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Óleo no Nordeste: como o Brasil reage à letargia do governo Bolsonaro

Dois meses depois do surgimento das primeiras manchas nas praias nordestinas, brasileiros mobilizam-se como podem para lidar com a crise

Óleo de origem não esclarecida já atingiu 120 praias da costa nordestina (Foto: Divulgação)
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O brasileiro cansou de esperar pelo governo. Nenhuma cena traduz melhor essa afirmação que os voluntários nordestinos limpando com as próprias mãos as paradisíacas praias do Nordeste do país atingidas por manchas de óleo. A chocante imagem das areias como que marcadas por poças e bolhas pretas já chegou a 268 localidades em mais de 120 praias nos nove estados da região, segundo levantamento divulgado pelo Governo Federal na segunda-feira (28/10). 

Dois meses depois do aparecimento das primeiras manchas de óleo nas praias de Jacumã e Tambaba, na Paraíba, e longe de surgirem sinais de retrocesso do desastre ambiental, brasileiros se articulam para contornar o problema apesar da lenta e ineficaz ação do governo. Além de se exporem ao risco de contaminação durante a limpeza das praias e resgate de animais cobertos pelo óleo, muitos recorreram a mobilizações para cobrar das autoridades uma resposta sobre as investigações da origem do óleo e para pressionar por medidas mais efetivas. 

Parte dessas mobilizações se concentra em torno de dois abaixo-assinados criados na plataforma Change.org, que em 10 dias acumulam cerca de 170 mil assinaturas de pessoas sensibilizadas e preocupadas com o avanço do óleo pela costa brasileira. Uma dessas campanhas é liderada pelo recifense e cientista político Felipe Oriá, de 28 anos. Na petição, ele e colegas nordestinos pedem a criação de uma força-tarefa “antes que seja tarde demais”. 

Felipe conta que a iniciativa de criar a petição, que já conta com 57 mil apoiadores, partiu da “indignação” de não ver uma resposta do governo, especialmente do Ministério do Meio Ambiente, à altura do problema. “Há muitas ações de ONGs, de grupos, muita gente indo lá e pegando o óleo na mão, mas na hora de fazer uma demanda política, eu não senti muita clareza de qual seria a agenda institucional, o que é que a gente está pedindo. E foi aí que a gente resolveu fazer o abaixo-assinado para tentar criar um ‘guarda-chuva’ [de demandas]”, explica. 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demorou quase 40 dias para visitar uma das localidades atingidas. Além disso, o governo foi fortemente criticado por conta de denúncias de servidores sobre a extinção do colegiado responsável por acionar o Plano Nacional de Contingência (PNC), que alinha a atuação dos diferentes órgãos em casos de desastres ambientais. Um mês e meio depois do aparecimento das manchas, o Ministério do Meio Ambiente informou que o PNC estava em pleno funcionamento desde o início de setembro. 

Na ocasião, o Ministério Público Federal chegou até a mover uma ação pedindo que a Justiça Federal determinasse à União o acionamento do Plano Nacional de Contingência. “O governo tem sido extremamente omisso. Ele tem sido omisso na hora de coordenador os esforços com os Estados, e aí a briga política tem importado mais do que resolver o problema. Tem sido omisso por questões ideológicas, em pedir ajuda internacional. Há uma série de grupos, ONGs e organismos internacionais com especialistas que poderiam estar ajudando”, aponta Felipe. 

Para o cientistas político, que vive em Brasília e voltou à sua cidade natal nesta semana, o problema parece estar sendo tratado pelo governo como de segunda importância, já que ainda não há esclarecimentos sobre a origem do óleo, como ele apareceu na costa brasileira, se ainda deve surgir mais e qual será o alcance. Movimentando-se a cerca de 1,5 metro da superfície, o petróleo só fica visível nas imagens de satélite quando já está chegando próximo às praias. 

Até a última divulgação dos órgãos oficiais, apresentada no início da semana, 1.027 toneladas de óleo tinham sido retiradas do mar. De acordo com análises da Petrobras em amostras recolhidas, o petróleo é cru e possui a mesma “assinatura” da Venezuela, ou seja, é extraído apenas em áreas daquele país. Ainda segundo o governo, o local onde o derramamento surgiu provavelmente fica a uma distância entre 600 e 700 quilômetros da costa brasileira. 

Crise humanitária 

O cientista político pondera que, além da grave questão ambiental, já que o óleo contamina as águas e provoca a morte de animais marinhos, há uma crise humanitária que tem afetado a condição econômica de pescadores e marisqueiros. Além disso, voluntários que limpam as praias correm o risco de intoxicação e contato com elementos cancerígenos. “Aqui em Pernambuco, dos 10 mil pescadores, apenas 400 vão receber o seguro defeso. Ou seja, você tem uma crise humanitária aí de pessoas que do dia para a noite perderam sua fonte de renda”. 

O governo anunciou que 60 mil pescadores artesanais das localidades atingidas vão receber uma parcela a mais do seguro defeso neste mês. O benefício normalmente é oferecido a pescadores profissionais nas épocas em que são proibidos de exercer suas atividades, ou seja, durante o período de reprodução dos peixes. A medida custará R$ 59,9 milhões ao governo.

Sem uso de equipamentos de proteção, voluntários se expõem ao risco de contaminação na Bahia (Foto: Divulgação)

No abaixo-assinado aberto na Change.org, Felipe sugere que o governo federal convoque uma força-tarefa internacional e que União, Estados e parceiros internacionais se unam para resolver o problema. “A gente espera que isso faça parte de um pacote muito maior, que envolva uma organização federativa entre os Estados, um comitê de crise, com participação do Exército, mobilização de empresa, e também ajuda internacional”, detalha o cientista político.   

Para o autor do abaixo-assinado, essa força-tarefa é necessária devido à magnitude do desastre e porque sozinho o Brasil ainda não tem o conhecimento, a tecnologia e os recursos necessários para resolvê-lo. “Tem muita coisa no fundo do mar que pode chegar, tem muita coisa simplesmente espalhada que ainda não veio à tona. Então a gente tem que continuar mobilizando os atores que estão lá, que são os agentes políticos”, conclui o recifense. 

Adolescente cria campanha para cobrar governo

A outra mobilização que pressiona as autoridade por esclarecimentos foi gerada por uma jovem, filha de nordestina, que tem apenas 16 anos, mas sentiu que precisava tomar alguma atitude diante da dramática situação. Giovanna Wanderley dos Reis mora em São Paulo, região até agora não afetada pelo óleo, porém, mesmo longe, decidiu fazer a sua parte. “A ideia de criar um abaixo-assinado seria meu jeito de expressar a indignação com a falta de empatia das autoridades em relação ao meio ambiente”, desafa a adolescente que cursa o Ensino Médio. 

Em menos de duas semanas Giovanna reuniu 112 mil apoiadores em torno de sua causa: cobrar da Polícia Federal e da Marinha respostas sobre a origem do óleo que atinge as praias do Nordeste. A jovem tem parentes na capital pernambucana e viaja constantemente para lá. “A minha família está em Recife e por isso sempre no final do ano vou para lá. E esse contato com a região, o amor pela fauna e a flora marinha, despertou esse sentimento de empatia e solidariedade com a população nordestina”, comenta a autora da petição online

Segundo o governo, a origem do acidente ainda é desconhecida e as investigações sobre as possíveis causas do derramamento do óleo são sigilosas e estão sendo conduzidas pela Marinha, enquanto a investigação criminal é desenvolvida pela Polícia Federal. O presidente Jair Bolsonaro levantou a possibilidade de um vazamento acidental – decorrente do naufrágio de um navio – ou criminoso. Uma das hipóteses é que a carga possa ter sido derramada em acidente com “navio fantasma” – embarcação irregular que transporta óleo clandestinamente.

A adolescente reuniu, até o momento, mais de 112 mil apoiadores na campanha (Foto: Divulgação/Change.org)

Giovanna indigna-se com a lentidão das apurações e tomada de medidas. “Esse processo está sendo extremamente lento, entretanto, o meio ambiente não espera pelo tempo dos humanos. Por isso, acho que devemos pressionar as autoridades da melhor forma, manifestando esse sentimento de insatisfação nas ruas. A nossa voz precisa ecoar”, desabafa a adolescente. “Já que sobrou para o povo, como sempre, vamos lutar e ir em busca de soluções”, completa. 

O governo federal, por sua vez, informa que está 100% comprometido com as ações para solucionar os danos e que, diariamente, 48 organizações militares, 10 navios, sete aviões e seis helicópteros atuam no monitoramento, limpeza e análises das manchas de óleo. Da parte do governo, dividem-se em determinadas funções a Marinha, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP).   

A adolescente, que deseja ser uma jovem que faz a diferença, acredita que muitos apoiaram rapidamente a sua campanha porque estão sensibilizados com a situação. 

“Todo desastre natural traz em si uma mobilização por parte da população, já que nem todas as pessoas podem estar lá, elas vão contribuir com algo rápido. A petição contém um ótimo intuito e isso é atrativo”, diz. “Eu convoco jovens de todo o Brasil para lutarem por um país melhor, pois nós somos o futuro dessa pátria. Se não fizermos a diferença, quem irá? O mundo não muda [com a gente] sentado na cadeira, apenas vivendo de redes sociais e vidas superficiais, precisamos ir para as ruas e ecoar nossa voz por todo país. SOS Nordeste”, clama a jovem. 

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