Cultura

Paris!

Fico sabendo através de uma mensagem no celular que o Corinthians ontem foi o campeão da Libertadores e que metade do meu país ainda está em festa

Foto: Miguel Medina/AFP
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Meu querido diário! A primeira parada foi na Paris velha de guerra, a cidade que me acolheu na década de setenta. Mais precisamente durante seis anos, anos de chumbo.  Palco de um livro escrito tanto tempo depois em que questionava já no título: Afinal, o que viemos fazer em Paris?

A cidade ainda é fria apesar de uma respeitável senhora do tempo anunciar na televisão que é verão, bom sinal, já é tempo. Cara de verão tem mesmo as imagens do interior do país onde ciclistas pedalam sem parar debaixo de um céu azul que nos protege fazendo do Tour de France uma paixão nacional.

Vim pra cá pra nada, apenas flanar. Na primeira manhã uma garoa fina cobre a cidade mas logo cedo já estou na rua, pernas pra que te quero! Começar pela beira do Sena e logo de cara comprar um exemplar da revista Jazz Hot datada de dezembro de 1945, um número especial, Louis Armstrong na capa. Mais adiante, já perto da Pont des Arts forrada de cadeados de andarilhos apaixonados, barganhar uma gravura do Sempé é preciso.

Passar num mercadinho e comprar ingredientes pro almoço. Um filé de veau, cogumelos de Paris, cebola, azeite, sal e ervas da Provence.  Uma garrafinha de Kronnebourg e nada mais.

No mercadinho constatar que a manteiga vendida no Brasil por 15 euros aqui custa pouco mais de dois e que o pé de alface é a metade do preço. Os franceses escolhem queijos, iogurtes, uma saladinha de celeri, o vinho de cada dia. Na minha frente um homem bem velhinho leva alguns minutos para entender o que está escrito na embalagem da latinha de ervilha que aqui ainda chamam  – claro – de petit-pois. Vão colocando tudo nas suas sacolas retornáveis, nenhum sinal de sacolinha plástica.

Tenho Paris inteira pela frente. Uma exposição maravilhosa do Tim Burton na Cinémathéque e, no Museu de Arte Moderna, Robert Crumb, o genial criador do Mr. Natural, do underground ao Gênesis. Sem contar Bob Dylan, o retrato do artista quando jovem na Cité de la Musique. Like a Rolling Stone! Tarde caindo e uma passada obrigatória no Museu d’Orsay para rever Monet, Manet, Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Picasso, Cézanne, Modigliani, Renoir…

Fico sabendo através de uma mensagem no celular que o Corinthians ontem foi o campeão da Libertadores e que metade do meu país ainda está em festa. Prossigo as andanças. Quase duas horas afogado em livros e discos na Fnac Halles onde agora a sacolinha plástica é paga. A boa surpresa foi encontrar o bom e velho Iggy Pop cantando La Javanaise,  uma antiga canção de Serge Gainsbourg. Show! Pular de Iggy Pop para Henri Salvador, disco póstumo novinho em folha cheio de charme, lindo.  Um pitada de pop rock é preciso. Perplexidade ao ouvir o novo cd do Public Image Ltd. John Rotten é sempre John Rotten! This is a PIL! E tem mais. Uma luxuosa caixa com os três primeiros discos de João Gilberto bem na minha frente. Os discos que ele nunca autorizou virar cd, aqui estão ao preço de 43 euros na Fnac Halles. Bom, chega de saudade!

Paris toujours Paris! Com seus croissants amanteigados, suas baguetes quentinhas, seus irresistíveis quiches de alho poró saindo do forno. Os turistas japoneses passeiam de bateaux mouche pelo Sena enquanto bicicletas circulam entre os automóveis na mais perfeita harmonia. A novidade por aqui talvez seja o McDonalds que pintou de verde e amarelo, os carros elétricos carregando no Boulevard Voltaire, a edição francesa da revista Believer e Michel Teló no ringtone do celular de um taxista de Madagascar.

Flanar, flanar, flanar… Nas ruas do Marais encontrar o Musée de la Presse. Babar diante de revistas históricas. Da underground Actuel com uma folha de maconha estampada na capa, passando pela gigantesca Paris Match com o homem colocando o pé na lua e chegando a uma estonteante Brigitte Bardot na capa de uma Elle dos anos 60. Um jantar por ali mesmo, pra rimar coelho com batatas sauté no Le Marché.

Andar com fé eu vou! Terminar o dia na Igreja da Medalha Milagrosa e depois fechar os olhos e viajar num concerto de órgãos na Notre Dame ao cair do sol. Acender uma vela, por que não? A banca lá fora está fechando mas ainda deu tempo de comprar o La Repubblica, o El Pais e o Monde do final de semana agora com uma luxuosa revista M. O prazer de ler página por página e a mesma sensação de muitos anos atrás. Afinal, o que viemos fazer em Paris?

 

[Semana que vem: Budapeste]

Meu querido diário! A primeira parada foi na Paris velha de guerra, a cidade que me acolheu na década de setenta. Mais precisamente durante seis anos, anos de chumbo.  Palco de um livro escrito tanto tempo depois em que questionava já no título: Afinal, o que viemos fazer em Paris?

A cidade ainda é fria apesar de uma respeitável senhora do tempo anunciar na televisão que é verão, bom sinal, já é tempo. Cara de verão tem mesmo as imagens do interior do país onde ciclistas pedalam sem parar debaixo de um céu azul que nos protege fazendo do Tour de France uma paixão nacional.

Vim pra cá pra nada, apenas flanar. Na primeira manhã uma garoa fina cobre a cidade mas logo cedo já estou na rua, pernas pra que te quero! Começar pela beira do Sena e logo de cara comprar um exemplar da revista Jazz Hot datada de dezembro de 1945, um número especial, Louis Armstrong na capa. Mais adiante, já perto da Pont des Arts forrada de cadeados de andarilhos apaixonados, barganhar uma gravura do Sempé é preciso.

Passar num mercadinho e comprar ingredientes pro almoço. Um filé de veau, cogumelos de Paris, cebola, azeite, sal e ervas da Provence.  Uma garrafinha de Kronnebourg e nada mais.

No mercadinho constatar que a manteiga vendida no Brasil por 15 euros aqui custa pouco mais de dois e que o pé de alface é a metade do preço. Os franceses escolhem queijos, iogurtes, uma saladinha de celeri, o vinho de cada dia. Na minha frente um homem bem velhinho leva alguns minutos para entender o que está escrito na embalagem da latinha de ervilha que aqui ainda chamam  – claro – de petit-pois. Vão colocando tudo nas suas sacolas retornáveis, nenhum sinal de sacolinha plástica.

Tenho Paris inteira pela frente. Uma exposição maravilhosa do Tim Burton na Cinémathéque e, no Museu de Arte Moderna, Robert Crumb, o genial criador do Mr. Natural, do underground ao Gênesis. Sem contar Bob Dylan, o retrato do artista quando jovem na Cité de la Musique. Like a Rolling Stone! Tarde caindo e uma passada obrigatória no Museu d’Orsay para rever Monet, Manet, Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Picasso, Cézanne, Modigliani, Renoir…

Fico sabendo através de uma mensagem no celular que o Corinthians ontem foi o campeão da Libertadores e que metade do meu país ainda está em festa. Prossigo as andanças. Quase duas horas afogado em livros e discos na Fnac Halles onde agora a sacolinha plástica é paga. A boa surpresa foi encontrar o bom e velho Iggy Pop cantando La Javanaise,  uma antiga canção de Serge Gainsbourg. Show! Pular de Iggy Pop para Henri Salvador, disco póstumo novinho em folha cheio de charme, lindo.  Um pitada de pop rock é preciso. Perplexidade ao ouvir o novo cd do Public Image Ltd. John Rotten é sempre John Rotten! This is a PIL! E tem mais. Uma luxuosa caixa com os três primeiros discos de João Gilberto bem na minha frente. Os discos que ele nunca autorizou virar cd, aqui estão ao preço de 43 euros na Fnac Halles. Bom, chega de saudade!

Paris toujours Paris! Com seus croissants amanteigados, suas baguetes quentinhas, seus irresistíveis quiches de alho poró saindo do forno. Os turistas japoneses passeiam de bateaux mouche pelo Sena enquanto bicicletas circulam entre os automóveis na mais perfeita harmonia. A novidade por aqui talvez seja o McDonalds que pintou de verde e amarelo, os carros elétricos carregando no Boulevard Voltaire, a edição francesa da revista Believer e Michel Teló no ringtone do celular de um taxista de Madagascar.

Flanar, flanar, flanar… Nas ruas do Marais encontrar o Musée de la Presse. Babar diante de revistas históricas. Da underground Actuel com uma folha de maconha estampada na capa, passando pela gigantesca Paris Match com o homem colocando o pé na lua e chegando a uma estonteante Brigitte Bardot na capa de uma Elle dos anos 60. Um jantar por ali mesmo, pra rimar coelho com batatas sauté no Le Marché.

Andar com fé eu vou! Terminar o dia na Igreja da Medalha Milagrosa e depois fechar os olhos e viajar num concerto de órgãos na Notre Dame ao cair do sol. Acender uma vela, por que não? A banca lá fora está fechando mas ainda deu tempo de comprar o La Repubblica, o El Pais e o Monde do final de semana agora com uma luxuosa revista M. O prazer de ler página por página e a mesma sensação de muitos anos atrás. Afinal, o que viemos fazer em Paris?

 

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