Blog do Sócio

A real história dos golpes no Brasil

Não se pode entender as turbulências que marcaram o nosso País nos últimos anos sem uma devida compreensão histórica da política brasileira

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O primeiro governante a experimentar o amargo sabor de um golpe foi o imperador Pedro II, miseravelmente traído pelos seus auxiliares mais próximos.

A badalada Proclamação da República, diga-se a pura verdade, foi um repulsivo golpe militar, urdido pela elite da época em conluio com os marechais Floriano Peixoto, Deodoro da Fonseca e o autor intelectual do movimento, o tenente-coronel Benjamin Constant.

Ocorreu, conforme o ritual de traição e conspiração, que escorrem pelas sarjetas de todos os golpes.

Uma ironia: quem entregou o decreto de banimento ao imperador e já havia sugerido o seu fuzilamento, foi o avô de FHC, o alferes Joaquim Ignácio Cardoso. E um detalhe: a história não registra um único crime de responsabilidade que justificasse a deposição de D Pedro II.

 

E muito menos de Júlio Prestes, que em 1930 venceu as eleições presidenciais pelo placar de 1.091.709 votos, contra 742.794 votos recebidos por Getúlio Vargas e mesmo assim não pôde assumir a presidência, porque gaúchos, paraibanos e mineiros se uniram com a argamassa do golpismo, inventaram uma revolução e interromperam a estabilidade democrática do País.

Como quem escreve a história são os vencedores, o golpe que proclamou a Republica ainda hoje é comemorado pelos brasileiros e a “Revolução de 30” é exaltada em todo o País, por todo os tempos.

Pausa para informar que o presidente Washington Luís cometeu duas besteiras políticas. Tentou romper com a dobradinha Café com Leite e praticou a suprema ousadia de brigar com o paraibano Assis Chateaubriand, dono absoluto dos Diários Associados, poderosa rede midiática, com a força de transformar uma querela paroquial em fato político de intensa repercussão nacional. Em outras palavras, João Danta que assassinou João Pesso não tinha nada a ver com as brigas do café de São Paulo com o leite de Minas Gerais.

Se lá nos tempos imperiais quem golpeou o filho de D. Pedro II foi a elite em conluio com os militares, em 1930, fatia de uma burguesia desgarrada do poder, com o auxílio luxuoso do monopólio midiático de Chatô, obrigou o candidato eleito pelas regras democráticas a se asilar no consulado britânico.

Getúlio Vargas

Vale informar que Getúlio Vargas, ao longo dos 19 anos que esteve manuseando os destinos do País, com suas reformas de modernização trabalhista aproximou-se dos trabalhadores na mesma proporção que promoveu insatisfações na galera que habita a Casa Grande.

O jornalista Lira Neto, que biografou o presidente, fala dos tentáculos midiáticos sendo acionados e a TV Tupi de Chateaubriand escancarando seus canais ao turbulento Carlos Lacerda, que utilizava também seu próprio jornal, Tribuna da Imprensa, para pressionar a renúncia do gaúcho. As ondas golpistas da Rádio Globo de Roberto Marinho completavam o esquema.

A pressão foi tão intensa e imensa que no dia 24 de agosto de 1954 o “Pai dos Pobres”, entre renunciar, ser golpeado ou atirar no peito, preferiu “sair da vida para entrar na história”.

O estampido que remeteu o presidente Getúlio Vargas para a história tangeu o povão para as ruas. Udenistas e comparsas, assombrados, recolheram-se.

 

Não demorou muito tempo!

Perderam a eleição seguinte e já botaram novamente as unhas de fora, tentando impedir a posse de Juscelino na presidência da República. Desta vez quem cortou as unhas dos golpistas foi a espada do marechal Teixeira Lott.

Deu-se que, em 1961, na renúncia embriagada de Jânio, o vice-presidente eleito João Goulart assumiu o comando do País depois de muita resistência da burguesia nacional e dos comandantes militares. A Campanha da Legalidade liderada pelo governador Leonel Brizola garantiu seu retorno da China e sua posse repleta de concessões.

Não completou nem três anos.

O uruguaio René Dreifuss, no livro 1964 – A Conquista do Estado, descreve banqueiros, grandes empresários e 300 multinacionais americanas abarrotando os cofres do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, o famoso IPES. Um belo nome para designar a usina que fabricou o golpe militar de 1964, derrubando o presidente João Goulart, eleito dentro das regras democráticas do País.

“As vivandeiras alvoroçadas” da UDN, conforme relata o Marechal Castelo Branco, “foram aos bivaques bulir com os granadeiros”, convenceram os militares e deu no que deu.

Os jornais Estadão, Folha, Jornal do Brasil celebraram a instalação do regime militar e O Globo sapecou na primeira página o editorial: “Ressurge a Democracia”.

Deu pra entender: o movimento de 64, que extirpou a nossa frágil democracia, foi uma ardilosa parceria entre o alto comando militar e a elite brasileira, com a participação efetiva da imprensa conservadora e o know-how das vivandeiras da UDN.

Corte para 2016!

Ato contra Dilma na Paulista, em frente ao prédio da Fiesp: o pato gigante era a estrela do movimento

O único personagem do PMDB com projeção nacional e potencial para disputar uma eleição para presidente foi Ulisses Guimarães. Em 1989 amargou um sétimo lugar, com minguados 4% da votação.

Os tucanos montaram na garupa do Plano Real de Itamar Franco e venceram duas eleições. Foi só desapear do Plano Real e perderam quatro seguidas para Lula, seu carisma e sua revolução social. E ainda tinha pela frente 2018 com o petista na frente das pesquisas.

Sem alternativas democráticas, o jeito foi buscar inspiração na experiência udenista, guerreira de tantos golpes.

Quem deu o mote para incinerar 54 milhões de votos foi o peemedebista Jucá: “…tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar a sangria”. Mete no mesmo saco o STF e os militares: “Conversei com alguns ministros do Supremo e os caras dizem que só tem condições sem ela”. “…Estou conversando com os militares, os caras dizem que vão garantir”.

No dia 10 de março de 2016, peemedebistas e tucanos reunidos na residência do senador Tasso Jereissati traçaram as diretrizes para consolidar politicamente a queda da presidenta.

Já o ‘respaldo popular’, necessário em todos os golpes, veio montado numa megamanifestação convocada à exaustão por repórteres da Rede Globo, estrategicamente espalhados por todas as capitais do País.

Mesmo com todas as articulações políticas, apoio popular forjado, militares atentos e o Supremo na jogada, alguma coisa ainda faltava.

Na noite anterior à votação do impeachment na Câmara, conduzida pelo maior corrupto do País, a versão eletrônica da Folha de S.Paulo falava numa enquete que a oposição não dispunha de votos suficientes para tocar o processo. Besteira!

As vivandeiras da Fiesp foram bulir com o bolso dos parlamentares e uma vaquinha de 500 milhões (o jornalista e economista J. Carlos de Assis nunca foi contestado) devidamente distribuída na calada da noite foi decisiva para iniciar a consumação do golpe.

E foi assim que o mandato de quatro anos da presidenta eleita pela maioria dos brasileiros foi brutalmente interrompido.

A Fiesp, como o IPES, tem a cara da burguesia nacional; peemedebistas e tucanos compõem a mesma laia das vivandeiras udenistas e a imprensa (direita volver) tupiniquim é a mesmíssima que deu as boas-vindas à ditadura militar de 64.

Só faltaram as armas!

Ocorre que a interrupção do mandato da presidenta precisava ser complementado, considerando que projeto nenhum de golpe se esgota em um ano e meio.

E uma arma de imenso potencial teve que ser acionada: o poder judiciário. Para remover do caminho o carisma insuperável e a popularidade imbatível do ex-presidente Lula.

E todos os malabarismos e malandragens foram acionados. Sem amarras, sem pudor, sem precedentes na história política do País.

João Goulart foi remetido num rabo de foguete e foi criar boi no Uruguai. Lula enfurnaram numa cela de Curitiba.

Corredores livres e a extrema direita tomando as rédeas do País.

É sempre assim!

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