Opinião

Um novo mundo é possível?

Que o fim da pandemia nos traga também o fim do imperialismo, da lei do mais forte e – quem sabe – um saudável anarquismo

Manifestação do Movimento dos Sem-Terra - Foto: Agência Brasil
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Como sairemos desta pandemia? Há muitas hipóteses. Uma primeira, é de que nos daremos conta de que todos os destinos estão interligados. Em contrapartida, deverá ficar claro que, sem um mínimo de autonomia, muitos países, nações e comunidades irão perecer. As desapropriações de máscaras e respiradores, por parte do governo dos Estados Unidos da América, equipamentos aqueles destinados a outros países, são o exemplo mais gritante da política de “diplomacia selvagem”.

Por outro lado, no Brasil assistimos à organização da sociedade, da base. Escolas de samba do Rio de Janeiro, 14 no total, estão produzindo máscaras e aventais, doando também cestas básicas às comunidades carentes.

Com efeito, o isolamento nas comunidades parece ser mais respeitado do que nos bairros ricos.
Em São Paulo, Paraisópolis organizou sua própria assistência médica, contratando médico, paramédicos e ambulância. Na outra ponta, o maior jurista vivo, Luigi Ferrajoli, propôs uma “constituição mundial”, tendo em vista o grau da nossa interdependência.

Parece que os caminhos se abrem: ao chamamento do Papa Francisco para o isolamento horizontal, cancelando toda participação pública em cerimônias religiosas, outra das três religiões abraâmicas, o islamismo, aduziu o impedimento até às peregrinações à Meca.

 

Entretanto, se o bem busca nascer, o mal não se resigna. No Brasil, país que se tornou anátema da sociedade mundial, o golpe de estado, materializado em 2016, continua sua marcha destruidora, de morte. O capítulo mais recente desse drama é a aceitação pelo Subprocurador Eleitoral de pedido de cassação do Partido dos Trabalhadores. Trata-se, evidentemente, de mais uma tentativa de aprofundar a já instalada ditadura no país, sob a tutela militar, cada dia mais escancarada.

Como as trevas – até elas – não resistem à luz, o dado “positivo” perpetrado pelo Ministério Público Eleitoral consiste em deixar claro que o mal, por ser intrinsecamente maniqueísta, só sabe avançar, não recuar, como o faz o presidente ilegítimo e o desgoverno dele, marca da derrota inexorável da necropolítica.

Com efeito, os movimentos sociais, silentes no momento do golpe e posteriormente, retomaram o vigor, assumindo diretamente o protagonismo humanitário. As cooperativas ligadas ao Movimento Sem Terra, por exemplo, têm distribuído gratuitamente, aos mais desassistidos, toneladas de arroz orgânico e milhares de litros de leite, além de produzirem e doarem álcool 70 graus para as comunidades carentes. De fato, no Brasil desgovernado, a sociedade civil claramente assumiu sua própria proteção, promoção e provisão de direitos, o mais elementar deles, à alimentação.

Nesse sentido, os partidos de esquerda parecem ter sido ultrapassados pela realidade, dada a falta de mecanismos e de reflexão sobre temas humanitários, sempre – e infelizmente – vistos como menores.
Cabe ressalvar que isso não ocorreu no Congresso. As iniciativas parlamentares de aprovação de renda mínima e a proposta de imposto sobre as grandes fortunas, debate este protelado desde 1988, são a prova.

Ao lado disso, louvem-se os projetos de lei das Deputadas Maria do Rosário e Erica Kokay, do PT do RS e do DF, respectivamente, os quais buscam garantir o direito à alimentação de estudantes, mesmo no período do recesso involuntário. Tratam-se de projetos triplamente virtuosos: visam a garantir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes, suas capacidades cognitivas e a renda das famílias produtoras rurais.

Portanto, os âmbitos locais, nacionais e internacionais estarão mais interligados, mas com maior autarcia, com maior segurança alimentar, energética, financeira etc. Todo o contrário do projeto neo-liberal que era preconizado pelo grande capital financeiro e seus governos corsários, principalmente o de Bolsonaro. Não é à toa que tanto os jornais mais ligados ao segmento financeiro, como o “Financial Times” e o “Washington Post”, lançaram na semana passada editoriais em que revêm aquelas posições extremadas.

A China, por conseguinte, desponta quase como um “estado modelo”, capaz de auto-provisão, seja por meio dos próprios recursos, seja por meio de investimentos externos que os garantam. Em contrapartida, as repetidas agressões xenófobas do filho ex-quase embaixador e do tresloucado ministro da ignorância àquela superpotência redobraram.

O tom das respostas – por parte dos diplomatas chineses no Brasil – àquelas agressões gratuitas, expulsões vigorosas de badalhocas pela dupla genocida, permite aquilatar o dano que as mesmas têm causado às relações bilaterais do Brasil com seu principal parceiro econômico. Mesmo o empresariado brasileiro, o mais obscurantista que o sol já iluminou – com raras e louváveis exceções – já se deu conta do desastre e do quanto lhe custará ao bolso, por décadas…

Esperemos que o fim da pandemia nos traga também o fim do imperialismo, da lei do mais forte e – quem sabe – um saudável anarquismo, com um estado mais grego, mais filosófico, menos militaresco, punitivista e terrorista. Afinal, nesta semana, comemoraremos, mais uma vez, a vitória da vida sobre a morte, sempre.

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