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Há evangélicos que marcham para Jesus. Já outros, com Jesus

Existe uma parte dos evangélicos cuja fé já não compactua com as ênfases mercadológicas, política e de entretenimento da Marcha para Jesus

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Dias atrás, um amigo me pediu uma lista das principais lideranças religiosas evangélicas que atuaram/atuam em busca de avanços políticos e sociais pautados pela justiça e pela paz. Ele precisava do conteúdo para debater com um grupo de parentes. Isto porque alguns deles – que não têm vínculo religioso -, desde a realização da Marcha para Jesus, promovida pela Igreja [Pentecostal] Renascer em Cristo, no último 20 de junho, passaram a reafirmar que Igreja é sinônimo de alienação e sustentação de poderes vilões.

Os parentes deste meu amigo se unem a muita gente indignada com a forma como se deu a participação, pela primeira vez, de um presidente da República na Marcha para Jesus. No palanque, o ex-capitão, que é católico, estava lá para agradecer o apoio na campanha eleitoral de 2018, e fez o gesto que é sua marca identitária, que imita uma arma com as mãos. Desta vez o presidente simulou a execução de um alguém caído, sob o olhar e as risadas dos líderes religiosos que o cercavam.

O gesto violento e anti-cristão, sustentado pelos religiosos presentes, causou indignação, não apenas dos não religiosos que já têm uma visão crítica do lugar que as igrejas vêm ocupando na política nacional. O episódio causou espécie também a evangélicos, cuja fé já não compactua, historicamente, com as ênfases mercadológicas, política e de entretenimento do evento.

Foram incontáveis as críticas de evangélicos ao que aconteceu no palanque publicadas em mídias sociais. Reproduzo algumas:

“O que seu gesto quer dizer? Por que os ‘Apóstolos’ estão rindo? … Quero deixar bem claro que existem milhares de evangélicos que não apoiam e nem apoiaram esse presidente. Eu sou uma delas! Tenho orado para que a verdade apareça.” [Pastora da Igreja Metodista, Facebook, 20 de junho, 22h30]

“Nesse momento, falo isso de todo o meu coração, eu queria estar com Cristo na Glória para não ter de ver esse tipo de coisa abjeta e asquerosa que parte da igreja fez em São Paulo, desonrando o nome Santo e Glorioso de Cristo. Não sei o que dizer e nem sei o que fazer…” [Pastor da Igreja de Deus no Brasil, Twitter, 20 de junho, 22h15]

“Marcha para Jesus sempre foi palanque eleitoreiro; capitalizou a fé sem pudor; legitimou pastores charlatões, condenados e presos nos EUA; criminalizou a esquerda; promoveu a homofobia; ontem, abençoou a violência das armas e riu de suas vítimas. Denunciei e fui chamado de herege.” [Pastor pentecostal, Twitter, 21 junho, 9h).

“Marcha para Jesus que eu imagino ver um dia no Brasil! [referindo-se à foto de uma das marchas que o pastor batista Martin Luther King liderou] … Tranquila pela certeza do lugar que sempre habitei como seguidora de Jesus! A autenticidade do evangelho de Cristo é sempre em favor dos direitos sociais, civis e políticos de toda humanidade…”. [Leiga presbiteriana, Facebook, 21 de junho, 4h01].

E a marcha ainda foi marcada por intolerância religiosa contra o Catolicismo, confissão de fé do ex-capitão e motor do feriado de Corpus Christi, quando foi realizado o evento. Uma das atrações, o cantor Fernandinho, atacou, no palco, gratuitamente, a figura de Nossa Senhora Aparecida ao dizer: “o Brasil não tem uma senhora. O Brasil tem um senhor e o nome dele é Jesus!”

Não há dúvida que estímulo à violência extrema e intolerância religiosa são incompatíveis com qualquer conteúdo religioso atrelado à figura de Jesus, inspirador do Cristianismo. Isto porque esta religião é assentada nos ensinamentos de Jesus baseados no amor, na misericórdia, na justiça com paz, na tolerância, no despojamento e no compromisso com as minorias.

O teólogo e pastor pentecostal Ricardo Gondim assim avaliou o que aconteceu na Marcha para Jesus 2019, em entrevista a um blog jornalístico: “A cena de Bolsonaro fazendo gesto de arma mostra o tamanho da cegueira, da hipnose coletiva, que tomou conta de enorme e esmagadora parte do movimento evangélico neste País.”

As posições de Ricardo Gondim e dos inúmeros evangélicos, líderes e pessoas das igrejas, que demonstram indignação pública com as atitudes não-cristãs da Marcha para Jesus, reafirmam a necessidade de um olhar responsável sobre os evangélicos no Brasil e de se identificar as devidas distinções da pluralidade que marca o segmento.

 

Uma delas é que existem aqueles que “marcham para Jesus”, baseados em seus próprios valores e interesses, tendo Jesus como fim, resultado. E existem aqueles que “marcham com Jesus”, assumindo os princípios e valores por ele ensinados, tendo Jesus como meio, com a finalidade da realização do “Reino” de justiça com paz iniciado por ele.

Ofereci ao meu amigo uma lista de evangélicos que marcham com Jesus em nosso País desde muitas décadas. Alguns deles já mencionei em textos desta coluna; uns já se foram desta vida, outros estão bem vivos: Erasmo Braga, João Dias de Araújo, Paulo Wright, Jaime Wright, Heleny Guariba, Manoel da Conceição, Ivan Motta Dias, Joaquim Beato, Waldo César, Richard Shaull, Eliana Rolemberg, Anivaldo Padilha, Ariovaldo Ramos, Paulo Silva Costa e Maria Imaculada Costa, Maria da Fé Viana, Marco Davi de Oliveira, Valéria Vilhena, Ronilso Pacheco, Arthur Cavalcante, Welinton Pereira da Silva, Daniela Frozi…

A lista é imensa! Sugiro aos leitores e leitoras pensarem nos nomes que acrescentariam para fazer justiça a tanta gente de identidade evangélica que marcha com Jesus no Brasil. Só assim é possível destravar as armadilhas criadas por quem homogeneíza este grupo tão plural e age para instrumentalizar a religião para projetos de poder aos quais, de forma herética, etiquetam o nome “Jesus”.

Recesso

A partir deste 1º de julho estarei em recesso para viagens que envolvem atividades de trabalho e atenção à família. Retornarei aos textos desta coluna em 7 de agosto. Até lá!

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