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A luta pelo direito à cidade em Salvador

Na capital baiana, as vozes das comunidades dos territórios populares começam a ganhar visibilidade

Vista aérea do bairro da Pituba, em Salvador. Foto: istock
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O direito à centralidade tem sido um dos temas constantes nas lutas pelo direito à cidade ao redor do mundo diante de projetos urbanos elitistas. Agora, o debate é ainda mais urgente em meio à crise sanitária. A pandemia tornou as desigualdades sociais ainda mais explícitas no cenário urbano global, forçando a sociedade a agir em prol do bem comum.

Em Salvador, quem luta pelo direito à cidade e começa a ganhar visibilidade na pauta urbana são as vozes das comunidades dos territórios populares. São essas comunidades que estão na posição de liderar o movimento que vai de encontro a projetos públicos e privados que visam retirar pessoas de suas moradias de forma desumana e ilegal, inúmeras vezes nas áreas centrais da cidade.

Em diversas capitais brasileiras, e particularmente em Salvador, estratégias do mercado imobiliário voltam-se de maneira avassaladora para as áreas centrais, fortalecidas por mecanismos institucionais como flexibilização de parâmetros urbanísticos, cessão e venda de bens públicos ou formação de parcerias público-privadas.

Para a população residente em territórios populares no Centro tradicional da cidade, ou em outras centralidades urbanas, morar significa conviver permanentemente com a ameaça de perder suas moradias e seus meios de sustento.

Não têm sido poupadas nem mesmo as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), instrumento urbanístico que impõe ao poder público municipal a obrigação de regulamentar, regularizar e priorizar investimentos nos bairros populares em reconhecimento da moradia como direito fundamental.

O Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), junto com movimentos sociais, pesquisadores e outros agentes sociais de Salvador estão na rua com a “Campanha ZEIS Já! Pelo Direito à Moradia e à Cidade”. O movimento surge no rastro da “Campanha Nacional Despejo Zero!” e traz como uma das pautas importantes do debate urbano o direito à centralidade.

Práticas e discursos ancorados em lógicas corporativas de produção da cidade, cada vez mais presentes, acentuam as tensões na cidade, conformada em uma arena de disputas e conflitos. É possível identificar os agentes principais nessas disputas: o Estado, os interesses privados e as forças sociais (individuais ou coletivas). Esses agentes, a partir de suas singularidades e recursos de poder, disputam concepções de sociedade, mesmo quando os valores, as crenças e os propósitos por meio dos quais entram em confronto (ou se alinham), não estejam explícitos.

Na cidade, há espaços de maior interesse do mercado imobiliário. As centralidades certamente se destacam, tendo como alvo os bens públicos e os territórios populares, mesmo aquelas áreas definidas como ZEIS no Plano Diretor. Relacionar o direito à cidade com o urbano é tratar também do direito à centralidade, que assume características para além do caráter geográfico que marca o espaço, mas também do caráter simbólico que o define e caracteriza.

Pare e pense: onde pulsa o comércio e estão concentrados os serviços e os equipamentos? Onde a vida urbana acontece mais vigorosa e as pessoas se encontram mais facilmente? Onde as relações se intercruzam e concretizam? Pode-se dizer: no centro. Ou seria nos centros?

Considerando que as grandes cidades são policêntricas, melhor mesmo é falar de centralidade como qualidade do urbano que se relaciona com o uso da cidade. Mas a mesma ideia de centralidade se atrela a sentidos ligados ao valor de troca, hegemônicos nos termos da ordem capitalista dominante, que operam na conversão de valor de uso em valor de troca visando transformar a cidade em mero negócio e esvaziando sua condição de bem comum.

Agora que as atenções do mercado imobiliário e das instâncias municipal e estadual do Estado se voltam para o Centro, a pressão sobre as comunidades populares está intensa. Uma das maneiras de assegurar a permanência dessa gente no seu lugar é a defesa do instituto das ZEIS.

As ZEIS são espaços da cidade destinados à moradia popular, compreendendo áreas vazias ou ocupadas definidas no Plano Diretor. Na área do Centro foram demarcadas 11 (onze) ZEIS, duas no Centro Histórico e nove no Centro Antigo, quantidade reduzida se considerada a magnitude do problema habitacional nessas áreas. Apesar da conquista relativa à inserção dessas ZEIS no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2016, esta não é suficiente para assegurar a permanência das famílias no território, seja por pressão do mercado imobiliário ou pelo próprio poder público municipal, que atua de forma contraditória.

Ao mesmo tempo em que promove ações voltadas ao direito à moradia social, com a institucionalização das ZEIS no Centro, a Prefeitura de Salvador implementa projetos que expulsam as famílias de suas casas e colocam áreas de ZEIS à disposição do mercado.

Nessa ambiguidade, cresce de importância a atuação dos movimentos sociais na garantia de direitos já conquistados, sendo as ZEIS um dos principais instrumentos de luta. Considerando que são esses grupos e comunidades que têm defendido a política urbana na sustentação do princípio da função social da cidade e colocado em prática o direito à moradia, fundamentais para o fortalecimento da centralidade, por que retirar a centralidade do Centro?

Em defesa do direito à centralidade para o exercício do direito à cidade, a “Campanha ZEIS Já!” traz o tema à agenda pública para cobrar a efetiva regulamentação das ZEIS para o cumprimento da função social da propriedade urbana e da garantia da moradia social nos centros urbanos.

A efetivação das ZEIS está em disputa, instigando mobilizações sociais, pressões associadas a interesses econômicos e políticas públicas. Deste modo, a apropriação deste instrumento por movimentos sociais, acadêmicos e gestores públicos comprometidos com o direito à cidade se impõe na ordem do dia.

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