Artigo

Brumadinho, três anos depois. De quem é a culpa pelos desastres naturais?

Moradores de comunidades tradicionais e de áreas periféricas das grandes cidades vivem sob o medo, a insegurança e o descaso com a possibilidade de rompimento de barragens. De quem é a culpa?

Marcha de denúncia do crime no rio Doce (Foto: Leandro Taques/MAB)
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No último mês de dezembro, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, Cemaden, registrou 516 alertas de risco de desastres de origem geo-hidrológica (como deslizamentos de terra, inundações e enxurradas) para mais de mil municípios monitorados atualmente pela instituição

Na Bahia, já passa de 965.000 o número de pessoas atingidas pelas enchentes, sendo que 92.462 seguem desabrigados ou desalojados. Em Minas Gerais, 13.723 pessoas ficaram desalojadas e outras milhares de pessoas tiveram suas casas invadidas por águas contaminadas por rejeitos de mineração. Além disso, moradores de bairros inteiros passaram noites em claro com medo de serem soterrados pelo rompimento de barragens.  No sudeste do Pará, as chuvas do inverno amazônico começaram mais cedo e mais intensas. Só na cidade de Marabá, por exemplo, a inundação histórica do Rio Tocantins atingiu 2,8 mil famílias.

Responsabilizar a chuva pelo estado de calamidade e pelo desespero que tomou conta da vida tanta gente em tantos estados do país, porém, é simplista. Segundo modelagens climáticas brasileiras, é um fato que eventos meteorológicos extremos vão ser cada vez mais frequentes, mas as mudanças climáticas não são fortuitas.

Os danos provocados pelas enchentes são agravados pela atuação irresponsável de mineradoras gananciosas, companhias hidrelétricas privatizadas, um sistema de licenciamento afrouxado pelo governo e uma política habitacional elitista. Todos esses elementos, juntos, empurram os mais pobres para áreas de risco, condenando suas casas, seus bens, sua saúde mental, ou mesmo, suas vidas. De forma geral, os atingidos por barragens fazem parte dessa população historicamente marginalizada que vive com medo, com insônia e em estado de alerta nas encostas de morros, sujeitas a desabamento, em áreas baixas e alagadiças, ou em comunidades tradicionais ameaçadas por grandes empreendimentos. Por isso, os desastres não são “naturais”, mas “socialmente construídos” já que evidenciam as desigualdades socioespaciais do país.

Enchente em Marabá, no Pará (Foto: Igor Meireles/MAB)

Tragédias anunciadas

Vale lembrar que muitas dessas tragédias ditas “naturais” são anunciadas por movimentos sociais, como o MAB, cientistas e documentos como o relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos que alerta sobre o risco das barragens repetidamente. Em Minas Gerais, por exemplo, de 1999 para cá, foram 9 desastres ambientais e humanos com barragens de minérios, dentre eles o de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, que provocaram cerca de 300 mortes.

As duas barragens foram construídas com o método de alteamento a montante, que é obsoleto e considerado por especialistas o menos seguro, em razão dos riscos de acidentes. Ainda assim, a técnica é bastante utilizada no Brasil por ser a mais barata, aumentando os dividendos das mineradoras. De acordo com a lista da Associação Nacional de Mineração (ANM), atualmente, o Brasil tem 84 barragens construídas com essa tecnologia. Essas estruturas transformaram-se em verdadeiros fantasmas na vida dos moradores de áreas onde estão situadas, especialmente depois do rompimento em Mariana.

Na verdade, desastres com barragens expõem um licenciamento frouxo e falhas na fiscalização de hidrelétricas e mineradoras. Licenciados a qualquer custo, esses empreendimentos causam riscos à vida das pessoas, à saúde coletiva, à biodiversidade, ao sistema hídrico, à infraestrutura pública e ao patrimônio histórico e cultural dos territórios.

O desastre ambiental causado pelo transbordamento do dique da mineradora francesa Vallourec, em Nova Lima (MG), por exemplo, foi causado pelo deslizamento de uma pilha de resíduos sólidos que foi aumentada às pressas em 2021 por meio de um processo de licenciamento facilitado, que é insuficiente e inadequado.

Enchentes de Minério

Além disso, as enchentes em Minas são agravadas pelo processo de erosão causado pela mineração no solo. Essa devastação de serras e encostas no estado causa o assoreamento dos cursos de água e, com isso, os rios transbordam muito mais rapidamente, atingindo uma área muito maior.

Nas bacias do Rio Doce e do Paraopeba, os efeitos são piores, já que os rejeitos do minério lançados nos rios pelo rompimento das barragens da Samarco, Vale e BHP Billiton em Mariana e da Vale Brumadinho invadem as casas das comunidades ribeirinhas, submetendo às famílias ao risco da intoxicação com a lama. Dessa forma, a cada ano, milhares de pessoas são novamente expostas à poeira tóxica que sobra no ar e nas casas depois que a chuva cessa, a enchente recua e a mídia desliga as câmeras nos territórios atingidos pelas cheias.

Casa atingida pelas enchentes em Jequié, na Bahia (Foto: Gabrielle Sodré)

Hidrelétricas se transformam em bombas-relógio

Outro risco imposto à população no período chuvoso é o das barragens hidrelétricas que abrem suas comportas para dar vazão ao excesso de água, provocando a inundando das casas dos moradores do entorno. No último mês, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), anunciou a abertura das comportas de diversas barragens que devem atingir pelo menos 33 municípios do Médio e Baixo São Francisco. Será a maior cheia dos últimos 12 anos no Velho Chico. Sem saber a data exata da abertura, as famílias vivem dias de tensão.

O fato é que as mudanças climáticas existem, mudam a dinâmica das chuvas, mas têm sido agravadas e aceleradas por este atual modelo de produção capitalista predatório, que no Brasil é representado pelo governo Bolsonaro.

Para atrelar o período das chuvas a mortes, perdas e traumas, precisaremos enfrentar esse atual modelo energético e de mineração que privatiza os bens naturais e viola os direitos das populações atingidas. O Estado não pode mais ser uma máquina de licenciar a qualquer preço e a qualquer custo esse tipo de empreendimento que coloca o lucro acima da vida. Só vamos mudar essa realidade quando transformarmos as estruturas injustas desta sociedade e construirmos um projeto energético popular, onde a água e a energia não sejam mercadorias, mas a base para a soberania do povo.

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