesse da sociedade, com a TV NBR, o canal governamental que transmite os atos do poder Executivo. Aqui, as portas para o governismo descarado e a censura foram abertas. E isso fere inclusive, em 2020, a legislação eleitoral, promovendo candidatos bolsonaristas.

Dossiê

Na tentativa de mostrar os níveis absurdos de desvirtuamento da função pública, trabalhadoras e trabalhadores da EBC organizaram e lançaram, na segunda-feira 21, o 2º Dossiê Censura EBC, que traz como subtítulo “Inciso VIII”. Ele se refere ao artigo 2° da Lei nº 11.652, que descreve os princípios a serem seguidos pela empresa de comunicação pública: “VIII – autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”.

A elaboração do documento foi liderada pela Comissão de Empregados da EBC e contou com a participação dos Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas do Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro, além da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A primeira edição do dossiê foi lançada em agosto de 2018 e reuniu 61 denúncias, de casos ocorridos entre outubro de 2016 e julho de 2018.

Desta vez, a abrangência foi de janeiro de 2019 a julho de 2020 e recolheu 138 casos em que houve cerceamento à liberdade de imprensa, gerando entraves ao cumprimento do princípio básico da instituição, que é produzir conteúdos de comunicação pública, voltados para o interesse da sociedade e que “contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica das pessoas”, como diz a missão da EBC.

Os casos foram registrados por meio de um formulário on-line e abrangeram todos os veículos e agências da EBC. Mas vale lembrar que nem todos os colegas reportam os fatos, por temer represálias e perseguições internas. Portanto, a sistemática da censura e do governismo opera em níveis ainda mais profundos. Além dos casos concretos de trechos ou palavras cortados e textos não publicados, ficou constatado que a censura ocorre na pauta, com temas considerados “delicados” ou “sensíveis” que ficam de fora da cobertura.

Entre os temas recorrentes vítimas do cerceamento estão os de Direitos Humanos, com fontes proibidas, entre elas organizações internacionais como Anistia Internacional e Human Rights Watch, e lideranças da sociedade civil, notadamente ambientalistas, indígenas, quilombolas e feministas – embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos integre como anexo do Manual de Jornalismo da empresa, lançado em 2013.

Também foram, repetidas vezes, censuradas matérias sobre as violações dos direitos indígenas e da população LGBTI+, violência policial, manifestações antifascistas, investigações do caso Marielle Franco e Anderson Gomes, problemas na concessão do auxílio emergencial e também matérias mais explicativas sobre o medicamento hidroxicloroquina, defendido pelo presidente para tratar a Covid-19, mas sem comprovação de eficácia contra a doença. O dossiê também constatou que a expressão ditadura militar foi trocada por regime militar em textos escritos, e chegou-se ao ponto de ocorrer montagem substituindo os termos em reportagem de rádio, gerando desnível no áudio e erro de concordância na matéria veiculada. Ou seja: a censura, como era de se esperar, é grosseira.

O governismo pode ser notado nos programas de entrevistas que agora ocupam a grade da TV Brasil e nas manchetes recorrentes da Agência Brasil, com o chamado “jornalismo declaratório”. Predominam declarações de membros do governo, sem espaço para contextualização ou contraditório, mesmo que de outras figuras da República, como os presidentes das casas legislativas, tribunais superiores e de partidos políticos.

Entrevistas de ministros à Voz do Brasil passaram a ocupar as manchetes, mesmo sem tratar de nenhum tema importante. Também foi registrado protecionismo a ministros como Abraham Weintraub e Damares Alves, além do próprio presidente Bolsonaro, para suavizar falas que causaram repúdio público.

O dossiê é uma ação em defesa da comunicação pública e da verdadeira missão da EBC: “fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação”. É o objetivo que nos move.

Denunciar a censura na EBC é uma forma de manter viva a defesa do projeto de Comunicação Pública no Brasil, com verdadeira autonomia editorial e capacidade de responder ao que a sociedade espera do serviço sustentado por ela, e que deve suprir o direito básico à informação isenta e de credibilidade.

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