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A construção social da invisibilidade urbana

Para a maioria das populações que habitam as periferias das cidades brasileiras, a invisibilidade se confunde também com outras negações básicas

Foto: NakNakNak / Creative Commons / Pixabay
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Nas cidades brasileiras, os habitantes contam com a imposição dos estigmas da violência, delinquência e invisibilidade. São processos evidentes na formação do espaço brasileiro já associados ao que se tem chamado de necropolítica urbana. 

 Para a maioria das populações que habitam as periferias das cidades brasileiras, a invisibilidade se confunde também com outras negações básicas, como luz, água, participação e também o direito a existir e à vida. 

A constituição da invisibilidade é uma construção social singular e própria de um modelo civilizatório em que o primado da mercadoria é tido como valor absoluto. Segundo esse modelo, os indivíduos e os grupos sociais tendem, em momentos estratégicos de sua reprodução social, à invisibilidade. 

Enquanto para um grupo a invisibilidade é estratégica para assegurar a manutenção de seus privilégios, para outro  ela é uma herança perversa que oprime e sinaliza para a persistência da negação de seus direitos. É por meio da construção de narrativas e discursos que se travestem de legitimidade que cenários opressores se formaram ao longo da história da sociedade humana. 

É segundo essa perspectiva que processos violentos, como o extermínio das populações americanas nativas na América, se viram plenamente justificados e que judeus foram mortos em campos de concentração na Alemanha. 

A partir disso, torna-se plenamente compreensível que, ainda nos tempos atuais, seja possível rastrear elementos do processo de invisibilização social – não apenas de indivíduos e grupos sociais.

Sobre muitas das concepções hegemônicas que se impõem nas falas tanto do cidadão comum quanto dos cidadãos que ocupam posições públicas, a invisibilidade social atinge, preferencialmente, os agentes mais vulneráveis, seja do ponto de vista econômico, ou mesmo político. 

Dói e muito não ser visto, percebido e ouvido. Então, o que há de necessidade imperiosa é entender que os usuários dessas expressões detêm uma dificuldade básica que sinaliza a impossibilidade de lidar com o conflito e conviver com o diferente. Ressalte-se que essa reflexão não é particular na sua aplicação a grupos de minoria política, pois o processo de invisibilização do outro é próprio de todos os grupos sociais. 

Seja na dimensão do espaço geográfico, ou ainda virtual, o processo de tornar o outro invisível é um instrumento de poder e, como tal, deve ser enfrentado por meio de um outro que o subverta. Qual? A democratização da fala e do acesso aos recursos de poder social.

No Brasil, há um instrumento da política urbana que foi pensado para tirar da invisibilidade dessas populações, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Elas são um instrumento que ganhou força no Brasil na década de 1980 como parte do conjunto de conquistas que nos deram a Constituição Federal de 1988. Direito à moradia e o direito à cidade em nosso País não seriam os mesmos sem sua existência.

Pode-se dividir sua natureza em pelo menos duas: de regularização e de vazios. Ambas têm por fundamento o aumento da oferta de terra para Habitação de Interesse Social (HIS). As de regularização têm por fim, como diz o nome, regularizar terras a fim de garantir não apenas a posse, mas, sobretudo, os caminhos para que projetos de HIS sejam implementados. 

As ZEIS de vazios têm entre suas finalidades aumentar a oferta de terra para HIS. São constantemente alvo de especulação imobiliária, já que as localizações por vezes são próximas aos centros de serviços. No ano de 2009, tínhamos 1500 municípios no Brasil com ZEIS implementadas. Desses, há um caso que pode nos ajudar a entender sua a importância. 

Diadema, em São Paulo, chegou a ter 70% de sua área urbanizável para uso industrial e apenas 3% para lotes de habitação. Após a implantação das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) no ano de 2010, após a migração das plantas industriais para municípios vizinhos, o percentual de lotes para Habitação de Interesse Social na cidade subiu para 6,5%.  O resultado, no entanto, vai além dessa dimensão. 

Do total de 219 núcleos habitacionais precários, 152 estavam em 2010 totalmente urbanizados e 90% das vias asfaltadas com abastecimento de água e esgoto. A implantação também desestimulou a ocupação de áreas de preservação ambiental por populações carentes. A política urbana deve muito em sua eficácia e alcance a obediências às ZEIS municipais. O processo de invisibilidade aqui referido seria de fato minimizado pela simples aplicação de um instrumento de planejamento urbano.

Muito mais que a obediência legal ao que está escrito, a implementação das ZEIS é capaz de incluir e mudar a trajetória de centenas de pessoas nas grandes e médias cidades brasileiras e tirá-las da invisibilidade. É uma tarefa politica e não técnica já que depende de um projeto de cidade e de civilização.

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