Sociedade

Um exemplo de superação

Baixo e franzino, Félix foi um grande goleiro por sua excepcional inteligência. Dentro e fora dos gramados

O goleiro Félix, morto na última semana. Foto: Reprodução/SaraivaConteudo/YouTube
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Por Afonsinho

Para se fazer um grande time, necessitam-se, antes de tudo, de jogadores de boa cabeça. Mesmo atletas de força devem suportar os momentos complicados. Os campeões superaram adversidades com inteligência. O goleiro Félix é exemplo. Considerado baixo e franzino para a posição, não chegaria aonde chegou não fosse sua excepcional inteligência. Sua defesa contra a Inglaterra na Copa de 1970 é antológica, não há outro termo para definir. Sem ela, ninguém sabe o que poderia acontecer com a Seleção Brasileira. Félix e os jogadores da defesa eram considerados lentos, e eram mesmo. Piazza, além de tudo, foi improvisado na zaga, mas era capitão do Cruzeiro de seus melhores dias. Superaram-se.

Não imaginava que fosse sentir tanto a despedida do querido Félix, que faleceu na sexta-feira 24, aos 74 anos. Só me dei conta da nossa proximidade à medida que voltaram as lembranças. Por serem esparsas, não pareciam tão profundas.

Recordo-me de uma parceria marcante. A história começa com um terremoto na Itália no Natal daquele ano. No Brasil, os jogadores estavam de férias e alguém teve a ideia de uma partida internacional entre Brasil e Itália, para arrecadar dinheiro para os desabrigados. Instalou-se, então, uma guerra de vaidades.

Fui despertado por Félix com um recado de Francisco Horta, presidente do Fluminense. “Está com o passaporte em dia?”, perguntou-me. “O pessoal passou a noite reunido na sede da Agap (entidade representativa dos atletas profissionais) e o doutor quer falar contigo.” Ao chegar à casa do dirigente tricolor, no caminho da Urca, Horta falava de forma eloquente a um radialista. Considerava absurdo a CBF não permitir o jogo, apenas porque seus dirigentes não estavam à frente da iniciativa. Mesmo de férias, alguns jogadores recusavam o convite, com medo de retaliações em futuras convocações para a Seleção.

Com a perspicácia inerente, disparou: “Precisamos mostrar a essa gente o valor da liberdade!” E perguntou se eu iria. Naquela altura, estava no auge das batalhas para ser um jogador de passe livre. Estava sem clube, sem contrato e sem empresário. “Se houver a viagem, vou. Mesmo sendo beneficente”, respondi.

Para fazer a excursão, foi preciso ajuizar um mandado de segurança. Ao voltar para casa, na Praia Vermelha, ouvi do outro lado da calçada: “Às 3 horas, em frente ao Cine Veneza”. Foram Raul, Leandro, Zico, Luiz Pereira e Claudio Adão, entre outros. Um timaço reforçado por craques do São Cristóvão. Uma viagem cheia de peripécias e histórias memoráveis.

A partida ocorreu em Udine, norte da Itália. Partimos do Brasil num calor abrasador e chegamos lá num frio de lascar. Tive de tomar emprestado calçados e casaco. A calça de lã, comprei por lá mesmo. Zico fez um gol espetacular. Driblou todo mundo da defesa italiana e, rente à linha de fundo, chutou sem ângulo.

Passado um tempo, em outra manhã, recebi uma nova visita do amigo Félix. “Afonso, peguei o Madureira no Torneio da Morte e preciso de você. Só tem garoto no time e a competição, já viu!” O Torneio da Morte era assim chamado por um casuísmo arranjado pelos cartolas do futebol carioca. Os times rebaixados disputavam partidas só de ida, sem returno. Perdeu duas, está fora. Uma verdadeira briga de foice.

Sempre fui obrigado a manter a forma mesmo sem ter contrato com algum clube. Precisava estar em condição de jogo caso aparecesse alguma oportunidade. Estávamos no meio de setembro e pensei com meus botões: “Neste ano não jogo mais”. Pela primeira vez, relaxei e respondi ao amigo: “Félix, desta vez não dá. Não consigo nem atravessar a rua com pressa”.

Félix não aceitou a recusa. “Começa a treinar. São duas semanas. Vai jogando e entrando em forma.” Não me convenci, mas comecei a treinar no mesmo campo onde sempre mantive meu estado físico: o da UFRJ, entre o Canecão e o Pinel.

Félix fez um trabalho muito benfeito, inclusive fora de campo. Apesar de ser uma loucura em termos profissionais, como a ida para o Olaria, que no final me reabilitou, deu tudo certo. O Madureira manteve-se na Primeira Divisão. A festa foi boa.

Acabei indo para o Fluminense encerrar a minha trajetória num grande clube. Foi uma das maiores vitórias para um jogador de passe livre naqueles tempos. E há numerosas outras histórias ao lado do grande Félix. Deixarei para contar em outras ocasiões.

Não sei não…


Com o centenário de Nelson Rodrigues, será difícil tirar o título do Campeonato Brasileiro das Laranjeiras. É só o tricolor manter a arrancada até o fim. O segundo turno começa agora.

Por Afonsinho

Para se fazer um grande time, necessitam-se, antes de tudo, de jogadores de boa cabeça. Mesmo atletas de força devem suportar os momentos complicados. Os campeões superaram adversidades com inteligência. O goleiro Félix é exemplo. Considerado baixo e franzino para a posição, não chegaria aonde chegou não fosse sua excepcional inteligência. Sua defesa contra a Inglaterra na Copa de 1970 é antológica, não há outro termo para definir. Sem ela, ninguém sabe o que poderia acontecer com a Seleção Brasileira. Félix e os jogadores da defesa eram considerados lentos, e eram mesmo. Piazza, além de tudo, foi improvisado na zaga, mas era capitão do Cruzeiro de seus melhores dias. Superaram-se.

Não imaginava que fosse sentir tanto a despedida do querido Félix, que faleceu na sexta-feira 24, aos 74 anos. Só me dei conta da nossa proximidade à medida que voltaram as lembranças. Por serem esparsas, não pareciam tão profundas.

Recordo-me de uma parceria marcante. A história começa com um terremoto na Itália no Natal daquele ano. No Brasil, os jogadores estavam de férias e alguém teve a ideia de uma partida internacional entre Brasil e Itália, para arrecadar dinheiro para os desabrigados. Instalou-se, então, uma guerra de vaidades.

Fui despertado por Félix com um recado de Francisco Horta, presidente do Fluminense. “Está com o passaporte em dia?”, perguntou-me. “O pessoal passou a noite reunido na sede da Agap (entidade representativa dos atletas profissionais) e o doutor quer falar contigo.” Ao chegar à casa do dirigente tricolor, no caminho da Urca, Horta falava de forma eloquente a um radialista. Considerava absurdo a CBF não permitir o jogo, apenas porque seus dirigentes não estavam à frente da iniciativa. Mesmo de férias, alguns jogadores recusavam o convite, com medo de retaliações em futuras convocações para a Seleção.

Com a perspicácia inerente, disparou: “Precisamos mostrar a essa gente o valor da liberdade!” E perguntou se eu iria. Naquela altura, estava no auge das batalhas para ser um jogador de passe livre. Estava sem clube, sem contrato e sem empresário. “Se houver a viagem, vou. Mesmo sendo beneficente”, respondi.

Para fazer a excursão, foi preciso ajuizar um mandado de segurança. Ao voltar para casa, na Praia Vermelha, ouvi do outro lado da calçada: “Às 3 horas, em frente ao Cine Veneza”. Foram Raul, Leandro, Zico, Luiz Pereira e Claudio Adão, entre outros. Um timaço reforçado por craques do São Cristóvão. Uma viagem cheia de peripécias e histórias memoráveis.

A partida ocorreu em Udine, norte da Itália. Partimos do Brasil num calor abrasador e chegamos lá num frio de lascar. Tive de tomar emprestado calçados e casaco. A calça de lã, comprei por lá mesmo. Zico fez um gol espetacular. Driblou todo mundo da defesa italiana e, rente à linha de fundo, chutou sem ângulo.

Passado um tempo, em outra manhã, recebi uma nova visita do amigo Félix. “Afonso, peguei o Madureira no Torneio da Morte e preciso de você. Só tem garoto no time e a competição, já viu!” O Torneio da Morte era assim chamado por um casuísmo arranjado pelos cartolas do futebol carioca. Os times rebaixados disputavam partidas só de ida, sem returno. Perdeu duas, está fora. Uma verdadeira briga de foice.

Sempre fui obrigado a manter a forma mesmo sem ter contrato com algum clube. Precisava estar em condição de jogo caso aparecesse alguma oportunidade. Estávamos no meio de setembro e pensei com meus botões: “Neste ano não jogo mais”. Pela primeira vez, relaxei e respondi ao amigo: “Félix, desta vez não dá. Não consigo nem atravessar a rua com pressa”.

Félix não aceitou a recusa. “Começa a treinar. São duas semanas. Vai jogando e entrando em forma.” Não me convenci, mas comecei a treinar no mesmo campo onde sempre mantive meu estado físico: o da UFRJ, entre o Canecão e o Pinel.

Félix fez um trabalho muito benfeito, inclusive fora de campo. Apesar de ser uma loucura em termos profissionais, como a ida para o Olaria, que no final me reabilitou, deu tudo certo. O Madureira manteve-se na Primeira Divisão. A festa foi boa.

Acabei indo para o Fluminense encerrar a minha trajetória num grande clube. Foi uma das maiores vitórias para um jogador de passe livre naqueles tempos. E há numerosas outras histórias ao lado do grande Félix. Deixarei para contar em outras ocasiões.

Não sei não…


Com o centenário de Nelson Rodrigues, será difícil tirar o título do Campeonato Brasileiro das Laranjeiras. É só o tricolor manter a arrancada até o fim. O segundo turno começa agora.

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