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Fundamentalismo e intolerância distorcem a mensagem da cruz

Amar a mensagem da cruz e proclamá-la significa anunciar ao mundo o amor de Deus que não diferencia raça, cor, sexo

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No decorrer da história do cristianismo, determinadas ideias impiedosas foram disseminadas entre os povos que a ele aderiram: “a vida dos homens na Terra será repleta de lágrimas e sofrimentos“; “as questões pertinentes a este mundo não importam à vida cristã”. Tais ideias foram extraídas, respectivamente, do Evangelho de João, 18,36 em que Jesus declara que seu reino não é deste mundo, e da narrativa na Carta aos Hebreus 11,13-16, ao afirmar que os homens de fé foram peregrinos e estrangeiros na Terra, voltando a atenção para Abraão e Sara, Isaac, Jacó e José, pais e mães de Israel, enfatizando a vida itinerante dessas pessoas, que estavam em busca de uma pátria. Importava, apenas, o cuidado da alma, estar bem com Deus e agir de acordo com sua vontade. Negar o mundo seria, então, tomar sua cruz e seguir Jesus.

Com o tempo, a maravilhosa mensagem da cruz foi “posta de lado”. Em seu lugar, entra a “pregação dos dogmas cristãos” numa tentativa de levar todas as pessoas à conversão ao cristianismo, mediante a incontestável aceitação daquilo que lhes era apresentado como vontade de Deus – o que na maioria das vezes pressupunha aceitar sofrer os dissabores da vida. Feito isso, seriam “recompensados” com uma vida futura na glória.

Contudo, ao fazermos a leitura dos Evangelhos, nos deparamos com a revelação de que a mensagem da cruz está longe dessa alocução. Neles, nos deparamos com o intenso envolvimento de Jesus com as coisas do seu tempo, com os membros e os problemas da sua comunidade, com os peregrinos que por ele passavam e, sobretudo, com os marginalizados que habitavam sua região.

A mensagem da cruz, como mostram os Evangelhos, não se resume a um conjunto de dogmas que deve ser obedecido como garantia de recompensa no final. Ao contrário, revela um Deus amor que dá a vida por aqueles a quem ama; que se entrega e nos convida a fazer o mesmo por nossos semelhantes.

Infelizmente, a mensagem da cruz está sendo substituída em nossos dias – como já o fora em outros tempos -, por um fundamentalismo religioso descabido, segregador e cruel. Seus adeptos – detentores de uma arrogância capaz de lhes fazer acreditar serem “senhores e legítimos conhecedores da verdade e da vontade de Deus” -, se dão o direito de invadirem eventos promovidos por grupos de jovens e outros mais, e interpelar pessoas acusando-as de serem hereges e tumultuarem o evento a fim de que este não ocorra.

Foi o que aconteceu na quinta-feira 1º de agosto na Paróquia São Francisco de Assis de Ermelino Matarazzo – Zona Leste de São Paulo, durante a 36ª Semana da Juventude. Um pequeno grupo de jovens católicos – reconhecidamente conservadores e fundamentalistas -, se deu o direito de desrespeitar a palestrante e demais participantes do encontro, acusando-os de estarem defendendo o aborto, dentre outras coisas. Sem nenhuma base intelectual, acusaram movimentos legítimos da Igreja como comunistas, marxistas e outras coisas mais. Com diplomacia, a coordenação do evento conseguiu mantê-lo como havia previsto. Mas não foram poucos os que ficaram estarrecidos com o acontecido.

Grupos formados por indivíduos que não respeitam os valores e a liberdade religiosa dos outros, afirmando a superioridade e o domínio de sua crença em relação às demais, têm surgido abundantemente nas mais diversas regiões do Brasil. Ao assumirem esta posição, de total desrespeito àqueles que não professam o mesmo modo de ter fé, tais grupos estão abrindo espaços para problemas mais complexos, como violência física e verbal, discriminação, preconceitos, dentre outros. E fundamentalismo religioso é o nome que se dá a este processo.

Amar a mensagem da cruz e proclamá-la significa anunciar ao mundo o amor de Deus que não diferencia raça, cor, sexo… Significa estar consciente dos problemas existentes no mundo e engajar-se em sua transformação, cerrando fileiras com aqueles que são postos à margem da sociedade e obrigados a viverem numa periferia existencial, que os obriga a contemplar –cotidianamente -, a morte face a face.

Por fim, a mensagem da cruz exige que amemos o mundo e todos que nele habitam; que lutemos pela transformação da sociedade de modo a se tornar mais justa e solidária; que nos engajemos na defesa dos menos favorecidos e detestemos o sistema mundano que destrói, arruína, rouba e mata aos pequenos e abandonados.

Que a mensagem da cruz, mantenha acesa em nossos corações a chama da verdade e da justiça, do amor e da paz e que sejamos capazes de amar em espírito e em verdade e não apenas com palavras nem com a língua. (1Jo 3,018).

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