Diálogos da Fé

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“Jesus cura a homofobia”

Na contramão dos grupos religiosos que estimulam o preconceito, cresce o número de igrejas inclusivas

Representação de Jesus na Parada Gay de 2015 (Foto: Reuters)
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O STF retomou nesta quarta-feira 20 o julgamento de duas ações que pedem a criminalização da homofobia. Ao redigir este artigo ainda não conheço o resultado. Interessa aqui o processo de discussão deste tema tão relevante, uma vez que os altos e crescentes índices de agressões morais, físicas e assassinatos de pessoas LGBTX no País são alarmantes.

Lideranças e grupos religiosos, católicos e evangélicos, têm promovido pressões intensas sobre o Congresso Nacional e, agora, sobre o STF para que a criminalização da homofobia não ocorra.

O forte tradicionalismo moral que marca a atuação das Bancadas Evangélica e Católica, que trouxeram para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos, reforça a pressão.

A condenação religiosa da homoafetividade é baseada em textos bíblicos selecionados de forma descontextualizada e instrumentalizada, com uma teologia construída para classificá-la como pecado (aquilo que contraria preceitos cristãos).

As transformações sociais, em tempos recentes, em todos os continentes, têm desafiado esta postura.

Os movimentos feministas, as novas compreensões sobre o corpo por parte da ciência (medicina e psicanálise), o fortalecimento dos movimentos homossexuais, a consolidação da noção de homoafetividade e a busca por direitos sexuais, têm promovido novas leituras bíblicas e teológicas.

No Brasil, as conquistas de direitos LGBTX, ainda que a passos lentos, têm acontecido por conta de políticas do governo federal nos anos 2000 e em ações no âmbito do Judiciário. Nestas quase duas décadas vários direitos foram concedidos garantindo a esta população um tratamento digno em várias questões fundamentais para a vida.

Leia também: Homofobia no Supremo: Celso de Mello alfineta Damares Alves

O problema é que essas conquistas têm incomodado defensores da cultura patriarcal. Incomoda o reconhecimento da homoafetividade como “algo normal” nas relações humanas e as transformações que a organização das famílias podem viver.

Estes grupos, entre eles religiosos, trabalham na oposição à concessão destes e de outros direitos, que classificam como “ditadura gay”. A oposição à criminalização da homofobia é parte deste contexto.

Celso de Mello, relator do caso no STF (Foto: ABr)

A homofobia não é simplesmente uma postura condenatória e que classifica a homoafetividade como pecado a ser evitado. É uma forma de intolerância que gera ações violentas, ao classificar homoafetivos como “raça maldita, degenerada, que deve ser exterminada ou oprimida e estigmatizada”, como afirmou em sessão do STF o advogado Paulo Lotti.

O combate aos direitos de ser e viver dos LGBTXs tem causado, em lideranças e políticos católicos e evangélicos, uma cegueira. Ao se opor à criminalização da homofobia, defendem o direito a odiar, a ponto de declarar que criminalizar a homofobia é “acabar com a liberdade de expressão e religiosa” (deputado Pastor Marco Feliciano).

É nestas bases que políticos religiosos têm conseguido inviabilizar a votação do Projeto de Lei 122/2006, que torna a homofobia crime.

Leia também: Supremo retoma julgamento hoje e homofobia deve ser criminalizada

Toda e qualquer discussão sobre este tema precisa trazer à tona o princípio do Estado laico que garante liberdade de crença. Constitucionalmente significa ter a liberdade de crer e de não crer numa dada religião e que a lei deve servir a todos com base nos princípios do estado de direito e não em princípios religiosos.

Estes devem ser garantidos, respeitados e cultivados no interior das agremiações de fé e, não, serem impostos a todos os cidadãos.

A classificação de práticas e costumes como pecado é parte do protocolo das crenças, mas não pode ser base para a condenação radical e aceitação da violência contra quem vive de forma diferente da pregação religiosa.

O que fere leis religiosas, mas não fere posturas básicas da convivência coletiva explicitadas em leis civis e penais não pode ser aplicado a quem não é religioso.

O que importa no universo religioso é reconhecer a homofobia e todas as formas de intolerância que geram violência como uma afronta aos preceitos da fé cristã, baseados na misericórdia, na paz, no amor incondicional, na inclusão.

A equação é simples: a) a homofobia é um pecado pois viola os preceitos cristãos; b) quem defende os preceitos cristãos condena a homofobia; c) quem não é homofóbico não precisa se preocupar com a criminalização da homofobia.

Por isso é crescente o número de lideranças, denominações e organizações cristãs que acompanham os avanços sociais e reconhecem LGBTs como integrantes com plenos direitos. Movimentos como o “Jesus Cura a Homofobia”, nascido com o pedido de perdão pelos erros que as igrejas cometem contra LGBTX, liderado pelo pastor José Barbosa Jr., e “Evangélicxs pela diversidade”, se espalham pelo País.

Ainda neste contexto emergem as chamadas “igrejas inclusivas”, voltadas para acolher a população LGBTX e suas famílias, quase todas lideradas por pastores e pastoras homoafetivas. Entre elas estão algumas comunidades da igrejas Anglicana e Batista, as Igrejas Cristã Metropolitana, em diversas cidades do Brasil, Chamados da Última Hora, em São Luís/MA, Igreja Cidade de Refúgio, em Londrina/PR.

O mundo vive transformações permanentes. Nem o ser humano e nem a família estão sob ameaça, estão sob mudança. O que está em jogo é a cidadania, a igualdade de direitos e, acima de tudo, o direito “à vida e à vida em abundância” (João 10.10)

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