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“A luta não acabou”, diz ativista sobre leilão de petróleo em Abrolhos

Tamires Alcântara coletou 1,1 milhão de assinaturas contra leilão, comemora resultado sem ofertas, mas quer ver bacia fora do sistema da ANP

Parlamentares se unem a ativistas em defesa de Abrolhos (Foto: Rafael Sampaio/Change.org)
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Um dia depois de ir até o Congresso Nacional e ao Ministério Público Federal (MPF) entregar 1,1 milhão de assinaturas pedindo que os blocos localizados no entorno do Parque Nacional Marinhos dos Abrolhos não fossem leiloados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), a ativista ambiental Tamires Felipe Alcântara diz estar com uma sensação de “dever cumprido” por ter vencido uma primeira batalha. A 16ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da agência terminou, nesta quinta-feira 10, sem ofertas para a bacia de Camamu-Almada.

A mobilização de Tamires começou há seis meses por meio de um abaixo-assinado aberto na plataforma Change.org e ganhou apoio da Conexão Abrolhos, coalizão integrada pelas organizações Conservação Internacional, Oceana, Rare, SOS Mata Atlântica, WWF-Brasil e pelo grupo Liga das Mulheres pelos Oceanos, que denunciou os riscos da extração de petróleo e gás na região com a mais rica biodiversidade do Atlântico Sul. A ativista e as ONGs se uniram, na última quarta-feira 9, para o ato de entrega das assinaturas da campanha. 

“Desde que eu comecei a petição, as pessoas pediam que eu estivesse preparada para o pior, porque todo esse trabalho poderia não dar em nada. Apesar de em alguns momentos eu ter ficado desanimada, como quando a ANP respondeu à petição dizendo que os blocos não seriam excluídos, eu escolhi acreditar que ainda era possível conseguir uma vitória. Mesmo que os blocos ainda possam ser ofertados futuramente, saber que isso não aconteceu hoje [ontem] me deu uma sensação de dever cumprido”, comenta sobre o resultado do leilão. 

Nenhuma das 17 petroleiras que se inscreveram para a rodada de licitações apresentou ofertas para 24 blocos do total de 36, entre eles os quatro localizados nas proximidades de Abrolhos. O leilão foi concluído com o arremate de 12 blocos por 10 empresas vencedoras. Depois do certame, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, informaram que as áreas não leiloadas entrarão no sistema de ofertas permanentes da Agência Nacional do Petróleo. O governo arrecadou R$ 8,9 bilhões com o leilão. 

“É a sensação de que lutar vale a pena”, declara Tamires. “A luta não acabou. Agora precisamos ficar de olho e tentar fazer com que os blocos sejam excluídos desse sistema de ofertas permanentes”, completa a ativista enfatizando que a mobilização em defesa do Parque Nacional Marinhos dos Abrolhos, localizado no litoral sul da Bahia, prosseguirá. A região, que possui alta sensibilidade ecológica, tem mais de 1.300 espécies marinhas, sendo 45 consideradas ameaçadas, além de uma grande área de recifes costeiros e manguezais.

Pressão no Congresso e no MPF

Durante a campanha, além de ter recebido apoio das organizações da Conexão Abrolhos e das mais de 1,1 milhão de pessoas que assinaram a petição, inclusive na França e na Alemanha, Tamires decidiu recorrer a quem poderia ajudá-la a cobrar diretamente o governo federal pela retirada dos blocos do leilão. Por isso, reuniu todas as assinaturas e fez um ato simbólico de entrega a sete parlamentares e à 4ª Câmara do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF.

Na ocasião, a ativista fez um discurso chamando a atenção para os ataques que o meio ambiente vem sofrendo no Brasil. “Atualmente nós estamos vivendo uma catástrofe ambiental, com danos irreversíveis. Enquanto eu falo aqui, árvores estão virando cinzas, animais estão sendo queimados vivos, neste momento as praias do Nordeste estão tomadas por petróleo”, disse. “Lembrem-se de Mariana e de Brumadinho, lembrem-se de todos os crimes ambientais que já aconteceram e que estão acontecendo agora em vez de rezar por Abrolhos depois”. 

A luta de Tamires recebeu o apoio dos deputados Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Casa, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, além de outros parlamentares presentes ao ato. Todos cobraram responsabilidades do governo e alertaram sobre a “tragédia anunciada” que seria o leilão. 

A ativista pelo meio ambiente e defensora dos animais Tamires Felipe Alcântara, de 32 anos (Foto: Rafael Sampaio/Change.org)

“Essa quantidade de assinaturas, na velocidade que foi alcançada, é a maior prova de que esse é um tema que toca a sociedade brasileira e, portanto, é obrigação do Congresso Nacional e do governo federal evitar, antes que ocorra esse grave crime ambiental que será a destruição da biodiversidade e dos recifes e corais de Abrolhos”, declarou Molon sobre o volume de assinaturas que as petições em defesa do parque marinho alcançaram. 

O deputado Nilto Tatto fez questão de lembrar que o governo “passou por cima” de recomendações técnicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para autorizar a inclusão dos blocos próximos a Abrolhos na rodada de licitação da ANP. 

“O Brasil ainda não tem todo o conhecimento, todas as pesquisas necessárias sobre a riqueza da biodiversidade que há naqueles recifes”, explicou o deputado. “Por isso, os técnicos do ICMBio já vêm desde 2003 recomendando, e tem decisões, inclusive, governamentais de que não se deveria colocar para leilão aqueles poços antes de haver clareza sobre o que se tem ali de riquezas e das precauções que precisam ser tomadas com relação a isso”, completou. 

Na mesma linha seguiu o advogado da WWF-Brasil, Rafael Giovanelli, enfatizando que o leilão dos blocos de Camamu-Almada seriam uma ameaça não só ambiental, mas também política.

“Desde 2003 as próprias normas do governo exigem que as variáveis ambientais sejam consideradas antes que sejam licitados blocos para exploração e produção de petróleo. Em 2012, uma portaria interministerial do Ministério de Energia e do Ministério do Meio Ambiente definiu expressamente que áreas sensíveis precisam de uma avaliação ambiental estratégica prévia para só depois das conclusões desse estudo essas áreas poderem ser leiloadas”, falou o advogado. “De forma política, discricionária, desrespeitando as próprias regras que criou para si, [o governo] passou por cima da opinião técnica do Ibama e colocou os blocos no leilão”.  

Pressões de diversos lados influenciaram as empresas a não apresentarem ofertas para a bacia de Camamu-Almada, no entorno de Abrolhos. Além da forte cobrança de ambientalistas e de ativistas, como da campanha gigantesca criada por Tamires, os blocos se tornaram alvo de questionamentos na Justiça e no MPF. Com isso, as petrolíferas sofriam o alto risco de comprar os blocos e depois não conseguirem licença ambiental para operá-los. 

Ministro foge de ativistas

Além de entregarem o 1,1 milhão de assinaturas aos parlamentares e aos procuradores Nicolao Dino de Castro e Costa Neto e Daniel Cesar Azeredo Avelino, da 4ª Câmara do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, Tamires e as ONGs participaram de uma audiência na pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Realizada também na quarta-feira (9), a sessão contou com a participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que falou aos deputados. 

Durante quatro horas, a ativista, os representantes da Conexão Abrolhos e a equipe da Change.org ficaram na audiência, aguardando uma ocasião para entregar o abaixo-assinado ao ministro, que se comprometeu a recebê-lo. Entretanto, após a tensa reunião, Salles se recusou a receber as assinaturas e saiu blindado por seguranças. Depois que o ministro disse “não” à integrante de uma das ONGs, um de seus assessores acabou pegando a petição.   

“Confesso que apesar de saber que ele tem um problema com enfrentamentos, eu realmente acreditei que ele receberia a petição, já que ele disse que faria isso. Então foi uma grande decepção para mim quando ele nos ignorou e foi embora escoltado. Nossa entrega seria pacífica e cordial, e o dever dele como agente público em uma democracia é ouvir a sociedade e estar aberto ao diálogo, e mais uma vez ele mostrou que não tem preparo para isso”, fala Tamires, que durante a audiência segurou visíveis faixas e cartazes alusivas à petição. 

Após audiência, Ricardo Salles deixou a comissão escoltado por seguranças e assessores (Foto: Rafael Sampaio/Change.org)

O Ministério do Meio Ambiente, Ibama e a ANP sempre sustentaram a permanência das áreas próximas a Abrolhos em leilão, tanto que logo após o encerramento do certame, o diretor-geral da agência disse esperar que os blocos não leiloados sigam para o regime permanente de ofertas em um prazo relativamente curto. Neste sistema, a qualquer tempo empresas podem apresentar interesse, fazendo com que a ANP abra novo leilão. “Seguiremos defendendo Abrolhos e o meio ambiente. Apesar de ser uma luta, por vezes, cansativa e desanimadora, não podemos desistir. Afinal, são vidas que estão em jogo”, declara a ativista. 

Em comunicados anteriores à imprensa, Ibama e Ministério do Meio Ambiente informaram que a realização do certame não significa autorização automática para exploração de petróleo e gás, nem antecipa resultado do licenciamento, que inclui análise técnica da viabilidade ambiental do empreendimento. Já a Agência Nacional do Petróleo respondeu o abaixo-assinado criado por Tamires na plataforma Change.org. 

A ANP informou que a oferta dos blocos na bacia de Camamu-Almada foi aprovada pois considerou-se que a viabilidade ambiental do projeto seria avaliada durante o processo de licenciamento ambiental. A agência destacou, ainda, que o bloco oferecido na rodada de licitações mais próximo a Abrolhos fica a mais de 300 km de distância do parque.

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