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A violência não é culpa do usuário de maconha

O governador do Rio, Wilson Witzel, acusa usuários de drogas pela morte da menina Ágatha, de 8 anos

Ilustração: Dada Lo Emer
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Na madrugada do último sábado, dia 21, morreu uma criança de 8 anos de idade, baleada no Complexo do Alemão, na noite do dia anterior. Ágatha estava dentro de uma Kombi, indo para casa, e acabou atingida por um policial da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Essa manchete poderia não ter nada a ver com uma coluna sobre maconha, mas o atual governador do Rio de Janeiro acusa usuários de drogas pelo assassinato.

Wilson Witzel, eleito pelo PSC com apoio de Bolsonaro e mais de quatro milhões de votos, usou o Twitter para sentenciar o culpado pelo crime. “Aqueles que usam substâncias entorpecentes de forma recreativa, façam uma reflexão. Vocês são responsáveis pela morte da menina Ágatha: vocês que usam maconha e cocaína e dão dinheiro para genocidas”, tuitou no dia 23 de setembro.

E ele não foi o único. O humorista Marvio Lucio, conhecido como Carioca, também alfinetou os usuários: “Só de olho na lacração fazendo campanha contra a violência no Rio… Desculpa, mas tem muitos ali que todos sabem que gostam muito de farinha e da erva… Alimentam o mecanismo e querem bancar a paz? Hipócritas!”, declarou no Twitter.

Parece que nessa hora não importa a comoção e a tragédia cometida pela política de “guerra às drogas”. Na busca por culpados, fica fácil mirar o alvo diretamente para a classe já marginalizada de usuários de drogas ilícitas. Mas será que a culpa é mesmo… minha? Se for comprovado que a morte foi causada por um erro da polícia, então a culpa passa a ser de todos nós, financiadores, através de imposto, dessa política insana de extermínio da classe pobre?

Buscar culpados não vai amenizar a dor da família que perdeu um ente de apenas 8 anos. Colocar a culpa nos maconheiros não vai salvar a vida de outras mortes que podem (e infelizmente vão) decorrer dessa prática. Policiais, traficantes e inocentes estão sob a mira de fuzis de alto calibre. Se todos os usuários de drogas simplesmente, da noite para o dia, deixassem de usar drogas, as armas não sumiriam. Analisando em retrospecto, no entanto, percebe-se que, em locais onde a droga foi menos reprimida, houve diminuição do caos com tráfico armado.

A violência não advém do tráfico e sim da desigualdade social. O crime ser fortalecido pelo comércio ilegal de drogas é culpa da proibição. A maconha é uma planta. Seus usuários a utilizam, muitas das vezes, por finalidade médica. Visto como dependente ou como alguém que necessita de uso medicamentoso, de qualquer forma o usuário é uma questão de saúde pública. Mas eles não pensam que o usuário é um doente, pois nesse caso, acredito, não lhe jogariam culpa. Eles julgam os usuários como vagabundos, feito criminosos.

Fumar maconha só é crime por causa de uma lei absurda. No Brasil a origem da proibição é relacionada ao racismo, como já explicamos por aqui. Culpar o usuário por uma tragédia como essas representa mais um capítulo de ódio contra a maconha.

Outro episódio que ilustra essa saga aconteceu no começo desse mês. Em coletiva à imprensa, um manifestante chamou Witzel de “fascista” e, em resposta, o governador o chamou de… maconheiro. “Olha o maconheiro aí, que tá gritando. Não tem espaço para você não, maconheiro. Aqui você não vai fumar maconha não, parceiro. Vai fumar maconha não. Aqui é ordem. Aqui nós vamos prezar pela ordem. Aqui você não vai fumar maconha, acabou essa brincadeira. Vai fumar maconha em outro lugar”, disse Witzel, interrompendo o discurso.

Um ídolo inconteste da cultura da maconha é Bob Marley. O músico é reconhecido mundialmente por embalar hits de “paz e amor”. O maconheiro, no geral, não quer guerra. Se possível, plantaria sua própria erva ou compraria no mercado legalizado. Culpar o usuário é o caminho mais simples para justificar uma ineficiência que não é desse governo, mas sim transpassa décadas da mesma política baseada em enfrentamento.

A culpa é de quem?

Música clássica do Planet Hemp, Marcelo D2 levantou essa questão no álbum “Usuário” de 1995! A música parece atual, sobretudo porque na última estrofe diz: “crianças morrem por sua culpa e eu ilegal / tenho que me esconder por uma coisa natural”, e todos sabem de quem é a culpa.

O Estado tem o dever de zelar pela vida de todos os cidadãos, sejam eles usuários ou não de drogas. Enquanto o Estado não se responsabilizar pelo problema, se afasta da solução. Legalizar o uso da maconha é mais fácil do que erradicar seu uso milenar. Quando o Estado resolve aumentar os investimentos em repressão e combate, sabendo que a área de conflito envolve famílias e crianças, a ação policial assume o risco de matar. E depois que mata, de que adianta culpar quem quer que seja?

Maconheiros são pais e mães de família, filhos e filhas, jovens ou coroas. Jornalistas, advogados, assessores, médicos, professores, bancários… No Brasil calcula-se que existam cerca de oito milhões de usuários da erva. Ameaçar e reprimir essas pessoas é mais uma violência do Estado. Um dia, se houver planeta para o pós-conservadorismo reinante, os governantes pedirão desculpas, em nome da Pátria, por essa perseguição indevida ao “maconheiro”.

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