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Fé e razão: união necessária em tempos de pandemia

Neste momento, o que importa e deve ser visto como prioridade universal são as vidas que podem ser salvas

(Foto: Prefeitura de Curitiba)
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Por mais que nos esforcemos, não conseguimos nos lembrar de um governo tão desgovernado como o atual. O Brasil está à deriva. Não está ainda pior devido ao compromisso de homens e mulheres que verdadeiramente lutam por um país mais justo e solidário, no qual todos tenham seus direitos de cidadãos e cidadãs respeitados como devem ser e não sejam contados como números, como consumidores em potencial que proporcionam lucros aos mercadores da fome, da miséria e da morte.

Diante da crise gerada pela pandemia do coronavírus que atingiu a população mundial e que tem exigido dos chefes de Estado a tomada de atitudes humanistas visando o bem-estar das pessoas, o presidente brasileiro insiste em desdenhar das orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e demais órgãos mundiais que tentam, a todo custo, salvar o maior número possível de vidas em toda a terra. Enquanto os chefes de Estado de todos os continentes buscam medidas que auxiliem no combate ao coronavírus, a desfaçatez do presidente brasileiro, atrelada ao seu desejo de poder, lhe permitem insistir em agir no sentido contrário.

O atual desgoverno brasileiro insiste em defender interesses financeiros dos mais ricos em detrimento das reais necessidades dos mais pobres, que já não conseguem sequer, colocar o alimento de cada dia em suas mesas. Insiste em defender o fim do isolamento social a partir de dados econômicos que apontam para uma queda substancial na economia do país. Ora, essa é uma realidade para todas as nações, não negamos isso. Mas neste momento, o que importa e deve ser visto como prioridade universal, são as vidas que podem ser salvas.

Não é o ganho de capital ou o crescimento econômico que devem importar agora. A economia – à vista de outras crises mundiais que já enfrentamos -, se recupera com o tempo. A morte de uma pessoa, jamais.

Porém, isso não é tudo. Fica ainda pior quando nos deparamos com o uso indevido -e até criminoso do nome de Deus e de seu Filho-, para tentar convencer as pessoas de que o desgoverno instaurado está agindo corretamente, quando na verdade, as falas do presidente e de um grupo de fanáticos e fundamentalistas inconsequentes, são dissipadoras do ódio e alimentadoras do fanatismo. Totalmente ignorantes sobre o real significado da experiência cristã de vida e amor ao próximo, se aproveitam do espaço midiático de que dispõem, protagonizam –como nos diz Dom Silvio Guterres Dutra, Bispo de Vacaria no Rio Grande do Sul-, “verdadeiras cenas farisaicas de orações públicas, de flagrante falsa veneração às imagens de Nossa Senhora de Fátima e do Jesus da Divina Misericórdia no intento de dar legitimidade aos falsos pensamentos”.

Vale lembrar, que Jesus Cristo foi vítima de todas essas coisas abominAÇÕES praticadas por Jair Bolsonaro e seus adeptos que, em sua ignorância, julgam estar fazendo o que é certo e agindo em nome do Deus único, quando na verdade estão dando vazão ao que ensina seu eterno adversário, o “pai da mentira”. Citando novamente as sábias palavras de Dom Silvio, perguntamos: “como em sã consciência, e em nome do Deus de Jesus Cristo, alguém seria capaz de defender o retorno da sanguinária ditadura militar no Brasil?

Distribuição de comida na cozinha comunitária da Prefeitura de Manaus (Foto: Altemar Alcantara.Semcom)

Bolsonaro e seu séquito acreditam e julgam estar servindo a algum “deus”. Mas a que “deus”? Por certo, o deus dinheiro, o “Mamon”. E isso se comprova nas próprias palavras do presidente da república, que coloca –repetimos-, a economia, o ganho de capital, o lucro acima de tudo como elementos norteadores de suas ações. A ele interessa, acima de tudo, garantir aos mais ricos que aumentem ainda mais o seu patrimônio, ainda que isso custe o maior bem que todos nós possuímos e que nos foi dado pelo Deus da Vida, do Amor, da Compaixão. O Deus do Êxodo que libertou seu povo do jugo da escravidão; o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó; o Deus dos Profetas; o Deus de Jesus Cristo que chama a todos para o diálogo e nos ensina o caminho da paz.

Em nossas reflexões questionamos: até quando nossos irmãos evangélicos se deixarão levar pelos “falsos profetas” que os estão conduzindo a um universo de ódio e fanatismo religioso? Não somos capazes de acreditar, que tantas pessoas sejam conduzidas por falsos ensinamentos, diante de tantas informações científicas que nos são dadas diariamente pelos órgãos internacionais que atuam na área da saúde. Estarão todos cegos e surdos para a verdade? Estarão tão dominados pelo “pai da mentira”, a ponto de não se compadecerem com a morte de tantos irmãos e irmãs? Esquecem-se por completo, de que seus familiares estão correndo os mesmos riscos de morte que qualquer outra pessoa? Serão, ainda, capazes de acreditar que as mortes de uma ou mais pessoas, se deram em razão de sua “falta de fé”?

Afirmamos com destemor, que esse descaso com o valor da vida humana -que sob qualquer hipótese pode ser vista como um “custo benefício” aceitável em favor de questões econômicas-, é radicalmente contrária aos valores da fé cristã. As pessoas que adotam esta postura, não estão –a menos que decidam por si mesmas permanecer alheias às informações-, ignorantes no que se refere aos perigos e riscos do vírus Covid-19. Contudo, insistem em acreditar que a benevolência divina lhes seja suficiente para livrá-las do contágio e da morte, deixando de lado a verdade maior: somos todos filhos e filhas do Deus Amor de Jesus Cristo e por Ele amados incondicionalmente.

Num gesto que beira à covardia, muitos se valem da desculpa de estarem obedecendo a seus “pastores” –por eles considerados portadores da verdade no que se refere à vontade de Deus-, e ao governo. Esquecem-se, por ventura, de que a escolha a respeito de quem seguir ou obedecer é pessoal e que a responsabilidade sobre a escolha que fizer será atribuída a ela? Estarão dominadas pelo “medo e a mentira” a ponto de viverem uma “fé” cega e proibida de ser questionada?

Hoje, temos –enquanto humanidade-, um inimigo comum: a pandemia gerada pelo Coronavírus. Mas, infelizmente, em meio a ele, outros estão agindo em benefício próprio ou daqueles que representam. A estes, deixamos o ensinamento de Cristo: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2,27). Numa interpretação livre, podemos dizer: “a economia, a política e demais recursos humanos devem ser utilizados na defesa da vida humana que sob hipótese alguma seja sacrificada em nome da preservação de interesses econômicos. Todos os esforços possíveis devem ser utilizados para proteger e salvar a vida de cada ser humano “criado à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26), sem descuidar das mais fragilizadas.

A fé, caríssimos irmãos e irmãs, não pode ser enxergada como inimiga da ciência. Ao contrário, devem caminhar lado a lado como parceiras inseparáveis na busca de soluções para toda crise que ponha em risco a vida humana.

Fé e razão são duas partes de uma mesma busca que devem caminhar juntas. Negar a razão em nome da fé, ou negar a fé em nome da razão são duas atitudes que não condizem com a razoabilidade do conhecimento humano.

O grande doutor da Igreja Santo Agostinho, considerado o mais renomado filósofo do início da Idade Média, empreendeu em seu itinerário uma brilhante síntese entre os pensamentos filosófico e teológico. Por isso, seu pensamento apresenta uma acurada reflexão sobre a relação entre fé e razão, apresentando uma conciliação entre esses dois elementos.

Contrariando pensadores de sua época –e por mais incrível que possa parecer alguns de nossa época também-, Agostinho não se preocupou em estabelecer fronteiras entre a fé e a razão, mas sim em mostrar que ambas deveriam agir conjunta e solidariamente na busca da verdade.

 

Para muitos, torna-se difícil a compreensão desse pensamento de Santo Agostinho justamente pelo fato de terem em mente a ideia de que a fé e a razão têm o seu próprio caminho para chegar a determinado fim, sendo até mesmo divergentes. Porém, Agostinho explica a colaboração entre fé e razão, relacionando-as do seguinte modo:

  • Num primeiro momento, a razão ajuda o homem a alcançar a fé;
  • Posteriormente, a fé orientará e iluminará a razão;
  • A razão, por sua vez, contribuirá em seguida para o esclarecimento dos conteúdos da fé.

Em suma, Santo Agostinho reconhece que a razão, por si só, é insuficiente para conduzir o homem à verdade plena. Somente com a fé tal salto é possível. Ainda assim, a fé não pode prescindir a razão, pois somente com ela o homem poderá dar maiores esclarecimentos à fé abraçada.

Portanto, a verdade é única e para esta concorrem todos os meios na busca de alcançá-la. Logo, a fé e a razão estão voltadas para o conhecimento dessa mesma verdade, que se faz realidade na contemplação face a face com Deus.

Numa sociedade como a nossa que muito preza a razão em detrimento da fé, aprendamos com Santo Agostinho a buscar um equilíbrio sadio entre essas duas dimensões do saber humano que, em harmonia, podem encher de esperança e sentido a existência humana.

Com base nas palavras de Santo Agostinho, sejamos homens e mulheres que caminham neste mundo guiados pela fé e a razão. Que saibamos nos servir da centelha divina que habita em nós, criados à imagem e semelhança de Deus, para não nos deixarmos guiar por “pastores” e “governantes” tão havidos de poder a ponto de usarem de seus “status quo” para se beneficiarem ou beneficiarem àqueles que lhes proporcionaram as condições para ocuparem o lugar onde estão.

Somos seres de fé e de razão. Não nos esqueçamos disso jamais, pois somente assim, seremos capazes de trilhar o caminho da fé que nos levará ao Deus da Eterna Misericórdia, servindo-nos da razão que Ele mesmo nos concedeu.

Sigamos em frente, de esperança em esperança na esperança sempre.

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