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Com Francisco, a Igreja avança para ser mais pública e participativa

Em nossos dias, podemos dizer que o Papa é o ser humano mais preocupado com a miséria na qual está mergulhada grande parte da humanidade

O PAPA FRANCISCO ESTIMULA O ECUMENISMO
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A Eclesiologia do Concílio Vaticano II trouxe, sem dúvida alguma, uma nova reflexão – necessária havia muitos anos -, da Igreja sobre si mesma e de sua atuação em um mundo que se modernizava aceleradamente. Um marco na histórica do cristianismo, introduziu um novo tempo do Espírito no seio da Igreja e da humanidade.

O Papa São João XXIII toma esta ousada decisão em um período no qual a Igreja enfrentava inúmeros problemas em relação à moral e à fé; era questionada pelo evolucionismo sobre o sentido da criação. Ou seja, a Igreja se deparava com as angústias do homem moderno, suas tristezas e seus questionamentos. Era mais que necessário para a Igreja entrar em sintonia com a modernidade e nela se inserindo. Era preciso ir ao encontro deste povo angustiado, mas esperançoso e apresentar-lhes respostas e/ou orientações.

De acordo com grandes estudiosos, três aspectos fundamentais serviram de base para a convocação do Vaticano II:

O ecumenismo: posto no sentido de buscar uma unidade religiosa com os irmãos separados e não uma unidade institucional, uma unidade das Igrejas cristãs.

A vida pastoral da Igreja: no sentido de buscar um modo de compreender o conjunto de fé e uma abertura ao mundo moderno.

O aggiornamento: uma Igreja antenada com os reveses e atualidade do mundo moderno, mantendo-se aberta ao diálogo com o semelhante.

A “Primavera da Igreja” – referência feita por muitos ao Vaticano II -, cumpriu seu papel e colocou a Igreja em sintonia com o mundo moderno. Contudo, passados mais de 50 anos de sua promulgação, muitas de suas resoluções ainda esperam ser implementadas. Parece haver uma espécie de resistência por parte da ala mais conservadora da Igreja em aceitar as mudanças propostas pelo Concílio.

O diálogo aberto pela Igreja com o mundo e sua realidade contemporânea, na perspectiva de enxergá-lo como “seu lugar de missão” a partir de uma análise crítica, como ensina João Batista Libânio: “uma Igreja interessada pelos temas da miséria de grande parte da humanidade, da opressão, da liberdade, dos direitos da pessoa humana, da corrida armamentista, das ameaças de destruição da humanidade”. (Libânio, J. B. Concílio Vaticano II).

De acordo com a Gaudiu, et Spes, para desempenhar tal missão, a Igreja tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática. Nesta perspectiva a Igreja refletiu sobre sua identidade, papel e missão no mundo.

Diante do exposto, vamos dar um salto na história e adentrarmos ao tempo de Francisco à frente da Igreja como Sumo Pontífice. Parece-nos, ao fazermos esta pequena leitura sobre o Vaticano II, que Francisco nos leva a viver as maravilhas deste Concílio. Suas propostas, seus escritos, suas falas e sobremaneira suas atitudes nos aproximam com força das resoluções apontadas pelos padres conciliares nos idos da década de 1960 para o futuro da Igreja. Futuro que hora se nos apresenta e exige decisões e posturas condizentes com sua realidade.

Em nossos dias, podemos dizer com tranquilidade que o Papa Francisco é o ser humano mais preocupado com a miséria na qual está mergulhada grande parte da humanidade; com a opressão praticada pelos poderosos contra os mais necessitados; com o desrespeito à liberdade de todos e de cada um; com o total descaso aplicado por muitos aos direitos da pessoa humana; com as ameaças candentes de destruição da humanidade; com uma ecologia integral que possa salvar o planeta da destruição avassaladora à qual está submetido pelos interesses econômicos de grupos corporativos.

Porém, as ações de Francisco estão sendo mal interpretadas e deturpadas por determinados membros da Igreja, seus pares que deveriam apoiá-lo, e alguns governos interessados apenas em proporcionar ganhos financeiros astronômicos a determinados grupos em detrimento da miséria à qual condenam milhões de seres humanos.

Mas a grande maioria do clero católico e governos do mundo permanece com Francisco e o apoia. Há que se registrar o apoio recebido pelo Papa de líderes políticos e religiosos que não professam a fé católica. Mas estão em sintonia com Francisco.

Com a sabedoria que lhe é peculiar, Francisco tem “colocado o dedo nas feridas” abertas por este mercado financeiro que pouco se importa com a morte de milhões, seja ela causada pela fome ou pelas guerras motivadas pelos mais diferentes motivos. E isto fez com que muitos se manifestassem com atitudes perseguidoras – dentro e fora da Igreja -, almejando, inclusive, sua destituição.

Servindo-se dos mais diferentes recursos, buscam convencer as pessoas de que as ações de Francisco colocam a Igreja Católica em risco. Pode parecer absurdo o que estamos dizendo, mas basta observar com um pouco mais de atenção para enxergar as posturas que estão sendo adotadas por jovens e adultos de determinados movimentos religiosos, numa espécie de retorno a um passado onde aos fiéis leigos cabia, tão somente, manter-se na ignorância e obedecer às determinações do clero em todos os assuntos.

Esta obediência cega permitiu a construção de uma eclesiologia fechada, reservada a poucos eleitos e membros da cúria romana, que detinham o poder de decidir tudo sobre tudo e sobre todos. Lamentavelmente, os fiéis leigos, em sua maioria, acomodaram-se a esta prática por tantos anos que ao serem chamados a participar mais ativamente da vida ad intra da Igreja julgam-se incapazes, até mesmo na hora de tomar decisões corriqueiras da vida da paróquia e das comunidades. Esperam pelo clero (padre) e suas palavras para depois seguirem o que ele disse.

Faltou-nos – e ainda falta -, uma eclesiologia pública, aberta, participativa e arejada pela Primavera da Igreja trazida pelo Vaticano II, e que hoje é vivida e pregada por Francisco, que nos chama a fazê-lo conjuntamente.

Francisco nos apresenta as condições necessárias para sermos mais participativos, ativos e presentes em todas as esferas da Igreja. Nos chama a ser cristãos católicos que vivem o Evangelho em sua plenitude, como conhecedores da Igreja e praticantes conscientes de seus ensinamentos.

Não se trata, em hipótese alguma, de buscar um rompimento com o clero por parte dos leigos. Ao contrário, o que o Papa insiste em nos ensinar é que a Igreja é formada por um conjunto que deve caminhar unido numa sintonia espiritual e eclesiológica. Este conjunto é formado pelo Clero e pelos Leigos.

 

Apesar de serem abordados por teólogos e demais estudiosos da Igreja havia muitos anos, os assuntos referentes à participação dos leigos na vida da Igreja ainda é tratado “tabu”. E isso convence a muitos – com certa facilidade -, a manterem-se no cômodo viver católico da “participação sem comunhão” (não estamos nos referindo por comunhão ao ato do comungar eucarístico).

Esperamos e desejamos ardentemente que os ensinamentos e os caminhos abertos por Francisco em total sintonia com o Concílio Vaticano II nos levem a viver em espírito e em verdade os ensinamentos evangélicos deixados por Jesus, seus apóstolos e as primeiras comunidades onde tudo era partilhado entre todos. Francisco está nos chamando continuamente a buscarmos a união entre os povos como meio para transformar a realidade cruel das desigualdades e das injustiças que vivemos. Está nos chamando a sermos “participantes ativos” e não “admiradores passivos” e a marcharmos com ele, dentro e fora das esferas da Igreja levando a misericórdia e o amor.

Sobre isso, o padre e teólogo italiano Marcello Neri ao referir-se a Francisco nos diz:

Com simplicidade e respeito, ele desnudou uma fraqueza nossa, uma inadequação cultural e espiritual da nossa fé. Se há uma razão para lhe sermos gratos, entre nós que sentimos que fazemos parte “dos seus”, é precisamente por isso.

Não esperemos que ele seja o pai espiritual de cada um de nós, embora isso lhe caia muito bem, devo dizer, com a sua habilidade sapiencial de dizer palavras a todos, que sentimos que são dirigidas justamente a nós, precisamente para mim. Dom de uma palavra contemporânea, meticulosamente cultivada nas páginas antigas do Evangelho.

Francisco jogou a bola para o nosso lado do campo. Agora cabe a nós nos organizarmos devidamente e aprendermos a jogar o jogo com sagacidade e sem rancor. E, jogando em um campo vazio, sem ninguém que a desafia, nenhuma criança jamais se divertiu.

O desafio é o de participarmos da vida da Igreja, na construção de uma eclesiologia pública e participativa. Uma eclesiologia que contribua com a edificação do homem em sua jornada de fé, como batizado e membro ativo do corpo da Igreja da qual Cristo é a cabeça. Uma Igreja que semeie a misericórdia e o amor incondicional a Deus e ao próximo.

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