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Os desafios para um novo ciclo de política de Habitação de Interesse Social

Com Lula lá, poderemos constituir com mais criatividade e generosidade

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Nos últimos 13 anos, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi implementado no estado da Bahia como forma única de responder à demanda pela produção de Habitação de Interesse Social (HIS). Os empreendimentos imobiliários contratados com recursos do programa nos municípios baianos somam cerca de 356 mil das mais de 4 milhões de unidades contratadas em todo o Brasil nas quatro faixas de renda, entre 2009 e 2019.

Em que pese a magnitude desses números, os dados divulgados na publicação Déficit Habitacional no Brasil – 2016-2019, editada pela Fundação João Pinheiro (FJP) e pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), mostram que a variação percentual do déficit habitacional no estado caiu 8,35% em relação ao ano de 2015, saindo, em números absolutos, de 451.881 para 414.109 unidades.

Mesmo que se considere o incremento sofrido pela população do estado no mesmo período que, segundo projeção do IBGE, elevou em 243.840 o número de habitantes e implicou no aumento da demanda por novos domicílios, é evidente que a produção de unidades de HIS contratada ainda não foi suficiente para impor uma drástica redução do déficit.

Sob o modo de produção capitalista, a demanda por novos domicílios não decorre somente do crescimento demográfico, mas, principalmente, dos processos de concentração de renda, de livre concentração da propriedade imobiliária e do consequente aumento da desigualdade entre as classes sociais que alimentam os três componentes do déficit: número de famílias em habitações precárias; famílias em coabitação; e famílias com ônus excessivo com aluguel. Em resumo: enquanto houver a propriedade privada de imóveis e, principalmente, a inexistência de mecanismos eficazes para coibir a sua livre concentração em poucas mãos, o déficit habitacional será um problema insolúvel.

Então, cabe questionar: se o problema não pode ser completamente solucionado sem a ruptura completa dos axiomas que regem a nossa sociedade, como podemos, ao menos, ser mais eficazes em atenuá-lo e mitigar suas consequências?

A complexidade da questão nos faz pensar que é impossível respondê-la com uma toada só. Pensamos, então, que é necessário fazer um esforço para responder o que não fazer, eliminando algumas das falsas respostas conhecidas e fazendo uma aproximação sucessiva de soluções alternativas a elas.

A primeira falsa resposta, que nem sempre é anunciada, mas parece estar implícita na lógica que deu origem a todos os programas habitacionais já experimentados no Brasil, é a de que o déficit habitacional só pode ser enfrentado com a construção de novas unidades habitacionais. Os dados do relatório da FJP/MDR mostram que, apesar da contratação e construção de mais unidades, o déficit pouco recuou com a estratégia de concentrar recursos e esforços nessa alternativa.

Pensamos que um novo ciclo de enfrentamento do déficit deve superar essa concentração, descentralizando recursos para outras modalidades de HIS, como a que propõe o aproveitamento de imóveis desocupados (muitos implantados em áreas bem servidas de infraestrutura), através do levantamento, cadastro e reforma para convertê-los em unidades de HIS que podem, inclusive, servir para constituir um parque público de moradias acessadas através de aluguel social.

A segunda falsa resposta, que também está implícita na concentração de recursos para financiar a produção e a aquisição de unidades de HIS, é a de que só as grandes empresas do mercado imobiliário têm capacidade de produzir na escala necessária para enfrentar o déficit habitacional. Na Bahia, apenas 872 (0,24%) unidades, distribuídas em três empreendimentos, foram contratadas na modalidade “entidades” do MCMV –  que possibilitava o acesso ao financiamento para a produção de HIS diretamente pelos beneficiários (Pessoas Físicas) ou por suas entidades organizadoras (Pessoas Jurídicas).

A superação do subfinanciamento dessa modalidade de contratação pode ser também uma alternativa para desconcentrar recursos e multiplicar a quantidade de projetos de menor escala, geridos pelas próprias entidades que, com acesso aos recursos para a aquisição de terra, materiais e assistência técnica de arquitetos, engenheiros, urbanistas e outros profissionais podem contribuir (e muito!) com a mitigação do déficit, sem onerar, como fazem as empresas, os custos da produção com a necessidade do lucro.

A terceira falsa resposta é a de que as unidades habitacionais precárias existentes devem ser substituídas por novas unidades. A exceção daquelas implantadas em áreas suscetíveis a riscos geológicos, inundações e outros condicionantes naturais comprometedores da segurança física e da habitabilidade, as unidades precárias –  que na Bahia chegam a ser 157.927 – podem ser objeto de requalificação e regularização para atender aos parâmetros urbanísticos, arquitetônicos e jurídicos requisitados. Uma terceira alternativa de ação para mitigar o déficit consistiria na oferta de recursos para que as próprias famílias possam adquirir materiais e acessar serviços de Assistência Técnica à Habitação de Interesse Social (ATHIS) para regularizar suas residências.

As alternativas aqui aventadas restam como desafios para um novo ciclo de política de Habitação de Interesse Social que, com Lula lá, poderemos constituir com mais criatividade e generosidade no Brasil e na Bahia.

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