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Lista tríplice: a via utilizada por Bolsonaro para intervir nas universidades federais

Presidente ignora os nomes mais votados, não respeitando a democracia e a autonomia universitária

Jair Bolsonaro
PRESIDENTE JAIR BOLSONARO. FOTO: EVARISTO SÁ/AFP PRESIDENTE JAIR BOLSONARO. FOTO: EVARISTO SÁ/AFP
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No último dia 4, estudantes, professores e funcionários da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foram surpreendidos com a nomeação do professor Valdiney Veloso como reitor pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele era o nome representante da chapa menos votada nas eleições para a direção da instituição, entre os três que estavam na lista que ele recebeu.

Apesar de surpreender a comunidade acadêmica, já que o professor não tinha um voto sequer do Conselho Universitário, esse não foi um fato isolado. Em quase dois anos, desde que assumiu a presidência, Bolsonaro interviu em 15 nomeações de reitores de universidades federais. Em onze delas, não foi respeitado o nome mais votado, como no caso da UFPB, e em uma delas o nome sequer estava na lista tríplice, o caso da Universidade Federal de Grande Dourados (MS).

A nomeação do professor Valdiney na UFPB ocorre mesmo após ter sido iniciada uma discussão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a inconstitucionalidade da lista tríplice em uma ação ajuizada pelo PV por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6565) em que a UNE é amicus curiae.

Em artigo publicado nesta seção da Carta Capital, no dia 20 de outubro, o jurista e professor por quem nutro profunda admiração, Pedro Serrano, A Autonomia Universitária em Risco com Bolsonaro, avalia criticamente que, uma vez que se faça necessário que o presidente nomeie sempre o nome mais votado, então, não há necessidade de que exista uma lista com três nomes, e que deve-se ter equilíbrio entre as vontade do chefe do Executivo e das instituições.

Pela lei, os reitores e vice-reitores são nomeados pelo Presidente da República por meio de listas organizadas pelas comunidades acadêmica. Evidente que em uma lista tríplice sem valor hierárquico pressupõe-se que a escolha poderia ser feita por discricionariedade do chefe do Executivo. Mas aqui devemos partir de duas premissas: primeiro a de que o movimento estudantil e a UNE, historicamente, tendo como marco o 1° Seminário da Reforma Universitária em 1961, se posicionaram em defesa da eleição dos reitores pela comunidade acadêmica e contrários à lei da Lista Tríplice desde a década de 90.

Em segundo lugar, a escolha de nomes menos votados na lista tríplice não pode estar concatenado com a Autonomia Universitária e nem tampouco sugere qualquer vontade de independência, porque via de regra representa apenas processos formais que exigem que esses nomes constem na listagem, sem angariar apoio de quase ou nenhum setor relevante das instituições

E reforça ainda mais nossa preocupação em relação à autonomia universitária o fato de que desde a redemocratização, nos anos 80, houve apenas uma nomeação de um reitor não eleito pela comunidade: em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, nomeou o terceiro colocado da lista tríplice, José Henrique Vilhena de Paiva, como reitor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para se ter uma ideia, a gestão foi bastante turbulenta durante os quatro anos e marcada por caos e impopularidade. A reitoria da universidade carioca, na época, foi ocupada por mais de 40 dias.

Em menos de dois anos Bolsonaro conseguiu fazer isso quinze vezes!

É certo que valendo-se da experiência histórica, e das nomeações feitas pelo presidente, fica nítido seu interesse ideológico em impor controle por sua vontade em nossas universidades e institutos federais, e não uma postura republicana. Mas os efeitos de quando a democracia dentro das instituições não é respeitada são perigosos, afetam a harmonia no ambiente acadêmico, prejudicando também o seu desempenho, com impactos na formação e na ciência do País, prejuízo também para toda sociedade.

Portanto, dado os números apontados acima, em 30% das listas que recebeu, Bolsonaro ignorou os nomes mais votados e as têm utilizado como forma de intervenção e não respeitando a democracia e a autonomia universitária, esta que consta no artigo 207 da Constituição Federal, o que reforça nosso posicionamento pelo fim da lista tríplice.

Já que elas têm seguido uma tendência de ser mais um mecanismo de controle utilizado pelo seu governo para o aparelhamento ideológico, além do MEC (Ministério da Educação), que passa por um esvaziamento de propostas para o aprimoramento do setor, em todos os níveis e sem direcionamento.

Para efeitos do próximo período, vale lembrar que passam pela autonomia universitária os caminhos que tornam a qualidade da pesquisa da universidade pública brasileira e que responderam rapidamente aos anseios e necessidades da sociedade diante da pandemia da Covid-19. Há mais de 300 projetos e pesquisas sendo produzidos dentro das universidades desde março.

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