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O retrocesso na política nacional de drogas do governo Bolsonaro

Que o governo atual seria contrário à tendência global de legalização da cannabis a gente já sabia. Mas não dava para imaginar o quanto

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Ilustração: Felipe Navarro

Desde que assumiu o governo no começo deste ano, o presidente tem modificado demais as políticas de drogas no Brasil. Para começar, nomeou Osmar Terra como Ministro da Cidadania, pasta criada resultante da união entre os antigos ministérios da Cultura, do Esporte e Desenvolvimento Social. Terra é um dos mais ferrenhos militantes contra a legalização da maconha no Brasil, tendo recentemente dito que “a Anvisa pode até acabar”, caso o órgão aprove as regras sobre o plantio da erva medicinal.

Desde 2015 tramita no STF um processo que visa descriminalizar as drogas no Brasil. O Supremo iria dar continuidade ao debate, mas o ministro Dias Toffoli, após receber uma visita de Bolsonaro, resolveu retirar da pauta o julgamento sobre a descriminalização. Ao mesmo tempo, a base do governo agitou a toque de caixa a aprovação da PLC 37, que altera a antiga lei de drogas.

“E por que a gente quer aprovar de maneira tão rápida esse projeto? Por que se ele não for aprovado, o STF corre um sério risco, de muito em breve, liberar as drogas no Brasil. Agora, se esse projeto for aprovado, a causa que está no STF perde o objeto, acaba essa discussão”, defendeu Eduardo Bolsonaro, pedindo aos senadores que não propusessem emendas e aprovassem a mudança.

O tal PLC 37 foi aprovado no Senado e agora segue para sanção nas mãos de Jair Bolsonaro. O projeto, em suma, enrijece a política nacional antidrogas, abre portas para a internação voluntária de usuários de droga e manobra o fortalecimento das comunidades terapêuticas. Diferentemente do que acredita Eduardo, o debate no STF não morreu. A sequência no discussão sobre a descriminalização no Supremo pode continuar, inclusive está marcada para novembro.

O problema é que o esquema parece já estar formado. A cúpula ministerial por trás do governo está focada em não permitir esse avanço. Vale lembrar que na América Latina somente o Brasil, as Guianas e o Suriname ainda penalizam o porte de pequena quantidade de droga. Na opinião do ministro da Cidadania, pelo visto, ainda vamos continuar prendendo usuários como traficantes. “Minha posição, e já conversei isso com o ministro Moro e com o Beggiora, não tem a menor possibilidade de isso dar resultado, estabelecer quantidade para separar traficante e usuário. Até porque isso desmoraliza a polícia, um ministro da Justiça e o governo assinarem embaixo que policial não tem competência para definir o que é um traficante”, disse Osmar Terra.

Obscurantismo máximo

No dia 11 de abril de 2019, Bolsonaro aprovou, com o Decreto 9761/2019 a sua Política Nacional de Drogas. Basicamente, a medida visa instituir a abstinência como a única forma de tratamento ao usuário de drogas no Brasil, indo contra a lei 11343/2006, que abarca sobretudo em seu artigo 20 a possibilidade de políticas de redução de danos. O atual decreto revoga o antigo 4345/2002, que propunha ações alternativas às repressivas na estratégia nacional de controle de substâncias ilícitas.

E piora… no fim de maio o governo censurou uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, alegando não concordar com o resultado do estudo. Acontece que o 3º Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas pela População Brasileira custou 7 milhões de reais aos cofres públicos e não pôde ser divulgado pois a conclusão foi de que a tese defendida por Terra, de que há uma “epidemia de drogas no Brasil”, não é verdadeira.

Enquanto 39kg de cocaína foram encontrados no avião da presidência, a cúpula do governo age ferrenhamente contra “traficantes”. Em junho Bolsonaro e Moro assinaram uma Medida Provisória com o intuito de facilitar a venda de bens apreendidos em poder do tráfico. Além disso, autoriza a contratação temporária de profissionais capacitados para projetos de construções de novos presídios.

Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou uma proposta que extingue a figura do “tráfico privilegiado”, também prevista na Lei Antidrogas 11343/06. Anteriormente, quem era preso com drogas, mas não tinha vínculo com organizações criminosas e fosse réu primário, poderia receber diminuição de pena, conforme sentença do juiz. A nova medida acaba com isso, deixando qualquer brasileiro pego com droga passível de condenação a crime hediondo, mesmo se ele não ferir absolutamente ninguém e só portar alguma quantidade de substância ilícita.

Por fim, no dia 22 de julho, saiu no Diário Oficial da União a aprovação do decreto 9926, assinado por Bolsonaro. A medida diminui de 31 para 14 o número de membros do Conad. Basicamente, a opinião da sociedade civil foi excluída. Perderam assento no Conselho Nacional de Drogas representantes da OAB, dos Conselhos Federais de Medicina, Psicologia, Serviço Social, Enfermagem e Educação. Ficaram de fora também os nomeados através da União dos Estudantes e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Afinal, para que, né?

Nessa dinâmica, das 14 vagas destinadas a debater as políticas de drogas no Brasil, 12 serão de membros ligados aos ministérios. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro é agora o presidente do Conad e Osmar Terra ganhou espaço por lá. O decreto também prevê que é “vedada a divulgação de discussões em curso” pelo Conselho Nacional de Drogas “sem prévia anuência” dos ministros Moro e Terra. Preocupante é pouco. O golpe na política nacional de drogas está mais que dado.

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