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O saldão de Paulo Guedes no Rio de Janeiro

Cariocas estão desafiados a defender o Gustavo Capanema, o campus da Praia Vermelha, a Casa da Ciência, as escolas e bibliotecas

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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“Quando ouço falar em cultura, levo a mão ao revólver”. Atribuída a Goebbels, ministro da propaganda nazista, e a Goering, chefe da Gestapo, esta frase é de um personagem de peça teatral de autoria do nazista Hans Jost, que estreou em Berlim em 1933, ano em que Hitler subiu ao poder. Ao longo do tempo, mereceu uma paródia: “Quando ouço falar em cultura, levo a mão ao talão de cheque”. A frase original e sua paródia não são contraditórias e, muitas vezes, caminham juntas e se complementam, como bem ilustram Bolsonaro e Guedes, manifestando, cada um a seu modo, desprezo pela cultura e pela arte – o primeiro como agente da violência que tudo destrói; o segundo como agente do dinheiro, que tudo reduz a quantidades homogêneas, indiferenciadas. É o que vemos, estupefatos, na tentativa de privatização do extraordinário patrimônio histórico e artístico que é Palácio Gustavo Capanema.

De um momento para outro, numa espécie de competição pela medalha de ouro em estupidez, o prefeito do Rio de Janeiro fala de passar nos cobres os terrenos de uma escola e de uma biblioteca. E até mesmo a Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro por meio do BNDES, que por sua vez subcontratou o Banco Fator, anuncia intenção de entregar de 50% do campus da Praia Vermelha para a implantação de uma selva de pedra (14 espigões), cujo projeto prevê a derrubada do Pavilhão Alaor Prata do antigo Hospital Nacional dos Alienados, parte da História da Saúde Mental do Brasil, que teve início com a criação do Hospício Pedro II (1841), atual Palácio Universitário, tombado pelo IPHAN em 1972. Certamente, não é uma casualidade que a privatização do campus da Praia Vermelha e o saldão de imóveis no Rio de Janeiro estejam a cargo do mesmo setor do BNDES – a Secretaria de Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados.

Mas os que se levantam em defesa da Casa da Ciência e do campus inalienável da UFRJ, assim como do histórico prédio do MEC, em cujo pátio estudantes de 1968 tantas vezes manifestaram contra a ditadura, não devem perder de vista os outros mais de 2000 imóveis, 600 dos quais no centro da cidade do Rio de Janeiro, que se pretende entregar ao capital financeiro-imobiliário na bacia das almas. Ainda que fosse admissível vender um ou outro imóvel, qualquer estudante de economia do 1º semestre conhece a lei da oferta e da procura e sabe que nenhum operador imobiliário, por mais inepto que fosse, lançaria no mercado tão grande número de imóveis, fazendo desabar os preços de mercado e dilapidando seu patrimônio. Como qualificar o economista responsável por esta gestão patrimonial?

Mais importante, porém, que discutir preços daquilo que não tem preço, é entender que uma cidade não é feita apenas de edificações e paisagens icônicas, por mais importantes que sejam, como de fato são o Gustavo Capanema e a Casa da Ciência. Uma cidade é feita também de vias, passagens, espaços edificados e livres, árvores, canais, jardins, praças, largos, esquinas, botequins, lugares portadores de sentidos e significados, que constituem a tessitura da cidade como constructo social, obra coletiva… isto é, como cultura. A cidade é cultura coagulada em lugares e é também cultura viva, em incessante processo de (re)invenção pelos citadinos, agentes anônimos, porque coletivos, dessa obra que é única, irreprodutível… e que, por isso mesmo, deve ser vista como bem público cujo valor, inestimável, não é conversível a valores monetários. Por esta razão, defender a cultura é também defender a cidade.

E nesta defesa, não há como não considerar as centenas de milhares de famílias sem teto ou em moradias inadequadas, que exigem uma política que assegure, como está na constituição, o direito à moradia, a mesma Constituição que determina que a propriedade deve atender a sua função social (Art. 5, inciso XXIII), enquanto o Estatuto da Cidade assegura que isto se aplique à propriedade urbana (Lei 10.257, Art. 39). Como se isso não bastasse, a Lei 11.124 (Art. 4º) estabelece que imóveis públicos não utilizados devem ser consagrados a habitações de interesse social, regra também constante da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (Art. 233) e da Lei Orgânica do Município (Art. 437).

Cariocas de nascimento e adoção estão desafiados a defender o Gustavo Capanema, o campus da Praia Vermelha, a Casa da Ciência, as escolas, bibliotecas e centros de cultura, alma de nossa cidade impregnada nos demais 2000 imóveis do feirão de Bolsonaro-Guedes. Estamos desafiados a defender a cidade como espaço público, integrado e democrático, que garanta a todos o direito à moradia, à cultura e à cidade.

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