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Piracicaba cria rota que conta história da presença negra na cidade

Marcos da época da escravidão, personalidades importantes e patrimônios imateriais como samba de lenço fazem parte do tour

Foto: Henrique Carrara
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A rota negra que Piracicaba, a cerca de 150 quilômetros de São Paulo, acaba de ganhar ressalta a importância da história da população negra na cidade. O tour percorre oito pontos, ressignificando territórios negros históricos, que foram espaços e lugares de resistência utilizados para torturas, moradias, exercícios de pessoas escravizadas e que nos dias atuais têm outros significados. Os personagens como o Dr. Preto, André Ferreira Santos (1881-1942), que atendeu inúmeros pacientes da cidade na primeira metade do século 20, também são ressaltados, assim como os patrimônios imateriais da cidade ligados à cultura negra, como é o caso do batuque de umbigada e do samba de lenço.

A cidade de cerca de 400 mil habitantes possui 40% da população se declarando de cor preta ou parda, e vive ciclos econômicos ligados ao açúcar e ao café. Apesar do número significativo de pessoas negras, a história dessa população foi sendo apagada. Entre os pontos resgatados no tour, está o Pelourinho, um poste onde os escravizados eram torturados e que indicava a emancipação política, o que ocorreu em 1822, quando Piracicaba passou ao status de vila.

O local onde era o Pelourinho não ganha referência na Praça José Bonifácio, instalada em 1872 e, hoje, a principal da cidade. Mas o coreto, que se avizinhava ao Pelourinho, recebe atualmente batalhas de MCs de rap. “O lugar que era de dor, de sofrimento, agora é de expressão de alegria”, afirma Adriano Antônio da Costa, técnico do Sesc Piracicaba, que promoveu a rota negra na cidade. A intenção, segundo Costa, é que os próprios negros pudessem ter voz. “Queríamos reforçar essas referências negras da cidade e mostrar essa identidade caipira que se mistura com a matriz africana por meio de diversas conexões”, diz.

Foto: Henrique Carrara

Outro marco da época da escravidão é a Forca, onde pessoas escravizadas eram mortas quando cometiam crimes considerados graves. O local hoje é a Praça Antônio de Pádua Dutra, no cruzamento das ruas Armando Sales com 15 de Novembro, onde também não há referências sobre o passado.

Na Santa Cruz, onde há um cruzeiro, na Rua Santa Cruz, na altura do número 900, havia grande concentração de pessoas negras no século XIX e início do século 20. Os festejos em comemoração a abolição da escravatura, o batuque de umbigada e outras festas em referência à cultura negra ocorriam no local. O Teatro São Pedro, construído em 1922 e que sustenta o charme da época, abrigou bailes blacks ao longo de sua existência. Já a Igreja de São Benedito, na Rua do Rosário, 808, foi construída pela irmandade dos homens pretos e mudou de nome de Nossa Senhora do Rosário para São Benedito por volta de 1889, mas ainda abriga missas afros ao longo do ano.

Nos arredores da cidade ficava o Quilombo de Corumbatahí (1750 a 1804), onde atualmente há um parque com o mesmo nome. A cidade que recebeu os primeiros escravos na época de 1730, abrigou também vários centros de resistência. O cemitério dos escravos ficava onde hoje está a Escola Estadual Moraes Barros, na Rua Alferes José Caetano, 600. No Cemitério da Saudade, construído em 1860, o túmulo de Gertrudes (1827-1872), uma escravizada que foi a primeira enterrada no local, se tornou símbolo da conquista das pessoas negras podendo ser sepultadas no mesmo lugar que os brancos. A cidade abriga ainda a primeira ponte de concreto armado do Brasil, construída em 1875 pelos irmãos André e José Rebouças, engenheiros negros que também atuaram em São Paulo.

Foto: Henrique Carrara

Cultura negra

Já a Vila África/Vila Independência é um conjunto de casas onde vivem famílias negras desde 1950. O Sítio São Pedro, da Família Soledade, é outro marco da resistência negra na cidade. A família negra habita o local desde o começo do século 20 e que a partir de 1915 passa a ser palco do Batuque de Umbigada. A famosa festa de São João realizada por lá acontece há mais de 100 anos e reúne centenas de pessoas, vindas inclusive de outras regiões. Outro ponto cultural é a Casa do Hip Hop, que funciona no Centro Cultural da Paulicéia, que promove atividades comunitárias e ações na periferia de Piracicaba. O Parque da Rua do Porto e Largo dos Pescadores, por sua vez, recebem ensaios do grupo de maracatu “Baque Caipira”, além rodas de capoeira e atividades ligadas à cultura negra.

A Sociedade Beneficente 13 de Maio, fundada em 1901, tinha como objetivo proporcionar mecanismos de ajuda e apoio ao lazer da população negra, semelhante ao que outras entidades promoviam com portugueses, italianos e espanhóis. Até hoje é ponto de encontro da cultura negra e fica localizada na Rua 13 de maio, 1118.

Foto: Henrique Carrara

Já o Centro de Documentação, Cultura e Política Negra, criado em 1992, instalado no Parque do Engenho Central, área que abrigou uma usina de açúcar no passado, abriga documentos e ajuda na preservação da cultura negra da cidade, além de atuar no combate ao racismo. Mas o próprio órgão já sofreu boicotes e chegou a mudar de sede.

O percurso foi conduzido por Noedi Monteiro, historiador e pesquisador, e Antonio Filogênio, filósofo, e reuniu cerca de 60 pessoas no último domingo (26). A Rota Negra contou ainda com a presença dos integrantes do Coletivo Cartografia Negra e da Black Bird, que desenvolvem roteiros sobre a história negra em São Paulo, e que falaram sobre seus trabalhos. O próximo tour está previsto para o mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra.

*O repórter viajou a convite do Sesc Piracicaba

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