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O texto da PEC que discute candidaturas femininas é um avanço ou retrocesso?

Comissão formada na Câmara concluiu trabalhos na quarta-feira 23; abaixo-assinado denuncia que ausência de sanções gerará o descumprimento da norma

Na comissão especial, a relatora foi a deputada Margarete Coelho (PP-PI) (Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados)
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Avança na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/21 que trata da aplicação de recursos em candidaturas femininas. Já aprovada no Senado, a proposta seguirá para votação em plenário ao mesmo tempo em que enfrenta forte resistência daqueles que a apontam como um retrocesso para a representação de mulheres na política.  

Nesta semana, a comissão especial formada na Câmara para analisar a proposta aprovou o relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI) e rejeitou destaques apresentados. Pelo texto-base, partidos que descumpriram a cota mínima de recursos para mulheres e negros em eleições passadas serão anistiados. Por outro lado, mantém-se punições para os partidos que não respeitaram o mínimo de 30% de mulheres candidatas nas eleições anteriores à PEC.

Apesar das emendas da relatora, que amenizaram o impacto do texto inicial, a proposta ainda é considerada um retrocesso para as candidaturas femininas. Em mobilização para que existam mais mulheres no poder, o projeto social “A Tenda das Candidatas” e a “Plataforma pela Reforma do Sistema Político” encabeçam um abaixo-assinado a fim de derrubar a PEC. A petição online, que está aberta no site Change.org, conta com mais de 1,2 mil apoiadores. 

Para a codiretora da Tenda das Candidatas, Hannah Maruci Aflalo, o fato de as emendas da deputada relatora manterem as sanções aos partidos por um lado (percentual de candidatas), mas anistiarem por outro (cota relativa ao financiamento das campanhas), faz com que o problema em torno da Proposta de Emenda à Constituição não esteja resolvido. 

“O argumento é de que a pandemia impediu que esses gastos fossem realizados”, conta Hannah sobre as alegações feitas pela deputada Margarete Coelho em seu relatório. “A pergunta que coloco é: Por que a pandemia foi um fator de impedimento para investimento de candidaturas de mulheres e negros e não para campanhas de homens brancos? Essa conta não fecha”, aponta a codiretora da Tenda, que também é professora de Ciência Política. 

Após o lançamento do abaixo-assinado, outras organizações se juntaram à campanha formando um forte movimento contra a PEC 18/21. Segundo Hannan, a motivação que levou ao lançamento da petição foi a percepção de que, apesar de colocar em jogo importantes conquistas das mulheres na política, a proposta seria analisada principalmente por homens. Conforme aponta o abaixo-assinado, dos 32 integrantes da comissão, 26 eram homens. 

Nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, do total de 513 vagas, apenas 77 (15%) foram preenchidas por mulheres. Este e outros dados fazem com que o Brasil ocupe o 142º lugar no ranking da União Interparlamentar (UIP) sobre representatividade feminina na política – 180 países fazem parte da lista. Para o grupo que encabeça a mobilização contra a PEC, a formação da comissão, majoritariamente por homens, escancarou essa distorção. 

A professora Hannah aponta que a sub-representação de mulheres, sobretudo negras, é realidade em todos os níveis da política brasileira. De acordo com ela, ao longo dos anos, houve importantes conquistas a fim de melhorar este quadro, como as próprias cotas de candidaturas e de financiamento, entretanto, segundo aponta a doutoranda, os partidos políticos oferecem, historicamente, “enorme resistência” ao cumprimento dessas regras.  

“A cada dois anos é concedida anistia para os partidos que não cumprem as leis de incentivo à participação política das mulheres. Essa PEC traz a anistia mais uma vez, isentando partidos – mais de 22 – que não cumpriram os repasses de 5% do fundo partidário e de 30% do Fefc [Fundo Especial de Financiamento de Campanha] em 2020. Anistiar é o mesmo que dizer: a regra existe, mas se não cumprir, tudo bem!”, declara a professora.  

Sanções necessárias 

A votação na comissão especial aconteceu nesta quarta-feira (23) (Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados)

Na petição, os autores destacam que, ao determinar a não aplicação de sanções aos partidos que não seguem ações de aumento da presença de mulheres na política, a PEC oficializa a não obrigatoriedade das cotas. Para a organização, que capacita lideranças de mulheres para a política, a anistia significa, na prática, o descumprimento dessas medidas.

Diante disso, a professora Hannah aponta um círculo vicioso que mantém a distorção de gênero no parlamento brasileiro. “Sabemos que recursos financeiros são essenciais para o sucesso de candidaturas. Assim, se os partidos não se sentem obrigados, eles não farão os repasses na proporção indicada, pois sabem que não sofrerão sanções”, explica a professora e doutoranda. “Assim, seguiremos sem aumentar a quantidade de mulheres eleitas”, constata. 

Hannah defende a existência da cota de gênero para corrigir a distorção histórica de baixa representatividade feminina em cargos eletivos na política. Porém, ela ressalta que, mais que existir a lei, devem haver garantias para o seu cumprimento. “Sabemos que sem as sanções, elas [as leis] não são cumpridas. Por isso, é preciso rigidez na aplicação dessas leis e regras e fiscalização de forma que o custo de não cumprir seja maior do que o de cumprir”. 

A PEC 

A PEC 18/21 impõe aos partidos políticos a aplicação de recursos do fundo partidário e do fundo de financiamento de campanha, além da divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, no percentual mínimo de 30%, para candidaturas de mulheres. Apresentada como um aparente avanço, debates apontam controvérsias na proposta porque ela também visa anistiar os partidos que não cumpriram as normas nas últimas eleições. 

No ano de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia definido regras em relação à distribuição de recursos do fundo partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais de mulheres. A Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) também determina regras. A Proposta de Emenda à Constituição incluirá essas normas na Constituição Federal.

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