Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
Uma crise no comércio exterior?
Com a eventual vitória de Bolsonaro, podemos ter problemas onde há anos nadamos de braçada
Na edição do jornal Valor Econômico de 17 de outubro, uma reportagem com Fábio Schvartsman, presidente da Vale, deveria chamar a atenção para o nó que pode estar se desenhando para a inserção internacional do Brasil com uma eventual vitória do candidato Jair Bolsonaro. Diz um dos parágrafos:
“O presidente da Vale fez as afirmações ao ser perguntado por jornalistas sobre efeitos para a mineradora de atritos que possam surgir na relação Brasil-China em um eventual governo Bolsonaro. O candidato do PSL à Presidência da República tem feito críticas à presença dos chineses no setor elétrico brasileiro. Em entrevista à TV Bandeirantes, na semana passada, Bolsonaro disse: “A China está comprando o Brasil. Você vai deixar nossa energia na mão do chinês?” Schvartsman disse ter a expectativa que o presidente eleito receba muitas informações sobre o estado da relação entre Brasil e China, sobre a importância dessa relação e sobre a complementariedade existente entre as duas economias. A China é o maior mercado da Vale, e respondeu, no segundo trimestre, por 38% da receita operacional da mineradora.”
De um lado, vem anunciado pelo próprio candidato e sua equipe medidas ao agrado do agronegócio e dos setores militares que pensam a infraestrutura sem pensar nas questões socioambientais, como a limitação dos direitos indígenas, quilombolas e outros, a flexibilização do combate ao trabalho escravo, a flexibilização das restrições ao uso de defensivos e agrotóxicos, o retorno da jagunçada armada contra os trabalhadores rurais sem-terra, o retorno aos grandes reservatórios de água nas futuras usinas hidrelétricas na Amazônia, ou a saída dos acordos climáticos.
Na área urbana, o aprofundamento da flexibilização trabalhista (“carteira de trabalho verde e amarela”), a política antisindicatos e a repressão aos movimentos sociais também são anunciados.
Do ponto de vista pura e simplesmente do comércio internacional (poder-se-ia abordar essa lista de questões por várias outras perspectivas, algumas das quais provavelmente muito mais ricas que as do comércio internacional), isso daria margem a, nesta área altamente competitiva e conflagrada, que vários dos países concorrentes do Brasil começassem a denunciar violações ambientais, sociais e trabalhistas por parte do Brasil para restringir o comércio de produtos brasileiros. Em especial países europeus, Canadá e Japão, com populações altamente sensíveis a essas questões.
Leia também:
Sobre o Banco dos BRICS, ao apagar das luzes do governo Temer
As tendências e mentiras de Temer em sua despedida na ONU
Sobraria parcialmente ao Brasil estreitar seu comércio com países que costumam fazer “vista grossa”, total ou em parte, a essas questões, como é o caso dos países do Oriente Médio ou a China (essa última, o maior parceiro comercial do Brasil).
Bom, para os primeiros, os países árabes do Oriente Médio, um eventual novo governo Bolsonaro propõe o translado da Embaixada Brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, e o rompimento das relações diplomáticas com o Estado da Palestina, provocando o levantamento de ameaças de retaliações comerciais por parte mesmo dos mais moderados parceiros no mundo árabe (grande importador de carnes de boi e frango, e de açúcar, entre outros produtos de alimentação).
Para a China, além das declarações questionando a expansão dos investimentos chineses na área de energia elétrica, o candidato Bolsonaro fez também uma estabanada visita a Taiwan, ilha considerada pela China não um país, mas uma “província rebelde” desde a consolidação da Revolução Chinesa, em 1949.
E novas ameaças veladas de retaliações comerciais por parte dos chineses, grandes importadores de aviões, soja e ferro, entre outros produtos, e com quem o Brasil tem expressivo saldo na balança comercial. Ou seja, posicionamentos políticos e/ou ideológicos do candidato podem fechar oportunidades de negócios com árabes e chineses.
Agronegócio e mineração, entre os setores econômicos internos, seriam dos mais atingidos, sendo que ao menos um desses (agronegócio) apoia abertamente o candidato. É possível que a verdade não esteja sendo dita claramente, e alguém esteja sendo, no fundo, enganado nesta história. Mas aparentemente, problemas estão claramente sinalizados no front do comércio externo, pela candidatura Bolsonaro.
Talvez venhamos a ter problemas onde há anos nadamos de braçada (comércio externo, balança comercial), e talvez setores que foram grandes ganhadores nos últimos 20 anos pelo menos possam ter que enfrentar problemas complexos. Para a eventualidade de um governo Bolsonaro, é melhor já ir se acostumando com o problema.
*Economista, assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.