Política

“Trata-se de um governo extremista e sectário, que busca o conflito”

O governador do Maranhão, Flávio Dino, comenta os ataques do presidente, os rumos da oposição e suas pretensões eleitorais

O governador do Maranhão, Flávio Dino
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O governador Flávio Dino acabara de saber das ofensas de Jair Bolsonaro ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, filho de um desaparecido político durante a ditadura. Antes de iniciar a conversa, pediu um tempo para expressar no Twitter sua solidariedade a Felipe Santa Cruz. “O presidente escolheu governar para poucos, para um grupo”, desabafou. 

“Nitidamente, ele optou pelo conflito.” Brindado com uma menção particular de Bolsonaro, Dino afirma não ter medo e que não abrirá mão do exercício à crítica e à oposição. Na entrevista a seguir, o governador maranhense também fala de suas pretensões eleitorais e dos desafios de administrar um dos estados mais pobres e desiguais do Brasil, sem deixar de pontuar a prisão arbitrária de Lula.

CartaCapital: Como o senhor se sente por receber uma menção especial de Jair Bolsonaro?

Flávio Dino: O mais grave é que a agressão não se restringe a mim. Foi a expressão de um infame preconceito do presidente da República contra uma região e um quarto da população do País. Se pensarmos nos descendentes de nordestinos, podemos falar em um terço dos brasileiros. Esse menosprezo, infelizmente, gera um efeito multiplicador, não só no círculo mais íntimo de Bolsonaro, mas entre aqueles que o seguem e se sentem autorizados e estimulados a praticar no cotidiano esse preconceito. Sou governador, tenho como me defender, verbalizar minha indignação. Imagine, porém, quem não tem essa mesma condição e sofre humilhação não é de hoje. É uma violência simbólica, psicológica, que naturaliza desigualdades. E por isso é inaceitável.

CC: O senhor teme por sua integridade física?

FD: Não tenho medo de nada e de ninguém. Não balizo minha atuação política pelas opiniões do presidente. Só espero uma relação respeitosa entre os poderes e entre governo e oposição, nos termos da Constituição. E que cada um faça a sua parte.

CC: O ataque de Bolsonaro é também uma afronta à Constituição, não?

FD: Sem dúvida. Se por parte de qualquer cidadão esse tipo de declaração é condenável, pior ainda se ela sai da boca do chefe da Nação. Até por força do juramento que fez na posse, Bolsonaro é obrigado a zelar pela integridade do País. O artigo 19 da Constituição veda a discriminação de qualquer natureza.

“Ele é naturalmente agressivo, mas esse comportamento serve de cortina de fumaça para os reais problemas do país”

CC: O comportamento de Bolsonaro é uma patologia ou uma estratégia?

FD: O Bolsonaro é naturalmente agressivo. Portanto, vejo, e lamento, uma coerência que se mantém desde os tempos em que ele era deputado. Se pegarmos os raros pronunciamentos durante os 30 anos de atuação inexpressiva no Congresso, as declarações do agora presidente só repercutiam por força da verbalização do discurso de ódio. O espantoso é a sequência inesgotável, que se intensificou do Carnaval em diante e teve como mais recente episódio o ataque ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. São 20, 30 agressões contra segmentos diversos: nordestinos, artistas, ambientalistas, LGBTs, indígenas, quilombolas, mulheres. Nitidamente, ele escolheu atuar dessa maneira. Em vez de governar para todos, ele escolhe poucos. Trata-se de um governo extremista e sectário, que busca o conflito o tempo todo.

CC: Por quê?

FD: Vejo duas razões: ele e seus ideólogos acreditam que desta maneira é possível atualizar a sua legitimidade. Além disso, serve de cortina de fumaça para os reais problemas do Brasil. Enquanto ele se ocupa de modo desprezível a atacar o presidente da OAB, assistimos a um episódio de extrema violência em uma penitenciária do Pará e à invasão de um território indígena, entre outros casos. Em vez de cuidar desses problemas ou de tentar combater o desemprego, ele gasta tempo e energia com o intuito de desviar a atenção da sociedade para as confusões que ele mesmo cria. 

CC: Trata-se de uma escalada autoritária, certo? Mas com qual objetivo?

FD: Vivemos uma escalada autoritária, não há dúvida. E isso normalmente ocorre quando segmentos políticos e jurídicos acham que os fins justificam os meios, pregam o vale-tudo. Não começou ontem. Essa estratégia teve início com a defesa do impeachment sem motivos de Dilma Rousseff e desembocou na condenação sem provas do ex-presidente Lula. É claramente uma escalada autoritária, degrau por degrau, que pode levar a uma ruptura violenta do que resta de ordem democrática. Não acho provável neste momento, mas é possível. 

“Passou da hora de anular as condenações de Lula”

CC: A oposição entende a gravidade da situação?

FD: Há uma compreensão exata do que está em curso, tanto por parte da oposição quanto por um largo setor da sociedade. Não era assim. No impeachment inconstitucional da ex-presidenta Dilma e na prisão arbitrária do ex-presidente Lula, faltou reação. Mais: muitos que se dizem defensores das regras democráticas ou que deveriam zelar por elas lavaram as mãos. Todas as sociedades que viveram sobre o tacão de experiências autoritárias no início achavam normal o que acontecia ou acreditavam que as coisas mudariam em um curto espaço de tempo, que haveria um freio. Grave engano. Acho, porém, que cada vez mais brasileiros entendem os riscos dessa aventura.

CC: A operação contra os hackers de Araraquara se encaixa nesse conceito?

FD: É precoce qualquer diagnóstico. Neste momento, deve-se exigir uma investigação técnica, séria e isenta, para que essa história misteriosa seja elucidada. Não por causa dos diálogos vazados, mas pelo fato de a atuação dos hackers ser ilegal, representar uma invasão de privacidade. A investigação desses crimes em nada invalida a divulgação dos diálogos entre o ex-juiz Sérgio Moro e integrantes do Ministério Público. A Constituição garante a liberdade de expressão e o sigilo das fontes. Acho que a apuração começou mal. O ministro da Justiça, que formalmente nada tem a fazer ou a dizer sobre a investigação, revelou uma indevida intromissão ao divulgar não só o acesso a uma apuração que não está sob seu controle, mas a intenção de destruir provas. O Moro praticou mais uma usurpação de função. 

CC: O senhor dizia até recentemente que a liberdade de Lula não invalidava a Lava Jato. Mudou de opinião após as revelações do site The Intercept? A operação não está toda sob suspeita?

FD: A melhor forma de dirimir as dúvidas continua a ser uma análise de caso a caso. Em muitos dos processos, é indiscutível a prova documental, cabal, de graves atos de corrupção. Essas condenações não devem ser invalidadas. Mas temos casos em que as provas não eram consistentes, que houve o uso de processos judiciais como arma de luta política e que não havia isenção por parte do julgador. E isso é muito evidente nos julgamentos de Lula. As condenações do ex-presidente, nos termos do Código de Processo Penal, precisam ser anuladas e ele deve ter o direito de ser julgado novamente, com respeito à lei. Só assim se fará justiça, seja qual for. 

“O mandato de Bolsonaro mal começou e parece que vai terminar, tal o desejo de largos setores da sociedade de se verem livres dessa situação”

CC: O senhor é candidato à Presidência da República?

FD: É eloquente que de forma tão precoce a discussão sobre as eleições presidenciais se imponha. É um sintoma do vazio de poder no País. O mandato de Bolsonaro mal começou e parece que vai terminar, tal o desejo de largos setores da sociedade de se verem livres dessa situação. Sempre tenho a cabeça nos sonhos, mas os pés fixos na realidade. Sei que a eleição presidencial está muito distante. Comecei em janeiro o segundo mandato em um estado com enormes desafios e estou focado nas minhas responsabilidades como governador. Esse debate tem espaço e tempo para acontecer. Não será agora. O importante é a gente continuar a exercer o livre direito de oposição, no meu caso, de governar o Maranhão, e de criar um ambiente de unidade. É uma pré-condição para se pensar em 2022. A união do campo progressista é vital.

CC: Em que ponto a oposição falha no diálogo com a sociedade?

FD: Acho que ainda não conseguimos apontar um novo caminho. Temos exercido o direito de crítica e resistido bravamente a iniciativas deletérias do ponto de vista social e econômico, mas é nossa obrigação fazer mais. Como muitos setores despertaram para os riscos reais que o governo Bolsonaro representa, estamos em melhores condições do que em janeiro. Há uma marcada divisão no Brasil. De um lado situa-se o bolsonarismo e, de outro, aqueles que respeitam a Constituição.

CC: Seria o caso de criar uma frente progressista, nos moldes do Uruguai?

FD: Sem dúvida, a união política é imprescindível. Resta discutir o modelo jurídico mais adequado. Para mim, o conceito de federações partidárias é bem interessante. A chance de a oposição vencer em 2022 depende de um projeto nacional desenhado em conjunto, acima dos interesses partidários.

CC: Como tem sido administrar um estado com tantos problemas em um momento particularmente difícil da economia do País?

FD: De 2015 para cá, houve uma profunda degradação das condições econômicas do Brasil. E Dilma Rousseff, digamos a verdade, foi impedida de governar durante o ano e meio do segundo mandato, constrangida pela atuação do ex-deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e de outros. As condições atuais estão substantivamente piores do que quando assumi o primeiro mandato. O governo do Maranhão, nestes anos, adotou uma série de medidas para evitar o caos. E conseguimos até aqui. De um modo geral, os serviços públicos não só estão em funcionamento, como foram ampliados. Temos mais policiais, mais leitos hospitalares, mais vagas nas universidades, mais restaurantes populares, escolas em tempo integral. Foram conquistas muito valiosas, principalmente por conta da hostilidade do ambiente econômico e social no País, desde o início do meu primeiro mandato. No caso do Maranhão, apesar das restrições, atingimos o menor índice de mortalidade materna da história e a maior média de notas dos alunos da rede estadual no Ideb. Mantemos um saldo positivo de empregos formais desde 2017, a despeito do aumento do desemprego no restante do Brasil. Conseguimos pacificar a Penitenciária de Pedrinhas e interferir naquela realidade degradante, a taxa de homicídio na Região Metropolitana recuou 63%. Poderia citar várias outras conquistas. Mas o País atingiu um teto e estamos cada vez mais ameaçados pelo retrocesso. Para se manter um ciclo virtuoso, é vital que a economia brasileira volte a crescer. Caso contrário, os estados não vão conseguir sustentar os serviços públicos mais básicos.

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