Diálogos da Fé

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O legado da educação protestante está em ruínas

A cada mês, desde que assumiu seu cargo em julho de 2020, Milton Ribeiro tem desmontado ainda mais o Ministério da Educação

Ministro da Educação, Milton Ribeiro (Foto: Isac Nóbrega/PR)
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Anos atrás, eu concluí o Bacharelado em Teologia, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que faz parte do grupo protestante histórico Igreja Presbiteriana do Brasil. Fazer Teologia no Mackenzie me possibilitou muitas coisas, mesmo que sua grade curricular não contenha a pluralidade da Teologia atual. Uma dessas coisas que a Graduação lá me proporcionou foi o aprofundamento do Protestantismo e da Teologia Reformada dita clássica, e os legados da Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, para a construção das concepções de sociedade, liberdade, de direitos humanos, laicidade e educação.

O Protestantismo surge a partir das propostas de reforma da Igreja Católica Apostólica Romana, por Martinho Lutero, com seu estopim em 1517, por meio das 95 teses nas portas da Catedral de Wittenberg, Alemanha. Um dos aspectos mais conhecidos da Reforma Protestante foi a questão das vendas de indulgências (a venda do perdão dos pecados, salvação), por isso um dos pontos centrais do protestantismo até hoje é a salvação pela Graça – ou seja, não há nada a ser feito, apenas a misericórdia de Deus. No entanto, a Reforma Protestante não para por aí, ela também teve críticas à centralidade do papismo da época, rompendo com a tutela eclesiástica e dispondo aos cristãos e cristãs a leitura bíblica traduzida em línguas locais, a princípio alemão.

 

A difusão e tradução da Bíblia foi um marco para a inclusão social, cultura e educação dos povos europeus. O que antes era destinado apenas a uma elite intelectual clerical, agora passa a ser do povo! A leitura e interpretação dos textos bíblicos passa a ser um foco do Protestantismo, conhecido com a expressão tardia Sola Scriptura (somente a Escritura). Então, a educação se torna um tema importante para Lutero e outros reformadores, que tinham também o objetivo teológico, mas indo além dele, fomentando escolas e universidades, criando cursos de Direito, Medicina e Filosofia, como foi o caso da primeira universidade protestante Phillipps-Universität Marburg. Tratando-se da própria Universidade Presbiteriana Mackenzie e seus fundadores, os protestantes norte-americanos Rev. George Chamberlain e sua esposa, a pedagoga Mary Chamberlain, se estabeleceram em São Paulo em 1870 com o objetivo de criar uma escola para crianças, independente da classe social e raça.

Em tempos de pandemia, um abismo se abre ainda mais nas injustiças sociais enfrentadas no Brasil, principalmente na questão da educação. Pelo governo de Jair Bolsonaro já passaram quatro ministros da Educação e a coisa em comum entre esses é que nenhum tinha arcabouço necessário para a pasta – como tudo nesse desgoverno. E a indicação e presença de Milton Ribeiro, pastor presbiteriano e ex-vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não seria diferente. Ribeiro parece se esquecer do legado protestante que investiu, desde sempre no Brasil, na educação.

O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social publica mensalmente um resumo das principais notícias do mundo evangélico. Nele é identificado que, a cada mês, desde que assumiu seu cargo em julho de 2020, Milton Ribeiro tem desmontado ainda mais o Ministério da Educação. Nos últimos meses o MEC, na figura de Milton Ribeiro, desarticulou o grupo responsável por atualizar os dados do IDEP – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – transferindo a tarefa para a secretaria-executiva do ministério, uma instância política. Tomou a decisão de adiar o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que a cada dois anos testa os conhecimentos de Matemática e Português de alunos da 5ª e 9ª séries do fundamental e do 3º ano do ensino médio. Após inúmeras críticas, o INEP se manifestou dizendo que uma das propostas para a aplicação é o adiamento do SA para 2022, por conta da pandemia. Em geral, Milton Ribeiro tem atuado a partir da visão que expressou recentemente: “A política do MEC [Ministério da Educação] deve vir e tem que vir em consonância com a visão educacional, do projeto, do senhor presidente da República”.

Um projeto de destruição do país.

Poderíamos dedicar o restante deste texto apenas listando as atrocidades ditas e feitas pelo atual ministro da Educação, basta nos atentarmos que o recurso de 1,2 bilhão de reais para investimento em infraestrutura em educação, até o dia 15 de julho, estava parado! Nenhum investimento! Ou apontar as falas LGBTQIA+fóbicas, por conta das quais ele foi condenado a pagar 200 mil reais por danos morais, ou, em sua última entrevista na TV Brasil: “a Universidade deve ser para poucos” e “alunos com deficiência atrapalham”.

Conheço muitos presbiterianos e presbiterianas comprometidos com o Reino de Deus, promovendo justiça, vida e igualdade. Muitos deles e delas foram meus professores e professoras do Mackenzie. Infelizmente, a representação de Milton Ribeiro no Ministério da Educação está longe de refletir o compromisso protestante com a educação e a promoção da vida em abundância refletida, vivida e pregada por Jesus Cristo.

Martinho Lutero, ao escrever uma carta aos prefeitos e conselheiros alemães escreve: “E de que adiantaria se possuíssemos e realizássemos tudo o mais, e nos tornássemos santos perfeitos, se negligenciássemos aquilo por que essencialmente vivemos, a saber, cuidar dos jovens? Em minha opinião não há nenhuma outra ofensa visível que, aos olhos de Deus, seja um fardo tão pesado para o mundo e mereça castigo tão duro quanto a negligência na educação das crianças” (citado por Ismael Forte Valentim, em “A Reforma Protestante e a educação”, 2010).

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