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Uma reflexão sobre os problemas dos fundamentalismos

O fundamentalismo existe porque não conhecemos uns aos outros verdadeiramente e temos medo

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Ao pôr este título, parei e pensei um pouco: o tema é extremamente vasto para se tratar em um blog. Certamente, este assunto precisa ser estudado em uma larga escala de pesquisas. Já existem estudos sociológicos em torno, porém, nós, os religiosos, ainda não sentimos necessidade desta abordagem. Acredito que aqui possamos fazer um pequeno panorama para abrir uma janela a outros vastíssimos estudos a respeito.

No dia 21 de abril, em pleno domingo de Páscoa, o mundo acordou com as notícias de uma série de ataques a bomba durante a Vigília Pascal, em 8 diferentes lugares do Sri Lanka. Estes ataques deixaram mais de 350 mortos e mais de 500 feridos. O governo revelou que o crime foi perpetrado por grupos chamados “jihadistas”. Dois dias depois, as agências de notícias notificaram que o chamado Estado (não) Islâmico, que na Síria foi “extinto”, assumiu a autoria dos ataques. Ainda no mesmo dia que o governo de Sri Lanka fez esta revelação, um amigo muito próximo me enviou um vídeo em que um homem barbudo vestido de branco fazia um tipo de sermão, em frente a uma parede branca suja de sangue (ou pintada na cor de sangue) e com desenho de uma faca. Este supostamente estaria declarando a morte para os “infiéis”. Digo supostamente, pois, não havia legenda no vídeo. Realmente a cena e a força da expressão aparentavam um discurso destes. Mas ficou uma dúvida na minha mente: por que uma pessoa quereria a morte de gente de uma religião diferente alegando a infidelidade destes?

 

Em 1911, o erudito curdo Saîd Nursî, em um sermão que proferiu na Mesquita de Umayya em Damasco, apontou a três doenças sociais de nossa época: ignorância, miséria e segregação. Acredito que, e assim aponta ele também, a primeira seja o motivo de outras. Esta análise de Nursî é, claro, dirigida ao mundo islâmico. Porém, hoje observamos e constatamos amplamente que principalmente a ignorância é um problema do ser homem na atualidade: a ignorância, isto é, o desconhecimento do outro, traz consigo a segregação e a miséria.

Um dos fundadores da sociologia, Max Weber alega que nunca será possível alcançar a absoluta verdade, mas sim, ter o modelo dela. Sendo um pouco no viés desta afirmação é que vemos o ser humano, no passar do tempo, refugiar-se às religiões e ideologias filosóficas e políticas. Cada uma destas religiões e/ou ideologias tentou suprir as necessidades do ser humano. Porém, todas elas puderam enxergar a uma parcela daquilo que realmente satisfá-lo-ia. Neste ponto, cada homem alegou que a sua verdade era a absoluta e as outras eram ilegítimas e inválidas. Assim, a história foi, e ainda é, a testemunha de vários fanatismos religioso, político, ideológico e até filosófico. Tais fundamentalismos afastaram os seres humanos um do outro.

Em um livro conjunto, os sociólogos Peter Berger e Anton Zijderveld abordam o tema de fanatismo. Na realidade, o foco do estudo é como não ser fanático tendo a sua “verdade”. Neste livro, já traduzido para o português, eles fazem menção ao fato de o ser humano ter-se afastado um do outro por causa de ideias ou ideologias. A constatação deles é muito profunda e, a meu ver, verdadeira: o ser humano que não conhece o outro teme ter dúvidas, caso conheça o outro. A dúvida é uma coisa castigadora. Ela mexe com a mente. E, por medo de constatar “a invalidade de sua verdade”, o ser humano não quer duvidar e não quer conhecer o outro. Pois, a verdade dele precisa continuar absoluta. E enquanto a minha é absoluta, a dos outros não tem direito à vida. Este é o ponto mais crucial que Nursî quis mostrar.

Quero terminar com uma frase que aprendi com um amigo judeu: “quem conhece ama, quem não conhece teme.” O fundamentalismo existe porque não conhecemos uns aos outros verdadeiramente e temos medo. Por isso destruímos o outro, o templo do outro, a casa do outro, antes que “ele me destrua”. Isso é que nós vimos nos ataques no Sri Lanka e nos ataques na Nova Zelândia.

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