Fashion Revolution

Por que transparência importa para a indústria da moda?

Transparência sozinha não representa a mudança que deveria acontecer na indústria, mas ajuda a revelar suas estruturas

Imagem: Morning Brew / Unsplash Imagem: Morning Brew / Unsplash
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Por Eloisa Artuso*

Estamos perto do lançamento da terceira edição do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) com a análise da divulgação pública de dados sobre políticas, práticas e impactos sociais e ambientais de 40 das maiores marcas e varejistas presentes no mercado brasileiro. O Fashion Revolution vem trabalhando, ao longo dos últimos 7 anos, pela reforma sistêmica da indústria da moda com foco na transparência, mas ainda assim parece faltar clareza por parte de muitas empresas e profissionais do setor sobre a importância da transparência e seu verdadeiro papel no processo de transformação da indústria da moda.

É sempre importante lembrar que transparência é o início e não um fim, ou seja, é o primeiro passo de uma jornada que leva à responsabilização e prestação de contas que, por sua vez, levam a mudanças na prática. A transparência sozinha não representa o tipo de mudança sistêmica e estrutural que deveria acontecer na indústria da moda, mas ela ajuda a revelar suas estruturas para que, então, possam ser mudadas.

Transparência não significa sustentabilidade, mas um importante instrumento que joga luz ao longo de todas as etapas da cadeia de valor da indústria da moda – desde a extração da matéria-prima até o descarte. Somente trazendo à tona os desafios e problemas sociais e ambientais presentes nos bastidores da indústria, será possível agir de forma eficaz em prol dos direitos humanos e da natureza. Não há como responsabilizar empresas e governos se não pudermos ver o que realmente está acontecendo. E por isso transparência é fundamental.

Por exemplo, a divulgação de listas de fornecedores é essencial para o exercício dos direitos humanos, assim como um passo necessário em direção à responsabilização no caso de violações desses direitos. A transparência na cadeia de fornecimento permite que os trabalhadores, seus sindicatos e outros defensores dos direitos trabalhistas saibam para quais marcas os trabalhadores estão produzindo, dando a eles a oportunidade de levantar queixas diretamente a essas empresas.

Organizações trabalhistas ao redor do mundo têm usado listas de fornecedores para identificar e remediar más condições de trabalho nas cadeias de fornecimento de grandes marcas. Além disso, como consumidores, temos o direito de saber que o nosso dinheiro não está apoiando abusos de direitos humanos ou a destruição ambiental.

Outro ponto importante a considerar quando falamos sobre transparência e, em especial, sobre o índice, é o fato de focarmos a análise em grandes marcas e varejistas. O que não torna o relatório um guia de compras, de investimento, e muito menos enfatiza somente as boas práticas dessas empresas – até porque a transparência revela tanto os bons procedimentos quanto os problemas encontrados ao longo das cadeias produtivas.

Sabemos que o modelo atual de produção e consumo em grande escala certamente não é benéfico para o meio ambiente nem para o grande número de pessoas que trabalha, muitas vezes, por salários extremamente baixos e em condições precárias para abastecer as demandas de um mercado veloz. De muitas maneiras, as grandes empresas da indústria da moda, do Brasil e do mundo, tiveram – e têm – um papel importante na aceleração da crise climática e são responsáveis por muitos dos abusos dos direitos humanos que persistem nas cadeias de fornecimento globais.

Mas isso pode – e deve – mudar, e essas marcas e varejistas têm um papel importante a desempenhar tendo em vista que de onde surgem os grandes impactos também podem vir as grandes soluções. Elas têm a responsabilidade diretamente proporcional ao seu tamanho, alcance e impactos sociais e ambientais que são capazes de causar, ao passo que possuem a capacidade e os recursos necessários para gerar mudanças benéficas, em escala nacional e/ou global, tanto para as pessoas como para a natureza. Tais condições colocam essas empresas em uma posição realmente poderosa e, portanto, é para elas que precisamos olhar.

Ferramentas com o ITMB podem ser bastante úteis para incentivar maior transparência na cadeia produtiva da moda ao mesmo tempo que abrem diálogos com grandes marcas e varejistas do país. Levar o debate sobre transparência para dentro dessas empresas é o primeiro passo para que elas comecem a prestar contas publicamente sobre suas políticas, compromissos e impactos socioambientais.

A análise do ITMB 2020 abarca 221 indicadores que cobrem uma ampla gama de tópicos relacionados a questões sociais e ambientais, como condições de trabalho, trabalho forçado, salário justo para viver, liberdade de associação, igualdade de gênero, igualdade racial, listas de fornecedores, devida diligência (due diligence), práticas de compra, bem-estar animal, biodiversidade, uso de químicos, emissões de GEE (gases de efeito estufa), descarte de resíduos têxteis, reciclagem e circularidade, entre outros. Esses temas estão distribuídos em 5 seções: Políticas e Compromissos; Governança; Rastreabilidade; Conhecer, Comunicar e Resolver; e Tópicos em Destaque.

Pretendemos continuar usando o Índice como uma ferramenta para medir o progresso anual do nível de transparência das empresas participantes para encorajá-las, cada vez mais, a assumir maior responsabilidade e prestar contas de suas condutas. Com o índice, não esperamos esgotar todas as possibilidades em relação à transparência, mas incentivar maior divulgação pública de informações e revelar dados e padrões de comportamento de algumas das maiores marcas que operam no Brasil e no mundo, como no caso da análise desenvolvida pelo Fashion Revolution global.

Esperamos também que outras organizações, sindicatos e trabalhadores usem cada vez mais esses e outros dados disponíveis publicamente para levantar questões e reivindicar melhorias em toda a cadeia. Assim, coletivamente, poderemos responsabilizar as marcas e varejistas por suas condutas e avançar na necessária transformação desse importante setor.

Para acompanhar o lançamento do Índice de Transparência da Moda Brasil 2020 ao vivo, se inscreva pelo e-mail: [email protected]

*Eloisa Artuso é designer, diretora educacional do Fashion Revolution Brasil e professora de Design Sustentável do IED-SP. Com um trabalho que se encontra na intersecção entre sustentabilidade, design e educação, se dedica a projetos que incentivam profundas transformações na moda. Siga @eloartuso

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