Cultura

Mazzaropi e a alma rural dos caipiras

Em 13 de junho de 1981, morreu o ator e cineasta que trabalhou na agropecuária antes, dentro e depois das porteiras das fazendas

Desde a juventude, Mazzaropi queria ser artista de circo e representar a cultura do agronegócio
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Embora a quase 2 mil quilômetros de distância, Santo Antônio, cuja data se comemora em 13 de junho, poderá ser originário de Lisboa, em Portugal, ou italiano de Pádua. Histórico ou mitológico o planeta será um só, desajustado, desigual, incongruente, mas de onde for o santo ele continuará a ser casamenteiro.

Mesmo algumas chinas, ferrenhas feministas, na data, acorrerão às cestinhas de pães em suas igrejas. Em São Paulo, na Praça do Patriarca; no Rio de Janeiro, no Largo da Carioca; e assim por todos os lugares em que tal poder for creditado ao santo.

Não só. Em 13 de junho de 1981, o agronegócio brasileiro perdeu importante elo de sua cadeia. Aos 69 anos, faleceu o ator e cineasta Amácio Mazzaropi, que trabalhou na agropecuária antes, dentro e depois das porteiras das fazendas.

Como o santo, o ator era descendente de pai imigrante italiano e mãe portuguesa. Nome e sobrenome entregam suas origens. Nasceu em São Paulo, em 1912, quando a cidade não podia parar. Logo acompanhou os pais para Taubaté e o avô materno a Tremembé, onde aprendeu a ser caipira e animar festas.

Dos 14 aos 17 anos, várias ocupações foram-lhe oferecidas. Negaceou. Queria ser artista de circo, representar a cultura do agronegócio, como devem ter sido alguns caipiras fugidos das páginas de “Os Parceiros do Rio Bonito” (11ª edição, Saraiva, 2010), do inesquecível e imprescindível professor Antonio Cândido.

Depois da Revolução Constitucionalista de 1932 e uma herança da avó materna, consegue formar com a família a Trupe Mazzaroppi, e sair em apresentações pelo interior do estado de São Paulo. Para artistas autênticos, o dinheiro sempre acaba antes do sucesso.

Foi assim com Mazzaropi, que persistiu até chegar aos rádios, TVs e cinema. Assim se tornou agronegócio. Seu elo na cadeia, a cultura. Nela passavam bois, boiadas, ladeados por palmeiras à beira das estradas onde eram cravados muitos corações de quem pulava cercas de mourões lascados, para chegar às varandas com vasos plantados de alecrim e arruda cheirosos, e dentro de casinhas de barro e sapé namorar até a alvorada mandar fugirem.

Amacio Mazzaropi está enterrado em Pindamonhangaba, SP. Não sei se o governador Geraldo Alckmin, nativo da cidade, ruma em sua chalana para visitar seu túmulo. Piedoso como os bons caipiras, talvez o elo culto do agronegócio ficasse feliz. Ou não.

Há muito material iconográfico sobre esse artista maior. Vale apena conhecê-lo e entender a alma rural dos caipiras, sertanejos, caboclos e campesinos brasileiros.

Mas esta coluna por quê? Porque por mais que guitarras elétricas, bandas com 62 componentes, cabelos aplastados ou rockabilly datados, fake entrevistas no Faustão, bailarinas falsas chitas em shortinhos que mal escondem suas nádegas, plateias enfurecidas e deslumbradas, o espírito de Mazzaropi sobrevive no mais empedernido e moderno ruralista.

Desculpem-me o termo, mas cultura é um, vá lá, amenizo, esperma que fecunda mesmo filhos tortos, que terão o carinho e o amor de seus pais.

Se falta-lhes cultura para continuar preservando suas e nossas raízes – vocês têm todo o direito a ver, ouvir e se apaixonar pelo – como é mesmo? – “sertanejo universitário”. Devem ter-se formado e não arreparado nos olhos da cobra verde, pois se arreparassem há mais tempo não amavam a quem amam.

Eu, arremedo, Amácio Mazzaropi, de quem disse que o nosso amor acabou. Ele agora está mais firme do que quando começou.

Nos últimos dias, pensei estar perdendo a vista esquerda. Com muito esforço escrevi bobagens para o GGN e para vocês. Nada não. Saio no jardim e acabo de ver o luar urbanoide de São Paulo. Quero por que quero que ele seja do sertão. Duas semanas sem Andanças Capitais dá nisso.       

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