Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

As igrejas e seus líderes precisam de conversão aos valores cristãos

O autoritarismo torna pessoas cristãs cegas e indiferentes aos atos de amor, de misericórdia e de justiça que deveriam praticar

Foto: Isac Nóbrega/PR Foto: Isac Nóbrega/PR
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Volto do recesso de julho com pautas desafiadoras para esta coluna, que privilegia um olhar sobre o lugar dos evangélicos no espaço público. Nas últimas quatro semanas, com o país chegando aos 100 mil mortos por Covid-19, sem ministro da Saúde, o governo amplificou a aliança político-religiosa com evangélicos alinhados às pautas da extrema-direita. 

Foram nomeados dois ministros da Educação, um batista que ficou dias no cargo (por conta de atitudes falsas, algo comum a apoiadores do governo), e, depois, um pastor presbiteriano. O ministro da Justiça, outro pastor presbiteriano, segue atuando na proteção daquele que chama de profeta e sua família, e instaurou espionagem sobre servidores públicos da área de segurança críticos ao Governo Federal. Enquanto isso, vários líderes evangélicos estabeleceram como prioridade um boicote a uma empresa de cosméticos por ter colocado um homem trans como protagonista da campanha publicitária do Dia dos Pais.

Lembro de uma narrativa do Evangelho quando Jesus foi confrontado por fariseus (guardiões da lei religiosa, defensores dos valores da “gente de bem” da época) que lhe exigiam provas de sua vocação, pedindo que fizesse aparecer um sinal do céu. O Evangelho de Marcos (capítulo 8) narra que, ao ouvir o pedido, Jesus suspirou profundamente e desabafou: “por que esta gente me pede um sinal? Para essa gente não darei sinal algum”. Desanimado e cansado, não só saiu de perto deles como foi para bem longe, do outro lado de um lago.

Depois alertou aos discípulos: “Cuidado com o que essa gente diz e quer enfiar na cabeça das pessoas, como um fermento”. Afinal, Jesus já oferecia, na convivência com as pessoas, no meio delas, muitos sinais de amor, de misericórdia, de justiça. Não precisava cair nada do céu, já estava acontecendo, não acima de todos, mas no meio dos homens e mulheres. Por isso Jesus era chamado de Emanuel, “Deus conosco”, aquele que sofre as dores das pessoas, que se alegra com conquistas, fortalece as lutas por paz com justiça.

Quando leio as notícias, suspiro como Jesus fez e reafirmo, com ele, um elemento preocupante: o fermento que se espalha na forma de disseminação e credenciamento de um clima autoritário, de controle, de perseguição, como faziam os fariseus que acabaram tramando a prisão e a execução de Jesus.

Além da espionagem e da repressão tramada pelo pastor Ministro da Justiça, na área de educação há uma cruzada de interesses privados, especialmente contra as universidades federais. Há cortes de verbas, redução de investimentos nas áreas de humanidades, expurgo de reitores cujo pensamento não seja de extrema direita. Também no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) isso tem acontecido.

Esse fermento farisaico já era espalhado desde junho de 2013, com pessoas nas ruas pedindo intervenção militar. Ele foi reforçado nas ações persecutórias e arbitrárias da Operação Lava Jato, sob a capa de combate à corrupção, culminando no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Esta massa cresceu, elegeu o governo que está aí, e credenciou ações violentas de perseguições e expurgos em diferentes espaços, inclusive das próprias igrejas. 

 

Um exemplo vem da nota em coluna de grande jornal no dia 4 de agosto, que torna pública uma discussão até então restrita aos círculos da Igreja Metodista. Em reunião virtual entre pastores dessa igreja, o bispo Roberto Alves de Souza, que atua em parte de Minas Gerais e Espírito Santo, defendeu a exclusão de membros que defendem a causa LGBTI+ da denominação, contrariando a função episcopal.

O caso se deu a propósito de uma campanha de assinaturas, tendo em vista a próxima Assembleia Geral da Igreja, que solicita a oficialização do acolhimento e da afirmação “dos dons e ministérios das pessoas metodistas independente de sua raça, cor, origem social, identidade de gênero e orientação sexual; sendo vedada qualquer forma de discriminação ou acepção de pessoas”.

A proposta inclui a criação de um Grupo de Trabalho sobre Sexualidade Humana, “composto por irmãs e irmãos de diferentes posições e vivências; representação de diferentes regiões do país; e que procure informação com assessorias especializadas que abordem o tema em perspectiva científica, cultural, bíblico-teológica e pastoral. Que o GT apresente o resultado de seu trabalho na forma de um relatório com recomendações ao Concílio Geral seguinte”.

Em nota ao jornal, a Igreja Metodista afirma que suas normas não preveem exclusão baseada em orientação sexual e que as opiniões expressas no vídeo “não representam a opinião da Igreja Metodista, mas um posicionamento pessoal transmitido de maneira informal”. 

Temos um elemento alarmante diante de nós: a prática de excluir, colocar para fora, expurgar a começar do governo, espalhando-se nas igrejas, deste Brasil contemporâneo. É algo antigo, com episódios tantos na história, é fato, mas estava sendo superado na reconstrução democrática do País. Porém, este é o espírito que tem sido disseminado pelo fermento farisaico que une política e religião no Brasil hoje e torna pessoas cristãs cegas e indiferentes aos atos de amor, de misericórdia e de justiça que deveriam praticar. Cegas e indiferentes até às mortes que hoje lotam os cemitérios do país. 

As palavras finais de Jesus aos seus seguidores, depois daquele episódio com os fariseus, valem para hoje: “Protejam-se do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes [o mandatário da época, responsável por muitas mortes]”. Por isso, a melhor forma de proteção das igrejas desses poderes malignos é a conversão aos valores cristãos descartados pelas alianças político-religiosas. Desta forma, podem praticar o amor, a tolerância, a misericórdia, promover a paz com justiça e serem chamadas de cristãs.

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