Fashion Revolution

A urgência da igualdade racial e da diversidade na indústria da moda

O Comitê Racial e de Diversidade Fashion Revolution Brasil criou a hashtag #aCorDeQuemFezMinhasRoupas, um convite ao questionamento sobre as implicações do racismo

Foto: Marcello Casal Jr/Agência BrasiL
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Em nossa jornada antirracista, compreendemos a necessidade de articular ações e grupos direcionados  para a pauta e agenda racial na moda. Surgiu então, em novembro de 2020, o Comitê Racial, composto por pessoas negras de nossa rede de norte a sul do Brasil.

O Comitê nasce como um fórum consultivo visando a transversalização da equidade racial nas práticas da organização e, atualmente, está engajando outros formatos de atuação que se estruturam em torno de espaços de estudo, ações de relacionamento e fortalecimento das capacidades dos envolvidos com o intuito de impactar nas articulações e nos projetos promovidos pelo instituto ao longo do ano.

Algumas das ações incluem campanhas internas que envolvem a equipe núcleo, representantes, docentes embaixadores, estudantes embaixadores, marcas e demais parceiros com o propósito de aumentar nosso envolvimento na agenda antirracista para promover relações étnico-raciais saudáveis.

Diante da realidade da indústria da moda, que apresenta baixo nível de presença, pertencimento e emancipação financeira nos espaços de atuação de profissionais racializados e de grupos minorizados no mercado de moda brasileira, ampliamos nosso escopo e abraçamos, além de negros, indígenas e não brancos, pessoas lgbtqiap+, com deficiência entre outros grupos.

Próximo de completar dois anos de existência, o comitê passa a se chamar Comitê Racial e de Diversidade Fashion Revolution Brasil, que, sob a regência da coordenadora Paloma Gervasio Botelho, “está sendo construído e fundamentado no princípio da circularidade, uma ideia de evolução de origem afro-indígena, onde assim como a figura geométrica o começo e o fim se encontram. Uma concepção cíclica, não-linear, que promove a interação entre os sujeitos participantes valorizando a capacidade individual de cada um, para assim fluir a pluralidade cultural e estimular todes participantes a se sentirem parte fundamental desta evolução”.

Porque precisamos perguntar A Cor de Quem Fez Minhas Roupas?

Dentre as ações do Comitê Racial do Fashion Revolution, está a criação da hashtag #aCorDeQuemFezMinhasRoupas, um convite ao questionamento para compreender as implicações do racismo dentro do universo da moda, identificar as demandas dos profissionais da indústria da moda, e enfrentar o debate sobre moda & racismo com empenho e urgência.

A proposta da hashtag é exigir que as empresas assumam uma postura adequada com foco na promoção de equidade e igualdade racial entre seus funcionários, promovendo uma cultura interna que favoreça a diversidade, a participação e pertencimento de trabalhadores negros, negras, indígenas e não brancos em cargos executivos e de gerências junto a promoção de oportunidades de crescimento e evolução para esses profissionais.

Para ilustrar a urgência, a importância e a inegociabilidade da hashtag #aCorDeQuemFezMinhasRoupas, os integrantes do Comitê baseados em suas vivências pessoais, profissionais e sociais e também pautados em dados de pesquisas responderam: ‘Por que precisamos perguntar A Cor de Quem Fez Minhas Roupas?’.

As mensagens a seguir fazem parte da nossa campanha homônima à hashtag, lançada neste mês de julho como parte da programação em comemoração ao mês das pretas, em especial o 25 de julho, dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra e dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

“É importante perguntar a cor de que fez minhas roupas porque a moda não se resume ao que a gente vê nas passarelas, vitrines e capas de revista. Por trás de cada peça de roupa vendida há muito trabalho e muito lucro. Quem fica com os trabalhos pior remunerados e menos protegidos e quem fica com os lucros? Usar pessoas negras na publicidade sem discutir isso é brincar com a pauta da diversidade, é lucrar com a pauta antirracista. Queremos o talento das pessoas pretas em cada posto do trabalho de moda.” Ana Fernanda, jornalista e consultora de estilo | @justamoda.org.br

“É importante perguntar a cor de quem fez minhas roupas porque é importante racializar todas as questões da nossa sociedade, já que ela foi construída e pautada no racismo. Então assim como a gente pergunta quem fez minhas roupas, a gente precisa racializar essa questão e perguntar a cor de quem fez minhas roupas.” Julia Teodoro, community manager | @ajuliateodoro

“A importância da #aCorDeQuemFezMinhaRoupas é para trazer visibilidade, é para trazer igualdade, é para trazer conhecimento.” Manuela Vaz Rocha, consultora de estilo | @manuelavazrocha

“A base da indústria da moda é constituída em sua maioria por pessoas racializadas. É importante que a gente construa um ambiente de fortalecimento com novas formas de equivalência racial onde todos possam ter a oportunidade de permear todos os espaços da moda em cargos de liderança, criativos e de inovação.” Nathália de Mattos, designer de moda | @natdmattos

“Perguntar a cor de quem fez minhas roupas se torna necessário quando vivenciamos uma indústria desigual. Você sabia que em média um CEO da indústria da moda recebe em quatro dias de trabalho o mesmo valor que uma trabalhadora de Bangladesh recebe a sua vida inteira? Pois bem, pergunte a cor de quem fez suas roupas, descubra e questione.” Taya Nicaccio, jornalista | @tayanicaccio

“Questionar a cor de quem fez minhas roupas vai além, está ligado com a nossa estrutura, com a nossa dinâmica social e também nos liga ao racismo e de que forma nós queremos nos colocar como antirracistas para podermos assim transformar a nossa realidade.” Matheus Solem, estudante de moda | @matheussolem

“As pessoas racializadas neste país são invisíveis e saber onde elas estão, que função desempenham e como atuam dentro da indústria, tiram-a debaixo de um véu de invisibilidade, nos faz encarar uma realidade com o objetivo de transformá-la e supervisionar operações e desenvolver plano  de carreira.” Rafael Silvério, designer de moda e diretor criativo | @silveriogram

Porque precisamos falar sobre igualdade racial na indústria da moda?

A população negra corresponde a mais da metade dos brasileiros (56%), mas é a menos contratada para cargos de liderança e, quando ocupa tais posições, recebe salários menores.

Relatório do Índice de Transparência da Moda, coordenado pelo Instituto Fashion Revolution, analisa 50 grandes varejistas em relação a suas práticas de relacionamento com fornecedores da cadeia de moda, ações para diminuir impactos socioambientais e estratégias de inclusão e diversidade:  

  • 54% publicam uma política de combate à discriminação para seus funcionários.
  • 24% publicam ações de  promoção de igualdade racial entre seus funcionários.
  • 06% divulgam programas de desenvolvimento de carreira e de oportunidades para o crescimento dos funcionários negros.
  • 12% publicam a distribuição de cor ou raça, por cargo, de seus funcionários.

Um levantamento feito entre janeiro e junho de 2020 no estado de São Paulo mostrou que somente 15% das admissões para cargos de liderança foram de profissionais negros, e que a média salarial dos contratados foi 26% inferior do que o valor pago para profissionais brancos.

Estudos demonstram que empresas que adotam a diversidade como valor e prática têm diversas vantagens competitivas, como uma melhor retenção de talentos, maior estímulo à inovação, melhor colaboração entre funcionários, além da criação de um ambiente mais saudável e de confiança. Além disso, as marcas com diversidade étnico-racial são 36% mais propensas a obter lucros.

Por fim, convidamos você, leitora e leitor diante da sua vivência a fazer uma reflexão: Qual é o nível de pertencimento nos espaços de atuação de profissionais racializados e profissionais de grupos minorizados no mercado de moda brasileira? Quais são os caminhos a percorrer para uma organização fomentar o desenvolvimento social, sustentável e a emancipação financeira individual e coletiva de profissionais racializados e profissionais de grupos minorizados no mercado de moda brasileira?

“A questão econômica não é o grande drama, percebe? Apesar de ser um grande drama, não é… [o principal]. O grande drama é justamente o reconhecimento da pessoa, do homem [da mulher] negro [negra] que nunca foi reconhecido [reconhecida] no Brasil.” Beatriz Nascimento, historiadora.¹

1 Trecho do livro ‘Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento” de Alex Ratts. Essa fala faz parte do documentário “Ôrí”, lançado nos cinemas em 1989, documenta os Movimentos Negros brasileiros entre 1977 e 1988, passando pela relação entre Brasil e África, tendo o quilombo como ideia central de um contínuo histórico e apresentando como fio condutor a história pessoal de Beatriz Nascimento, historiadora e militante, falecida em 1995.

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