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Boto cor-de-rosa pode desaparecer se moratória não for renovada

Organização está em campanha, por meio de abaixo-assinado, para pressionar governo a estender por prazo indeterminado a proibição de pesca que usa o boto como isca

Cientistas lutam pela conservação dos botos da Amazônia. Foto: Sea Shepherd/Simon Ager
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Estima-se que a cada 10 anos as populações de golfinhos de rio doce da Amazônia – os botos – diminuem pela metade. Se nenhuma medida for tomada, o icônico boto cor-de-rosa por ser extinto em algumas décadas, segundo pesquisadores.

Em 30 de junho, a história de luta pela conservação dos botos passará por um momento decisivo: a renovação ou não de uma moratória federal que proíbe a pesca do peixe bagre piracatinga, prática que utiliza a carne dos botos como isca. Essa pesca acontece em rios de água branca, especialmente no Amazonas, mas também no Acre, no Pará e em Rondônia. 

Para evitar a liberação desse tipo de atividade, que representa grave ameaça aos botos, a organização global Sea Shepherd, que atua na proteção da vida marinha e dos oceanos, lançou uma campanha. Em forma de abaixo-assinado, a mobilização engaja apoiadores a fim de sensibilizar a Secretaria de Aquicultura e Pesca a renovar a moratória federal. 

A lei que proíbe a pesca e a comercialização da piracatinga no Brasil existe desde 2015. Com prazo inicial de cinco anos, a medida já foi renovada duas vezes pelo período de um ano. A última versão, fruto da Portaria nº 271/2021, da Secretaria de Aquicultura e Pesca, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, vencerá em três semanas. 

A luta de cientistas e pesquisadores é para que a moratória não tenha prazo para acabar. Os especialistas apontam que para estudar o real impacto de uma lei na proteção da espécie são necessários, no mínimo, 12 anos. Somente após esse período é que o grupo conseguirá elementos para exigir uma fiscalização adequada para a proteção dos botos.

“Não podemos ficar todo ano solicitando mais prazo e sempre chegarmos à conclusão de que faltam dados, arriscando a decisão de um cancelamento da moratória, quando sabemos que é necessário tempo para podermos ter as respostas em mãos”, explica Nathalie Gil, CEO da Sea Shepherd no Brasil e porta-voz da campanha em defesa dos botos. 

A morte intencional de botos, assim como a dos jacarés – também utilizados como isca na pesca da piracatinga -, é ilegal desde 1988. A piracatinga se alimenta preferencialmente de carne morta, possuindo altas concentrações de mercúrio e outros tóxicos danosos à saúde humana. Por isso, a pesca e o comércio desse peixe são proibidos no Brasil.  

Na Colômbia, apesar de a venda também ser ilegal, a piracatinga é consumida. Com a intenção de exportar ilegalmente esse peixe ao país vizinho, pescadores acabam promovendo uma matança intencional de botos, já que usam sua carcaça como isca. 

Nathalie pontua, entretanto, que, em comparação com o período de início da moratória, o cenário mudou. Em 2017, a Colômbia também proibiu a pesca e a venda desse peixe. “O que antes era um comércio aceito, hoje não é mais”, destaca. “Se liberarmos a pesca da piracatinga, liberaremos uma prática que inevitavelmente incentiva um comércio ilegal.”

Luta pela conservação dos botos

Sem medidas de proteção, os botos podem desaparecer do planeta (Foto: Sea Shepherd/Simon Ager)

Está em curso uma pesquisa científica mundial sobre o boto cor-de-rosa, como é popularmente conhecido o boto amazônico (Inia geoffrensis), e o tucuxi (Sotalia fluviatilis). 

Os estudos, desenvolvidos por cientistas da Sea Shepherd e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, começam a se aprofundar e já indicam a necessidade de essas espécies passarem a constar na lista da International Union for Conservation of Nature (IUCN) como “em risco crítico de extinção”, em vez de apenas “em risco”, para receberem a devida proteção ambiental.

A pesquisa tem o objetivo de informar a saúde populacional e a densidade dessas espécies de botos. Os cientistas destacam que precisam de mais tempo para os estudos, daí a importância de a moratória ser estendida por prazo indeterminado. 

Sannie Brum, pesquisadora-chefe do INPA na expedição “Boto da Amazônia”, avalia que, apesar de o boto ser protegido por lei há muitos anos, sofre com o declínio de suas populações e o aumento das ameaças. 

A moratória de pesca da piracatinga foi a única política pública nos últimos 35 anos para a proteção dessa espécie, já que o plano de ação para a espécie carece de recursos financeiros para sua execução, e áreas protegidas nunca foram definidas visando a proteção”, detalha Sannie, doutora em Ciências Biológicas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e especialista em ecologia e conservação de golfinhos amazônicos. 

Sannie pontua que a pesca da piracatinga promove uma matança estimada entre 300 e 4.000 botos por ano, o que causa um grande impacto na espécie, levando-a a ser considerada ameaçada de extinção. “A moratória representou um alívio, apesar de sabermos que a pesca continua ocorrendo ilegalmente. Esta atividade não deve ser retomada sem a garantia de proteção das espécies utilizadas ilegalmente como isca.”

O momento é crucial. Por isso, Nathalie destaca a necessidade de um movimento coletivo, formado por meio do abaixo-assinado, para pressionar os órgãos públicos a uma mudança. “A petição é um movimento de conscientização e de dar a voz ao público em geral, que está completamente desinformado deste fato e precisa saber disso e poder ser ouvido”, afirma. A petição se aproxima das 40 mil assinaturas. Veja: http://change.org/SalveOsBotos 

A CEO da Sea Shepherd explica que a justificativa de quem defende o cancelamento da moratória está ligada aos pescadores que viviam ou vivem desta prática.

“Porém, por sabermos que esta prática é hoje vinculada a um comércio ilegal e que há um baixo interesse no Brasil por esse peixe, o argumento não faz sentido.”

Além do abaixo-assinado, a organização Sea Shepherd tomou a iniciativa de lançar o documentário ?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> style="font-weight: 400;">Rota Vermelha: Crimes na Amazônia Rio Adentro, de produção própria e direção de Bruna Arcangelo, para aumentar a conscientização dos brasileiros sobre os perigos que a espécie corre e para chamar a população à ação em defesa dos botos. 

O que diz o governo federal?

Há a informação de que, possivelmente, a Secretaria de Aquicultura e Pesca renovará a moratória por apenas mais 12 meses. Para Nathalie, a decisão não faz sentido. Ela questiona o motivo de se considerar retomar uma prática de pesca que tem o comércio considerado ilegal e é marcada pela ausência de estruturas de fiscalização.

Um prazo de um ano não é produtivo para o desenvolvimento de conhecimento e estudos sobre o quanto a moratória de fato contribui para a proteção dos botos, por mais que já tenhamos muitas evidências de que a não presença da moratória é, sim, um grande risco às espécies.”

A equipe da Change.org procurou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para saber se a Secretaria de Aquicultura e Pesca acolherá o pedido dos cientistas pela renovação por tempo indeterminado da moratória que proíbe a pesca da piracatinga. 

Por meio de nota, o ministério informou que há a previsão de prorrogação da moratória, mas não disse por quanto tempo. “O período estabelecido para renovação da moratória configura-se a ação mais adequada para o panorama verificado.”

O órgão ressaltou que a moratória consiste em uma estratégia de ordenamento na qual a captura de determinado recurso pesqueiro é proibida por um período estipulado, para a recuperação dos seus estoques em níveis sustentáveis. Porém, disse que, “neste caso, a moratória está pautada não por causa do estoque da piracatinga, e sim a partir de denúncias de uso de iscas de botos e jacarés na técnica de pesca utilizada para a espécie”.

O ministério ainda esclareceu que a atividade de pesca da espécie piracatinga é um dos grandes desafios da gestão pesqueira na bacia Amazônica. Segundo a pasta, o uso de resíduos de animais como isca implica no desenvolvimento de medidas de gestão para a exploração sustentável dessa espécie, com respostas para a diversidade biológica amazônica.

Por fim, o órgão informou que a Secretaria de Aquicultura e Pesca coordena discussões sobre essa atividade. Um Grupo de Trabalho reúne representantes de instituições federais e estaduais relacionadas a biodiversidade amazônica, pesquisa, fiscalização ambiental e atividade pesqueira, além de categorias de trabalhadores.

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