Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

A triste canção do último livro da série ‘Escravidão’ 

Centrado no Brasil Império, o volume final da trilogia de Laurentino Gomes explica o abismo social do Brasil de hoje

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Nas grandes plantações de café, o principal produto da economia brasileira no século XI, um mestre-cantor entoava cantigas canções tristes e melancólicas. As chamadas quizumbas eram acompanhadas em coro por outros escravos e misturavam o português com expressões de origem africana. Essas e outras passagens marcam o tom sociomusical do terceiro volume da série Escravidão (Globo Livros), último da trilogia escrita pelo jornalista Laurentino Gomes.

Neste ótimo trabalho de etnografia, já comentado neste blog, Gomes dedica os volumes I e II ao Brasil Colônia. Já este último tomo é centrado no Brasil Império, e desvela o princípio do descomunal abismo social que até hoje amarga o Brasil. As canções soturnas entoadas pelos negros enquanto trabalhavam na lavoura de café seguem, persistem. E, por isso, nos entristecem.

No Brasil de Dom Pedro I e seu filho, escravocrata e mesquinho, os cafeicultores impunham seus preconceitos e interesses. Embora permitissem aos cativos dançar nos barracões em determinadas ocasiões, como uma forma mínima de entretenimento, também tinham o claro objetivo de afastá-los de revoltas – e, é claro, viam com preconceito essas manifestações culturais. O ritmo sensual do nascente lundu (que depois daria origem ao samba) e a própria música brasileira eram vistos pelos brancos como imorais, e não prenúncios de uma identidade nacional em construção.

O terceiro volume de Escravidão trata também do movimento abolicionista. Naqueles tempos – mais precisamente, na segunda metade do século XIX, o fim da escravidão parecia eminente. Nos dias mais próximos da data oficial de proclamação da abolição, a música e arte se misturavam a discursos e às frequentes manifestações. Até o maestro e compositor Carlos Gomes, quando desembarcava no Brasil, se juntava aos encontros pelo fim do sistema escravista. O fatídico 13 de maio de 1988, narra Laurentino Gomes, foi marcado por um grande festejo para os negros libertos. 

Dias depois, contudo, eles seriam lançados à realidade de em um Brasil disposto a estabelecer uma servidão diferente, que fincaria as bases para o racismo estrutural. Uma liberdade sem direitos, fundamentalmente segregadora e marcada por muita perseguição 

Mantiveram-se os grandes latifúndios improdutivos, empurrando gente às cidades e consolidando o abismo social. A capoeira, herança africana, virou crime. Os batuques e festas do candomblé continuaram sendo vistos com enorme preconceito.

Por oferecer perspectiva aos atos e atitudes normalizados nesses tempos bicudos, o tomo final de Escravidão é uma leitura assombrosa. Como bem diz Laurentino Gomes no fim do livro, nos falta um museu nacional que conte a excrescência da escravidão no Brasil. Sua não criação faz parte do projeto de esquecimento, de apagamento da história. Como se as pessoas nas favelas, ou largadas nas ruas e calçadas, fossem um movimento do acaso e não de séculos de exploração. Enquanto isso, os velhos senhores do açúcar, do café e do tabaco ali retratados continuam sendo os donos do poder.

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