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Previdência: web se mobiliza contra ‘intervenção militar’ no INSS

200 mil pessoas já assinaram petições contra a extinção do serviço social no INSS e a contratação de militares da reserva para o órgão

O serviço social existe há 75 anos dentro das agências do INSS (Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)
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Estaria o maior instrumento de política pública de distribuição de renda do país em risco? O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável por manter o regime geral da previdência social no Brasil, pode passar por duas mudanças que têm preocupado seus servidores e assustado a parte da população que mais depende dele: uma nebulosa extinção do Serviço Social e a contratação de sete mil militares da reserva. As medidas provocaram um levante da categoria em torno de dois abaixo-assinados online que se manifestam contra as propostas. 

As mobilizações, que já acumulam milhares de assinaturas em todo o Brasil, são lideradas pela Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS), criadora das duas petições abertas na plataforma Change.org. A entidade teme uma destruição do sistema de previdência social pública do país e do INSS, órgão que há anos já atravessa graves problemas estruturais. A diretoria da FENASPS acredita que há interesses políticos por trás das decisões tomadas pelo governo federal. 

“A intenção é destruir a previdência social pública e direcionar para a previdência privada. Eu cito um exemplo que é o que vem acontecendo com o próprio Sistema Único de Saúde [SUS], os governos vêm deixando a saúde tão ruim que as pessoas acabam pagando uma saúde privada, os planos de saúde. Então, é direcionar uma política pública, que o Estado deveria fornecer para a população brasileira, para privatizar”, dispara Viviane Peres, uma das diretoras da FENASPS desde 2018 e assistente social do INSS há quase 11 anos. 

A Medida Provisória 905, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em novembro do ano passado, revogou um item (alínea b do inciso III do artigo 18) da lei que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social (nº 8.213/1991). Essa alteração na norma, segundo os servidores, significa a extinção do serviço social dentro dos postos do INSS, ou seja, o fim do atendimento pessoal nas agências para orientar os cidadãos sobre seus direitos previdenciários. 

“É o INSS querendo fechar as portas totalmente para orientar e atender a população”, define Viviane. A diretora ressalta que ao longo dos 75 anos de existência do serviço social na previdência, esse serviço já foi “atacado” em outros períodos de reforma e que isso se repete novamente com a publicação da medida provisória. Segundo ela, parte dos quase 1.600 profissionais que têm essa atuação no INSS já não exercem mais o atendimento à população.   

Recorrem aos assistentes sociais do órgão principalmente as pessoas de baixa renda, que não têm condições de contratar advogado, e vão às agências do INSS em busca da concessão de benefícios a que têm direito, especialmente o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que equivale a um salário mínimo, e é concedido, por exemplo, a idosos em situação de extrema pobreza e a pessoas com deficiência ou mães de crianças portadoras de necessidades especiais. É a este profissional que cabe, além do atendimento, a preparação dos laudos sociais. 

Com o possível fim do serviço na prática, os assistentes seriam transferidos a outras funções. O INSS, entretanto, nega a extinção. Segundo nota enviada pelo órgão, a modificação legislativa não teve nenhum efeito de extinguir o serviço social no âmbito do INSS. “Ao invés de extinguir o Serviço Social, promoveu a ampliação de sua abrangência, na medida em que esse serviço deixou de estar restrito Regime Geral de Previdência Social (RGPS)”, diz o comunicado. 

Ainda de acordo com a resposta do órgão, o dispositivo que estabelece a desnecessidade de carência para acesso ao serviço social ficou inalterado. Assim como não foi modificado o dispositivo que regulamenta as competências do Serviço Social, a forma de atendimento e suas diretrizes. Para Viviane, entretanto, essa “ampliação” é uma “mentira”. “Não tem sentido o que o presidente [do INSS, Renato Vieira] vem colocando”, fala a diretora sobre a suposta ampliação. 

Militarização do INSS?

A previdência social é o maior instrumento de política pública de distribuição de renda do país (Foto: Divulgação)

O governo federal anunciou nesta semana a intenção de contratar temporariamente sete mil militares da reserva para atuar em funções de atendimento nas agências do Instituto Nacional do Seguro Social. O contingente liberaria servidores do órgão para trabalhar diretamente na análise de cerca de 1,3 milhão de pedidos de benefícios. Os processos aguardam na chamada “fila do INSS” há mais de 45 dias, ou seja, um prazo acima do limite permitido legalmente.   

A contratação dos militares tem custo estimado em 14,5 milhões de reais ao mês, o que daria 130,5 milhões de reais até setembro, prazo em que o governo espera resolver a fila. Definindo-a de “intervenção militar”, os servidores do INSS são radicalmente contrários à proposta. 

“Trazer aposentados de uma força policial, uma força militar, para fazer uma atividade que é de cunho quase social, o atendimento ao cidadão, um cunho importante, ela não está qualificada para essa tarefa, ela foi treinada para a guerra e não para fazer assistência social ou atendimento público”, analisa Moacir Lopes, diretor da FENASPS e técnico do INSS há 35 anos. 

Lopes explica que a medida fere a Constituição, já que ela determina que a contratação dos servidores deve ser feita por meio de concurso público. O sindicalista aponta outro problema: o desconhecimento dos militares para o serviço no INSS. “Não conseguiriam aprender o serviço em seis meses, nem que fizessem um curso em regime integral. Não aprendem porque é um trabalho muito complexo, teriam que passar no concurso, entender da legislação e conhecer profundamente para poder fazer esse trabalho”, comenta o diretor da FENASPS.     

Para a entidade, a contratação dos militares não resolve os problemas. A federação pede por diálogo com o governo para a criação de um projeto de gestão que inclua abertura de concurso público, investimento na carreira do seguro social e na saúde dos servidores. “O INSS precisa de 16 mil pessoas para poder preencher as vagas nas agências”, fala Lopes. “Não precisa de militar, precisa de concurso público, precisa de gente para trabalhar nessa atividade que está hoje tão carente, que é a concessão de benefícios e o atendimento à população”. 

O INSS também enviou um posicionamento quanto à contratação dos militares. Segundo o órgão, a proposta integra um conjunto de medidas anunciado pelo Governo Federal para reduzir o estoque de requerimentos e acelerar o acesso aos benefícios concedidos. 

“O recrutamento de cerca de 7 mil militares da reserva visa reforçar o atendimento presencial nas agências do INSS. Eles responderão por atendimentos que não exigem conhecimento da legislação previdenciária, como criação de senhas para o Meu INSS, impressão de extratos de benefícios, recebimento de documentos dos segurados, sua digitalização e inclusão nos sistemas, enfim, atendimentos em geral”, diz trecho do informe. 

A mobilização dos servidores

Abaixo-assinados já chegam a 200 mil apoiadores em defesa do INSS (Foto: Divulgação FENASPS)

A petição pela manutenção do serviço social dentro do INSS já passa de 139 mil apoiadores. Viviane Peres define o abaixo-assinado como “histórico” e ressalta que o volume de assinaturas foi alcançado em pouco mais de dois meses de mobilização. Já a campanha contra a contratação dos militares ultrapassou a marca de 50 mil assinaturas em apenas uma semana.

“Para nós é importante o abaixo-assinado porque ele mobiliza não só a categoria, como vários setores da sociedade que têm essa concepção do que é o serviço público de qualidade, a importância disso para o cidadão. E quando chega nesse momento em que uma mãe, um doente, não pode ter o benefício porque está lá travado numa fila de 1,9 milhão – e nós achamos que já passou desse montante -, você vê a importância desse serviço”, fala Moacir Lopes. 

Além das petições, ações serão movidas. “A FENASPS tem discutido entrar com uma ação, num primeiro momento pensamos numa ADIN [Ação Direta de Inconstitucionalidade], junto com deputados e partidos, mas também uma ação popular, uma ação civil pública para questionar, com base na Constituição e na lei, essa situação do governo estar franqueando o INSS para categorias que não são concursadas e não poderiam fazer esse trabalho”, diz Lopes. 

O Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), entrou com pedido de medida cautelar para suspender a contratação dos militares. Além disso, de acordo com os autores dos abaixo-assinados, mais de 50 emendas supressivas já foram feitas na Medida Provisória 905 em relação à mudança no serviço social e na alteração que permite a transferência desses servidores para outras carreiras do Instituto Nacional do Seguro Social.  

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