Diálogos da Fé

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Como Michelle Bolsonaro tenta conquistar a mente e o coração das evangélicas

A esposa de Bolsonaro alimenta o imaginário construído pelas lideranças da base aliada cristã sobre o presidente: um homem com uma missão divina amparado por uma mulher sábia

Bolsonaro e Michelle, que luta - sem sucesso - para reverter a rejeição do ex-capitão entre as mulheres. Foto: Alan Santos/PR
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No dia 24 de julho, no Rio de Janeiro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro foi protagonista da convenção Nacional do Partido Liberal, o PL. Diante de mais de dez mil pessoas, num discurso de, aproximadamente, 12 minutos, reforçou a argumentação evangélica que tem sido uma das tônicas do atual governo. 

Alguns aspectos mencionados antecipam as estratégias utilizadas pelo presidente da República. Em primeiro lugar, Michele traz à memória o aspecto sacrificial do suposto atentado (“Irmãos, foi a preço de sangue estarmos aqui”). Depois, ela menciona não só uma chancela espiritual dada por Deus para que seu esposo pudesse ocupar o Planalto, mas também sua lisura a toda prova (“Ele é um escolhido de Deus. Esse homem tem um coração puro, limpo.”). 

Em terceiro lugar, ela lança mão de textos bíblicos como uma forma de autenticar sua fala e reforçar que o presente governo tem a benção de Deus sobre si e, por isso, precisa ser reeleito (“Eu como cristã – e muitas aqui são – estamos na mesma corrente, na mesma aliança de intercessão e oração pelos governantes. Nem precisa muito, é só você obedecer, obedecer aos mandamentos do Senhor ‘orai pelas autoridades instituídas’, e tudo vai dar certo”). 

A estética e a retórica da primeira-dama reforçam seu lugar exemplar entre as evangélicas

Por último, a primeira-dama afirma que a reeleição tem um significado espiritual e que, por isso os cristãos precisam se empenhar para que ela ocorra (“A reeleição não é por um projeto de poder, como muitos pensam. Não seria por status porque é muito difícil estar desse lado. A reeleição é por um propósito de libertação, um propósito de cura para o nosso Brasil.”). 

Com estas palavras (e num Brasil que sepultou o Estado laico), ela acerta no alvo que é a mente e o coração dos evangélicos.

Este breve panorama de afirmativas feitas por Michelle Bolsonaro mostra que o governo reconhece não apenas a força eleitoral dos evangélicos, mas também está investindo na recuperação do eleitorado feminino. 

Importa ressaltar que a parcela da população mais prejudicada pelo aumento dos preços devido à inaptidão da equipe econômica foi a das mulheres. Num país assombrado pela insegurança alimentar e tendo nas figuras femininas seus arrimos familiares na maior parte dos lares brasileiros das camadas populares, urge atraí-las novamente. E a primeira-dama executa esse projeto de forma primorosa. 

As questões sociais decorrentes das severas dificuldades enfrentadas pela população no período de maior gravidade da pandemia desencadearam o aumento da rejeição a este governo entre as mulheres. Isto ocorreu notadamente pela falta de políticas públicas na área da saúde, pela escassez de ofertas de empregos e pelo altíssimo número de óbitos que desestabilizaram comunidades inteiras, deixando uma geração de órfãos da pandemia.

A estética e a retórica da primeira-dama reforçam seu lugar exemplar entre as evangélicas. Sua credibilidade é construída a partir do ideal da mulher cristã virtuosa. Que apoia o marido de maneira discreta, mas é firme mesmo quando ele não tem uma vida condizente com a ética cristã. Esta mulher é a base do lar, e trabalha pela harmonia da família tradicional estruturada a partir das virtudes e dos princípios bíblicos. 

A esposa de Bolsonaro se comunica com as mulheres evangélicas e também alimenta o imaginário construído pelas lideranças da base aliada cristã sobre o presidente: um homem com uma missão divina amparado por uma mulher sábia. Toda esta estrutura é cuidadosamente montada para convencer o eleitorado feminino que já não acredita mais nele, como uma cartada inteligente pela continuidade. 

Algumas perguntas são urgentes: será que este discurso conseguirá convencer as mulheres a reeleger um governo que agravou as crises no país? 

O que os evangélicos progressistas (ou até mesmo os conservadores que não repetirão sua escolha eleitoral) têm feito para disputar esta narrativa? 

Para que possamos traçar perspectivas realmente democráticas, é fundamental que haja aproximação desta realidade. É preciso ouvir atentamente estas mulheres, cujas pautas de luta são legítimas. E que, na sua religiosidade, encontram razões suficientes para manter a estranha mania de ter fé na vida.

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